Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 0026850-43.2013.8.26.0000

Requerente: Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes – SINDICOM

Requeridos: Prefeito e Presidente da Câmara Municipal de Mauá

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade em face da Lei n. 4.820, de 4 de dezembro de 2012, do Município de Mauá, que “dispõe sobre a venda e consumo de bebidas alcoólicas em postos de abastecimento de combustíveis e serviços e nas suas lojas de conveniência, no âmbito do Município de Mauá, na forma que estabelece e dá outras providências”.

2)      Preliminar de ilegitimidade ativa “ad causam”. Entidade de classe de âmbito nacional não possui legitimidade para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal (CF, art. 125, § 2º), só reconhecida em favor das entidades de classe com atuação estadual ou municipal – Inteligência do art. 90, inciso V, da Carta Estadual – Extinção do processo sem julgamento do mérito.

3)      Impossibilidade de realização do controle concentrado de constitucionalidade adotando como parâmetros dispositivos da Constituição da República, da legislação federal, ou da própria Lei Orgânica do Município. Precedentes do STF.

4)      Extinção ou improcedência da ação direta de inconstitucionalidade.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Desembargador Relator

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes – SINDICOM, tendo como alvo a Lei n. 4.820, de 4 de dezembro de 2012, do Município de Mauá, que “dispõe sobre a venda e consumo de bebidas alcoólicas em postos de abastecimento de combustíveis e serviços e nas suas lojas de conveniência, no âmbito do Município de Mauá, na forma que estabelece e dá outras providências”.

Alega o autor que a norma é inconstitucional, em suma, por violar o sistema de repartição de competências da Constituição Federal. Haveria afronta aos arts. 1º, 19 e 144, da Constituição Paulista, bem como ao art. 30, I e II, da Constituição Federal.

Ainda segundo o autor, também haveria vício da inconstitucionalidade pela afronta a princípios constitucionais, como a proporcionalidade, razoabilidade, livre iniciativa e da livre concorrência.

Foi concedida a liminar, determinando-se a suspensão do diploma normativo impugnado (fls. 248/249).

Citado, o Procurador-Geral do Estado declinou de defender o ato normativo (fls. 263/264).

O Prefeito Municipal prestou informações a fls. 266/275, defendendo a constitucionalidade. O Presidente da Câmara Municipal não prestou informações (fl. 307).

É o relato do essencial.

Preliminarmente, deve a ação ser extinta sem exame do mérito, por falta de legitimidade da entidade requerente para mover ação direta de inconstitucionalidade no plano estadual.

De acordo com o art. 90, V, da Constituição Paulista, são legitimadas para propor ação direta de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo entidades de atuação local:

“(...)

Art. 90.

V – as entidades sindicais ou de classe, de atuação estadual ou municipal, demonstrando o interesse jurídico no caso;

(...)”

A requerente é entidade de classe de âmbito nacional.

Dessa forma, embora seja reconhecida sua legitimidade para propor ações diretas perante o Col. Supremo Tribunal Federal (por prever o art. 103, IX, da CR a iniciativa de “confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional”), não está ela, com a devida vênia, habilitada a figurar como autora no controle de constitucionalidade no plano estadual.

Esse raciocínio está calcado na simetria das questões jurídicas a serem examinadas no âmbito do controle de constitucionalidade feito pelo Col. Supremo Tribunal Federal, de um lado, e pelos tribunais estaduais, de outro: para o controle em face da Constituição da República, o art. 103, IX, legitima entidades de âmbito nacional; enquanto para o controle em face da Constituição do Estado, o art. 90, V, da Carta Paulista legitima entidades de âmbito municipal ou estadual.

Não faz sentido, dentro dessa sistemática constitucional - e considerando que as regras constitucionais não são compostas por palavras ou expressões inúteis – imaginar que uma entidade de âmbito nacional possa atuar no controle estadual, ou mesmo a situação inversa, ou seja, que uma entidade local (municipal ou estadual) possa atuar no controle nacional de constitucionalidade da lei.

