Ação Direta de
Inconstitucionalidade
Processo nº 0026440-82.2013.8.26.0000
Requerente:
Prefeito Municipal de Guarulhos
Requerido:
Presidente da Câmara Municipal de Guarulhos
Ementa:
1) Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 7.080, de 14 de dezembro de 2012, do Município de Guarulhos, de iniciativa parlamentar, que “Estabelece obrigatoriedade de veiculação de mensagens sonoras intermitentes dentro dos veículos utilizados no serviço de transporte coletivo de passageiros integrantes dos Sistemas Estrutural e Alimentador no Município de Guarulhos, na forma que especifica e dá providências.”
2) Inconstitucionalidade. Encontra-se na reserva da administração e na iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo a organização e regulamentação dos serviços públicos prestados direta ou indiretamente, sendo, ainda, inconstitucional a lei de iniciativa parlamentar pela ausência de fonte para cobertura da adequação do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão (art. 25 da Constituição Estadual).
3) Violação do princípio da separação de poderes (arts. 5º; 24, § 2º, 2; 47, II, XIV e XIX, e 144 da Constituição do Estado). Procedência do pedido.
Colendo Órgão
Especial
Senhor Desembargador
Relator
Tratam estes autos de ação direta de inconstitucionalidade,
tendo como alvo a Lei nº 7.080, de 14 de dezembro de 2012, do Município de
Guarulhos, de iniciativa parlamentar, que “Estabelece
obrigatoriedade de veiculação de mensagens sonoras intermitentes dentro dos
veículos utilizados no serviço de transporte coletivo de passageiros
integrantes dos Sistemas Estrutural e Alimentador no Município de Guarulhos, na
forma que especifica e dá providências.”
Sustenta o requerente que a lei é inconstitucional por apresentar vício de iniciativa, criar despesa sem a indicação da fonte de recurso, violar o princípio da separação de poderes e o da proporcionalidade e razoabilidade. Daí, a afirmação de violação dos arts. 5º; 24, § 2º, 1 e 2; 25; 47, II, XIV e XVII; 111; 144; 174 e 176, I da Constituição Estadual.
Foi deferida a liminar para
suspender com efeito ex nunc a
vigência e eficácia da Lei Municipal nº 7.080/2012 (fls. 41/42).
Contra tal decisão foi interposto agravo regimental (fls. 61/70), ao qual foi negado provimento (fls. 75/77)
Citado regularmente (fl. 51), o Procurador Geral do Estado declinou de realizar a defesa do ato normativo impugnado, afirmando tratar de matéria de interesse exclusivamente local (fls. 53/58).
Devidamente notificado (fl. 48), o Presidente da Câmara Municipal apresentou informações às fls. 80/88, defendendo a validade do ato normativo impugnado.
Nestas condições vieram os autos para manifestação desta Procuradoria-Geral de Justiça.
Procede o pedido.
A Lei nº 7.080, de 14 de dezembro de 2012, do Município de
Guarulhos, de iniciativa parlamentar, que “Estabelece obrigatoriedade de
veiculação de mensagens sonoras intermitentes dentro dos veículos utilizados no
serviço de transporte coletivo de passageiros integrantes dos Sistemas
Estrutural e Alimentador no Município de Guarulhos, na forma que especifica e
dá providências”, foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal, após
rejeição do veto do executivo, com a seguinte redação:
“Art. 1º Fica estabelecida a obrigatoriedade de veiculação de mensagens sonoras intermitentes dentro dos veículos utilizados no serviço de transporte coletivo de passageiros integrantes dos Sistemas Estrutural e Alimentador no Município de Guarulhos.
§ 1º As mensagens aludidas no caput do presente artigo deverão chamar a atenção dos usuários para o respeito aos direitos da pessoa com deficiência, de idosos, da criança e das gestantes, dando-lhes preferência na utilização dos assentos.
§ 2º Poderão ainda, referidas mensagens, informar os usuários desses sistemas de transportes, sobre outros assuntos de interesse público em geral, a critério da Administração.
Art. 2º As despesas com a execução da presente Lei correrão por conta de dotações próprias consignadas em Orçamento, suplementadas se necessário.
Art. 3º Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.”
O ato normativo impugnado, de iniciativa parlamentar, é verticalmente incompatível com nosso ordenamento constitucional por violar o princípio federativo e o da separação de poderes, previstos nos arts. 5º e 47, II, XIV e XIX, a, da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da Carta Paulista, os quais dispõem o seguinte:
“(...)
Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o
Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
(...)
Art. 47 – Compete privativamente ao Governador, além de outras
atribuições previstas nesta Constituição:
(...)
II – exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior
da administração estadual;
(...)
XIV – praticar os demais atos de administração, nos limites da
competência do Executivo;
(...)
XIX - dispor, mediante decreto, sobre:
a) organização e funcionamento da administração estadual, quando não
implicar em aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos;
(...)
