Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 0049537-14.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Jundiaí

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Jundiaí

 

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 7.953, de 12 de novembro de 2012, do Município de Jundiaí, de iniciativa parlamentar, que “Prevê, em correspondentes bancários e locais onde haja caixa eletrônico, sistema de monitoramento de imagens”.

2)      O controle objetivo de constitucionalidade de lei ou ato normativo municipal tem parâmetro a CE/89, inclusive quando reproduza, imite ou remeta a preceito da CF/88 ou se trate de norma de observância obrigatória (art. 125, § 2º, CF/88), não podendo balizá-lo ofensa à norma infraconstitucional como a Lei Orgânica do Município.

3)      Inexistência de violação de iniciativa reservada do chefe do Executivo, ou mesmo do princípio da separação de poderes. Interpretação estrita da regra de reserva de iniciativa legislativa do Poder Executivo. Precedentes do STF. Norma que não estabelece diretamente nenhum encargo para a Administração Pública como criação de cargos, aumento de despesas, alteração de regime jurídico de servidores, ou mesmo, modificação de rotina de serviços.

4)      Inadmissível a discussão de matéria de fato, dependente de prova, no controle abstrato de constitucionalidade.

5)      Parecer no sentido da improcedência da ação direta.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Prefeito do Município de Jundiaí, tendo como alvo a Lei nº 7.953, de 12 de novembro de 2012, daquele município, de iniciativa parlamentar, que “Prevê, em correspondentes bancários e locais onde haja caixa eletrônico, sistema de monitoramento de imagens”.

 Aponta contrariedade ao disposto nos arts. 5º, 37, 47, incisos II, XI e XIV, 111 e 144, da Constituição Estadual, bem como ao art. 50 da Lei Orgânica do Município, sustentando, em síntese, ofensa ao princípio da separação dos poderes, vício de iniciativa e criação de obrigação para a Administração Pública que terá que fiscalizar o cumprimento da legislação em questão.

O pedido de medida liminar foi indeferido (fl. 22).

A Câmara Municipal de Jundiaí prestou informações (fl. 31/33).

Citada regularmente, a douta Procuradoria Geral do Estado declinou de sua intervenção (fls. 55/57).

É a síntese do ocorrido nos autos.

A presente ação é improcedente.

Articulou o requerente que a lei local viola o art. 50 da Lei Orgânica do Município (fls. 5 e 7). É inadmissível, no entanto, o contraste da norma municipal impugnada com outro parâmetro para além da Constituição Estadual, salvo quando reproduza, imite ou remeta a preceito da Constituição Federal (ou se trate de norma de observância obrigatória), nos termos do art. 125, § 2º, da Constituição Federal.

Qualquer alegação fundada em norma infraconstitucional, como a Lei Orgânica do Município, não merece cognição, tendo em vista que é “inviável a análise de outra norma municipal para aferição da alegada inconstitucionalidade da lei” (STF, AgR-RE 290.549-RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, 28-02-2012, m.v., DJe 29-03-2012).

Compete destacar que o art. 144 da Constituição Estadual não tem o alcance exposto pelo requerente. Esse dispositivo, assim como a cabeça do art. 29 da Constituição Estadual, ao assegurar a autonomia municipal pela respectiva Lei Orgânica não a eleva ao status de norma constitucional para controle de constitucionalidade de lei local, tanto que o § 2º do art. 125 da Constituição da República prevê como exclusivo parâmetro da jurisdição constitucional a Constituição do Estado. A norma apenas subordina a produção da Lei Orgânica aos preceitos da Constituição Federal e da Constituição Estadual.

Não se verifica qualquer incompatibilidade vertical da lei impugnada com a Constituição do Estado de São Paulo.

A Lei Municipal nº 7.953, de 12 de novembro de 2012, de Jundiaí, de iniciativa parlamentar, tem a seguinte redação:

Art. 1° - Em todo estabelecimento que atue como correspondente bancário e em todo local onde haja caixa eletrônico instalado e em funcionamento, haverá sistema apropriado de imagens.

Parágrafo único. No caso de caixas eletrônicos, os custos de instalação do sistema e de seu funcionamento serão suportados pelas instituições financeiras responsáveis pela sua manutenção.