É por essa razão que a jurisprudência do Col. Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de só admitir a iniciativa, em ações diretas, de sindicatos ou entidades de classe se forem de âmbito nacional. Confira-se: ADI 3.153-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 12-8-2004, Plenário, DJ de 9-9-2005; ADI 2.797 e ADI 2.860, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 15-9-2005, Plenário, DJ de 19-12-2006; ADI 15, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 14-6-2007, Plenário, DJ de 31-8-2007; entre outros.

Ora, se o entendimento pacífico do Col. Supremo Tribunal Federal é de que só entidades de âmbito nacional podem propor ações diretas junto à Suprema Corte, é natural que, no plano do controle estadual só possam fazê-lo entidades de representação local (municipais ou estaduais).

Assim, será necessária a extinção do feito sem exame do mérito, por ilegitimidade da autora.

Se não bastasse, apesar de o autor invocar dispositivos da Constituição Estadual, a verdade é que a presente ação direta é fundada em dispositivos da Constituição Federal.

Assim, é necessário observar, inicialmente, a impossibilidade, na ação direta de inconstitucionalidade estadual, de adoção de dispositivos da Constituição da República, da legislação federal, bem como da Lei Orgânica do Município, como parâmetros para o controle abstrato.

Foi por essa razão que na ADI 347/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 20/09/2006 (DJ 20/10/2006) foi declarada a inconstitucionalidade do art. 74, XI, da Constituição do Estado de São Paulo, que permitia a adoção de parâmetro constitucional federal no controle de constitucionalidade estadual. Eis a ementa do julgado:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ART. 74, XI. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE, PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, DE LEI OU ATO NORMATIVO MUNICIPAL EM FACE DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PROCEDÊNCIA.

É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, antes e depois de 1988, no sentido de que não cabe a tribunais de justiça estaduais exercer o controle de constitucionalidade de leis e demais atos normativos municipais em face da Constituição Federal. Precedentes. Inconstitucionalidade do art. 74, XI, da Constituição do Estado de São Paulo. Pedido julgado procedente”.

Dessa forma, não comportam exame, nesta ação direta, as alegações do autor de que o ato normativo contraria dispositivos da Constituição da República, da legislação federal, entre outras, mencionadas na inicial.

Reitere-se: a ação direta de inconstitucionalidade no plano estadual tem escopo limitado, e consiste, exclusivamente, em instrumento de verificação quanto à existência de compatibilidade entre a lei e a Constituição do Estado.

Esse sistema decorre do art. 125, § 2º, da Constituição da República, pelo qual “cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual (...)” (g.n.).

Portanto, declarar a inconstitucionalidade da lei municipal utilizando como parâmetro de controle dispositivo da Constituição Federal ou mesmo da legislação infraconstitucional significaria contrariar o art. 125, § 2º, da CR.

Existem outros motivos que determinam a improcedência.

A Lei n. 4.820, de 4 de dezembro de 2012, do Município de Mauá, “dispõe sobre a venda e consumo de bebidas alcoólicas em postos de abastecimento de combustíveis e serviços e nas suas lojas de conveniência, no âmbito do Município de Mauá, na forma que estabelece e dá outras providências”:

A constitucionalidade do mencionado diploma decorre do fato de que não pode ser negada a competência do município para legislar sobre restrição ao comércio de bebidas alcoólicas.

No julgamento da ADI 3.691/MA, o Excelentíssimo Ministro Relator citou trecho do Procurador-Geral da República plenamente aplicável ao caso concreto: “Deve-se entender como interesse local, no presente contexto, aquele inerente às necessidades imediatas do município, mesmo que possua reflexos no interesse regional ou geral”.

Com efeito, o Poder Público pode condicionar e restringir o exercício de atividades e direitos individuais, em proveito da coletividade ou do próprio Estado, o que constitui típica manifestação do poder de polícia, na exata definição de HELY LOPES MEIRELLES (Cf. “Direito Administrativo Brasileiro”, Malheiros, 28.a edição, atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, pág. 127).

Diante do exposto, caso o mérito seja analisado, aguarda-se a improcedência da ação, reconhecendo-se a constitucionalidade da Lei n. 4.820, de 4 de dezembro de 2012, do Município de Mauá.

 

São Paulo, 16 de maio de 2013.

 

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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