Art. 144 – Os Municípios, com autonomia, política, legislativa,
administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os
princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”
A matéria disciplinada pela lei
encontra-se no âmbito da atividade administrativa do município, cuja organização,
funcionamento e direção superior cabe ao Prefeito Municipal, com auxílio dos
Secretários Municipais.
A forma e condições de prestação do serviço público, seja de forma direta ou indireta, como é o caso do transporte coletivo de passageiros realizado no município de Guarulhos, é matéria exclusivamente relacionada à Administração Pública, a cargo do Chefe do Executivo.
Trata-se de atividade
nitidamente administrativa, representativa de atos de gestão, de escolha
política para a satisfação das necessidades essenciais coletivas, vinculadas
aos direitos fundamentais. Assim, privativa do Poder Executivo e inserida na esfera do poder discricionário da administração.
Não se trata, evidentemente, de
atividade sujeita à disciplina legislativa. Assim, o Poder Legislativo não pode,
através de lei, ocupar-se da administração, sob pena de se permitir que o
legislador administre invadindo área privativa do Poder Executivo.
Quando o Poder Legislativo do município edita lei disciplinando atuação administrativa, como ocorre, no caso em exame, em função da obrigatoriedade de veiculação de mensagens sonoras intermitentes dentro dos veículos utilizados no serviço de transporte coletivo de passageiros integrantes dos Sistemas Estrutural e Alimentador no Município de Guarulhos, invade, indevidamente, esfera que é própria da atividade do Administrador Público, violando o princípio da separação de poderes.
Cabe essencialmente à Administração Pública, e não ao legislador, deliberar a respeito da conveniência e da oportunidade da criação de serviços em benefício dos cidadãos. Trata-se de atuação administrativa que fundada em escolha política de gestão, na qual é vedada intromissão de qualquer outro poder.
Não se trata de violação do art. 24, § 2º, 1 e 2 da Constituição Estadual, uma vez que a lei não cuidou de criação de cargos, funções ou empregos públicos ou de órgãos da órgãos da Administração Pública.
A questão também não diz respeito à violação dos princípios
da proporcionalidade e razoabilidade.
A inconstitucionalidade
decorre da violação da regra da separação de poderes, prevista na Constituição
Paulista e aplicável aos Municípios (arts. 5º, 47, II, XIV e XIX, a e 144).
É
pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe
primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento,
organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público. De
outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar
leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.
Cumpre
recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura
não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. (...) O Legislativo
edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de
funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio
constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da
Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”.
Sintetiza,
ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como
também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da
Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de
funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c o art. 31), podendo ser
invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15. ed.,
atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo,
Malheiros, 2006, p. 708 e 712).
Deste
modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando
leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a
harmonia e independência que devem existir entre os poderes estatais.
A
matéria tratada na lei encontra-se na órbita da chamada reserva da administração, que reúne as competências próprias de
administração e gestão, imunes à interferência de outro poder (art. 47, II e IX
da Constituição Estadual - aplicável na órbita municipal por obra de seu art.
144), pois privativas do chefe do Poder Executivo.
Ainda
que se imagine que houvesse necessidade de disciplinar por lei alguma matéria
típica de gestão municipal, a iniciativa seria privativa do chefe do Poder
Executivo, mesmo quando ele não possa discipliná-la por decreto nos termos do
art. 47, XIX, da Constituição Estadual.
Assim,
a Lei, ao regular condições da prestação de um serviço público municipal, de um
lado, viola o art. 47, II e XIV, no estabelecimento de regras que respeitam a
direção da administração, a organização e o funcionamento do Poder Executivo,
matéria essa que é da alçada da reserva da Administração, e de outro, ela
ofende o art. 24, § 2º, 2, na medida em que impõe atribuição ao Poder
Executivo.
Em síntese, cabe nitidamente ao administrador público, e não ao legislador, deliberar a respeito do tema.
De outro lado, e não menos importante, a lei impugnada cria, evidentemente, novas despesas por parte da Municipalidade, sem que tenha havido a indicação das fontes específicas de receita para tanto e a inclusão do programa na lei orçamentária anual.
O ato normativo impugnado importa em modificação das condições da prestação do serviço público que teve no processo de licitação a definição precisa de seu objeto.
Assim, alteradas as condições da prestação do serviço concedido haveria obrigatoriedade da adequação do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão, não tendo sido indicados especificamente os recursos orçamentários necessários para a cobertura dos gastos advindos que, no caso, são evidentes porquanto ordenam atividades novas na prestação do serviço público concedido, não servindo a tanto a genérica menção a dotações orçamentárias próprias.
Isso implica contrariedade ao disposto nos arts. 25 e 176, I, da Constituição do Estado de São Paulo.
A
inconstitucionalidade transparece exatamente pelo divórcio da iniciativa
parlamentar da lei local com os preceitos mencionados da Constituição Estadual.
Diante do exposto, aguarda-se seja o pedido julgado procedente para declarar a inconstitucionalidade Lei nº 7.080, de 14 de dezembro de 2012, do Município de Guarulhos.
São Paulo, 16 de julho de 2013.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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