Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 0036926-29.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Campinas

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Campinas

 

 

Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 4º da Lei Municipal n. 14.137, de 14 de outubro de 2011, do Município de Campinas. Remuneração na Administração Pública. Extensão da parcela prêmio de produtividade a todos os servidores lotados na Secretaria Municipal de Finanças, decorrente de emenda parlamentar. Inconstitucionalidade. Procedência da ação.  Referida extensão, resultante de emenda parlamentar a projeto de lei de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo, é vedada em razão de aumento da despesa prevista (art. 24, § 5º, 1, CE/89).

 

Colendo Órgão Especial:

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade impugnando o art. 4º da Lei Municipal n. 14.137, de 14 de outubro de 2011, do Município de Campinas, sob alegação de contrariedade aos arts. 5º, 24, § 2º, 2 e 4, 37, 47, II, XI, XIV e XIX, a e b, da Constituição Estadual (fls. 02/15).

Concedida liminar (fls. 224/225), a douta Procuradoria-Geral do Estado declinou de sua intervenção (fls. 236/238), e a Câmara Municipal não apresentou informações (conforme certidão de fl. 239).

É o relatório.

A ação é procedente.

Conforme se constata da inicial, o Chefe do Executivo propôs a edição de norma municipal tendente a dispor sobre o prêmio de produtividade dos auditores fiscais tributários, agentes fiscais tributários e agentes do tesouro municipal.

 Ocorre que referida legislação sofreu emenda modificativa pelo Legislativo local. Muito embora tenha havido veto à emenda modificativa, o plenário da Câmara Municipal de Campinas rejeitou-o.

Assenta o requerente que há vício de iniciativa na legislação guerreada, na medida em que houve invasão da esfera de competência legislativa exclusiva do Chefe do Executivo. Com efeito, por meio da emenda modificativa, estendeu-se a parcela do premio de produtividade a todos os servidores lotados na Secretaria Municipal de Finanças, ocasionando aumento de despesa, maltratando assim o art. 24, § 5º, da Constituição Estadual.

Com efeito, a matéria era da reserva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo (art. 24, § 2º, 1, Constituição Estadual). A emenda parlamentar não observa o quanto disposto no art. 24, § 5º, 1, da Constituição Estadual, que repete o previsto no art. 63, I, da Constituição Federal.

Consoante sólidos precedentes da Suprema Corte, perfilhados por este colendo Órgão Especial, a disciplina do processo legislativo na Constituição Federal, inclusive das hipóteses de reserva de iniciativa legislativa, é de observância obrigatória nos Estados pelo princípio da simetria, o que se esparge aos Municípios, não bastasse o art. 144 da Constituição Estadual sujeitá-los aos seus preceitos e aos da Constituição Federal.

A Constituição Estadual limita as emendas parlamentares com a seguinte regra:

“Art. 24. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão da Assembleia Legislativa, a Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição:

(...)

§ 5º. Não será admitido o aumento da despesa prevista:

1 – nos projetos de iniciativa exclusiva do Governador, ressalvado o disposto no art. 174, §§ 1º e 2º; (...)”.

Ao Poder Legislativo é vedada a inclusão de emenda em projeto de lei de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo nos casos em que faltar pertinência temática ou houver aumento da despesa prevista (art. 24, § 5º, 1, Constituição Estadual).

Cumpre enfatizar como destacado pelo Supremo Tribunal Federal que:

“(...) O poder de emendar - que não constitui derivação do poder de iniciar o processo de formação das leis - qualifica-se como prerrogativa deferida aos parlamentares, que se sujeitam, no entanto, quanto ao seu exercício, às restrições impostas, em ‘numerus clausus’, pela Constituição Federal. - A Constituição Federal de 1988, prestigiando o exercício da função parlamentar, afastou muitas das restrições que incidiam, especificamente, no regime constitucional anterior, sobre o poder de emenda reconhecido aos membros do Legislativo. O legislador constituinte, ao assim proceder, certamente pretendeu repudiar a concepção regalista de Estado (RTJ 32/143 - RTJ 33/107 - RTJ 34/6 - RTJ 40/348), que suprimiria, caso prevalecesse, o poder de emenda dos membros do Legislativo. - Revela-se plenamente legítimo, desse modo, o exercício do poder de emenda pelos parlamentares, mesmo quando se tratar de projetos de lei sujeitos à reserva de iniciativa de outros órgãos e Poderes do Estado, incidindo, no entanto, sobre essa prerrogativa parlamentar - que é inerente à atividade legislativa -, as restrições decorrentes do próprio texto constitucional (CF, art. 63, I e II), bem assim aquela fundada na exigência de que as emendas de iniciativa parlamentar sempre guardem relação de pertinência com o objeto da proposição legislativa. (...)” (RTJ 210/1.084).