Art. 2º - No caso dos equipamentos atualmente existentes, os responsáveis terão prazo de 90 (noventa) dias, a contar do início da vigência desta lei, para se adequar à presente exigência.

Art. 3º - A infração desta lei implica multa diária de R$ 100,00 (cem reais), pelo período da inobservância, dobrada em caso de reincidência.

Art. 4º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação”.

 

Deve-se ressaltar, inicialmente, que a lei não tratou de nenhuma matéria cuja iniciativa legislativa seja reservada ao chefe do Poder Executivo, e tampouco houve violação ao princípio da separação de poderes por invasão da esfera da gestão administrativa.

A matéria sujeita à iniciativa reservada do chefe do Poder Executivo, por ser direito estrito, deve ser interpretada restritivamente. Nesse sentido é o entendimento pacífico do Colendo Supremo Tribunal Federal, ao interpretar o art. 61, § 1º, da Constituição da República, como se infere dos precedentes a seguir:

“As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no art. 61 da Constituição do Brasil – matérias relativas ao funcionamento da administração pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo. Precedentes. (ADI 3.394, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 2-4-2007, Plenário, DJE de 15-8-2008.)

(...)

iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que, por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo, deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca. (...) (ADI 724-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 7-5-1992, Plenário, DJ de 27-4-2001).” (g.n.)

No mesmo sentido os seguintes julgados: ADI 3.205, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 19-10-2006, Plenário, DJ de 17-11-2006; RE 328.896, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 9-10-2009, DJE de 5-11-2009; ADI 2.392-MC, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 28-3-2001, Plenário, DJ de 1º-8-2003; ADI 2.474, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 19-3-2003, Plenário, DJ de 25-4-2003; ADI 2.638, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 15-2-2006, Plenário, DJ de 9-6-2006.

As matérias em que há iniciativa legislativa reservada ao chefe do Poder Executivo, em conformidade com a Constituição do Estado de São Paulo, são indicadas taxativamente: (a) criação e extinção de cargos e funções na administração direta ou indireta autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração; (b) criação de órgãos públicos; (c) organização da Procuradoria-Geral do Estado e da Defensoria Pública; (d) servidores públicos e seu regime jurídico; (e) regime jurídico dos servidores militares; (e) criação, alteração e supressão de cartórios.

Isso decorre do art. 24, § 2º, ns. 1, 2, 3, 4, 5, 6, da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da própria Carta Estadual (configurando reprodução das diretrizes contidas no art. 61, § 1º, da Constituição da República).

A leitura da lei impugnada permite ver claramente que ela não trata de nenhum desses assuntos.

Não há, no caso, qualquer vestígio nem mesmo tênue de desrespeito ao princípio da separação de poderes, estabelecido no art. 5º da Constituição do Estado (que reproduz o art. 2º da Constituição da República).

Seria possível afirmar a ocorrência de quebra da separação de poderes, caso a lei interferisse diretamente na gestão administrativa.

Há interferência direta do legislador na atividade do administrador, como tem reiteradamente reconhecido esse Colendo Órgão Especial do Tribunal de Justiça, em casos de leis de iniciativa parlamentar que, por exemplo: (a) criam programas de governo a serem seguidos pelo Poder Executivo; (b) impõem ou vedam a prática de atos administrativos (contratos, permissões, concessões, autorizações, etc.); (c) concedem nomes a prédios públicos, praças ou vias públicas; (d) impõem a inserção de informações em comunicados enviados aos munícipes relativos ao lançamento de impostos; (e) criam sistemas de controle orçamentário, com imposição de envio periódico de informações do Executivo ao Legislativo, sem que haja correspondência com o modelo previsto na Constituição da República e aplicável por força do princípio constitucional da simetria; entre outros.

Em síntese: só é possível identificar a ocorrência da quebra do princípio da separação de poderes quando da lei resulta interferência direta por parte do legislador na atividade do administrador.

Não é isso o que se verifica no caso em exame.

A Lei Municipal nº 7.953/2012, de Jundiaí, estabelece a necessidade em correspondentes bancários e locais onde haja caixas eletrônicos, de sistema de monitoramento de imagem.

A obrigação do sistema de monitoramento é de responsabilidade do respectivo estabelecimento bancário ou pelos seus responsáveis.

Não decorre da lei qualquer imposição de atuação administrativa que não seja aquela decorrente de seu ordinário poder de polícia.