“(...) 3. O Poder Legislativo detém a competência de emendar todo e qualquer projeto de lei, ainda que fruto da iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo (art. 48 da CF). Tal competência do Poder Legislativo conhece, porém, duas limitações: a) a impossibilidade de o Parlamento veicular matéria estranha à versada no projeto de lei (requisito de pertinência temática); b) a impossibilidade de as emendas parlamentares aos projetos de lei de iniciativa do Executivo, ressalvado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 166, implicarem aumento de despesa pública (inciso I do art. 63 da CF). Hipóteses que não se fazem presentes no caso dos autos. Vício de inconstitucionalidade formal inexistente. (...)” (STF, ADI 3.288-MG, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ayres Britto, 13-10-2010, v.u., DJe 24-02-2011).

“CONSTITUCIONAL. PROCESSO LEGISLATIVO. PODER DE EMENDA PARLAMENTAR: PROJETO DE INICIATIVA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SERVIDOR PÚBLICO: REMUNERAÇÃO: TETO. C.F., art. 96, II, b. C.F., art. 37, XI. I. - Matérias de iniciativa reservada: as restrições ao poder de emenda ficam reduzidas à proibição de aumento de despesa e à hipótese de impertinência da emenda ao tema do projeto. Precedentes do STF: RE 140.542-RJ, Galvão, Plenário, 30.09.93; ADIn 574, Galvão; RE 120.331-CE, Borja, ‘DJ’ 14.12.90; ADIn 865-MA, Celso de Mello, ‘DJ’ 08.04.94. II. - Remuneração dos servidores do Poder Judiciário: o teto a ser observado, no Judiciário da União, é a remuneração do Ministro do S.T.F. Nos Estados-membros, a remuneração percebida pelo Desembargador. C.F., art. 37, XI. III. - R.E. não conhecido” (STF, RE 191.191-PR, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, 12-12-1997, v.u., DJ 20-02-1998, p. 46).

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. PROCESSO LEGISLATIVO. INICIATIVA PRIVATIVA DO PODER EXECUTIVO. EMENDA PELO PODER LEGISLATIVO. AUMENTO DE DESPESA. 1. Norma municipal que confere aos servidores inativos o recebimento de proventos integrais correspondente ao vencimento de seu cargo. Lei posterior que condiciona o recebimento deste benefício, pelos ocupantes de cargo em comissão, ao exercício do serviço público por, no mínimo, 12 anos. 2. Norma que rege o regime jurídico de servidor público. Iniciativa privativa do Chefe do Executivo. Alegação de inconstitucionalidade desta regra, ante a emenda da Câmara de Vereadores, que reduziu o tempo mínimo de exercício de 15 para 12 anos. 3. Entendimento consolidado desta Corte no sentido de ser permitido a Parlamentares apresentar emendas a projeto de iniciativa privativa do Executivo, desde que não causem aumento de despesas (art. 61, § 1º, ‘a’ e ‘c’ combinado com o art. 63, I, todos da CF/88). Inaplicabilidade ao caso concreto. 4. Se a norma impugnada for retirada do mundo jurídico, desaparecerá qualquer limite para a concessão da complementação de aposentadoria, acarretando grande prejuízo às finanças do Município. 5. Inteligência do decidido pelo Plenário desta Corte, na ADI 1.926-MC, rel. Min. Sepúlveda Pertence. 6. Recurso extraordinário conhecido e improvido” (RTJ 194/352).

“(...) Não havendo aumento de despesa, o Poder Legislativo pode emendar projeto de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, mas esse poder não é ilimitado, não se estendendo ele a emendas que não guardem estreita pertinência com o objeto do projeto encaminhado ao Legislativo pelo Executivo e que digam respeito a matéria que também é da iniciativa privativa daquela autoridade. (...)” (STF, ADI 546-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, 11-03-1999, m.v., DJ 14-04-2000, p. 30).

“Servidores da Câmara Municipal de Osasco: vencimentos: teto remuneratório resultante de emenda parlamentar apresentada a projeto de lei de iniciativa reservada ao Poder Executivo versando sobre aumento de vencimentos (L. mun. 1.965/87, art. 3º): inocorrência de violação da regra de reserva de iniciativa (CF/69, art. 57, parág. único, I; CF/88, art. 63, I)). A reserva de iniciativa a outro Poder não implica vedação de emenda de origem parlamentar desde que pertinente à matéria da proposição e não acarrete aumento de despesa: precedentes” (STF, RE 134.278-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 27-05-2004, m.v., DJ 12-11-2004, p. 06).

Portanto, a reserva de iniciativa a outro Poder veda emenda de origem parlamentar que não tenha pertinência, harmonia e simetria com a matéria da proposição e acarrete aumento de despesa.

No caso, a emenda parlamentar não observou essa limitação.

É ininvocável o art. 25 da Constituição Estadual em razão do princípio da especialidade que milita em favor da proeminência do art. 24, § 5º, da Constituição Paulista.

Opino pela procedência da ação para declaração de inconstitucionalidade do art. 4º da Lei Municipal n. 14.137, de 14 de outubro de 2011, do Município de Campinas, resultante de emenda parlamentar.

São Paulo, 25 de junho de 2013.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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