A lei impugnada não coacta a atuação administrativa, ao contrário, disciplina aspecto relativo para melhoria e segurança e atendimento aos usuários.

A medida imposta pela lei atende ao interesse público, pois se trata de medida de prevenção e auxílio à segurança de seus usuários.

Trata-se de iniciativa exercida dentro do escopo de tutelar os interesses dos munícipes.

Aliás, a este respeito, inúmeros são os precedentes desse C. Órgão Especial acerca da constitucionalidade das referidas leis municipais. Basta conferir as seguintes ementas:

“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei 4.682, de 26 de agosto de 2011 do Município de Mogi Guaçu. Possibilidade do Município de legislar sobre instalações de painel opaco entre os caixas e os clientes e câmeras de vídeo no entorno dos estabelecimentos bancários do Município. Constitucionalidade reconhecida. Não ocorrência de vício de iniciativa do projeto de lei por Vereador. Norma editada que não estabelece medidas relacionadas à organização da administração pública, nem cria deveres diversos daqueles genéricos ou mesmo despesas extraordinárias. Imposição de sanções em caso de descumprimento pelos estabelecimentos bancários que decorrem de descumprimento de norma de conduta. Irrelevância. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente. O Município pode legislar sobre instalações de painel opaco entre os caixas e os clientes e câmeras de segurança no entorno dos estabelecimentos bancários, em favor dos usuários dos serviços, para lhes proporcionar segurança, na esteira, aliás, de precedentes do próprio Supremo Tribunal Federai A iniciativa do projeto de lei por Vereador em matéria dessa natureza não interfere na organização da Administração, mostrando-se irrelevante que o Executivo, na hipótese, tenha dever de fiscalizar ou impor, em sendo o caso, as sanções correspondentes às infrações. Ao Legislativo cabe editar normas abstratas, gerais e obrigatórias, ainda que voltadas apenas aos bancos e ao Executivo cabe a responsabilidade de executá-las, inclusive com fiscalização e imposição de penas. (ADIN 0276050-06.2011.8.26.0000, Rel. Des. Kioitsi Chicuta, julgamento em 13-06-2012)

Ação direta de inconstitucionalidade - Lei Municipal n° 4.384/2009. Ato normativo de iniciativa de vereador, que dispõe sobre a obrigatoriedade de atendimento reservado, bem com vídeo de monitoramento nas agências bancárias no âmbito do Município e dá outras providências - Ausência de vício de iniciativa - Legalidade por se tratar de matéria ligada à segurança pública - Matéria de iniciativa não reservada ao Chefe do Poder Executivo - Inexistência de ilegalidade do Município na exigência de funcionamento de estabelecimentos bancários condicionado à instalação de equipamentos de segurança - Competência legislativa concomitante do Município - Matéria de interesse loca) - Efetiva legitimidade do Município para legislar sobre o tema - Finalidade de proporcionar proteção ao consumidor - Ação julgada improcedente. . (ADIN 0318796-20.2010.8.26.0000, Rel. Des. Roberto Mac Cracken, julgamento em 29-02.2012)

A matéria é pacífica no âmbito do Colendo STF. Confira-se: RE 312.050, rel. Min. Celso de Mello, DJ 06.05.05; RE 208.383, rel. Min. Néri da Silveira, DJ de 07.06.99.

O simples fato da previsão de penalidade para o descumprimento da Lei não caracteriza invasão de área da esfera de competência ou interferência direta por parte do legislador na atividade do administrador.

Se eventualmente, será ou não necessária criação de novos cargos de fiscalização, ou mesmo se será ou não necessária atividade suplementar de servidores, e se isso provocará ou não maiores gastos por parte do Poder Público, é algo que dependerá essencialmente da opção político-administrativa, calcada na esfera da conveniência e oportunidade, a cargo do chefe do Poder Executivo Municipal. E essa avaliação e decisão ocorrerão no âmbito administrativo, não decorrendo diretamente da lei impugnada.

Em suma, a lei impugnada não cria diretamente cargos, órgãos, ou encargos para a Administração Pública, nem regula diretamente a prestação de serviços pelo Poder Público, e tampouco gera diretamente qualquer despesa para a Administração.

Ademais, a discussão sobre a geração de despesa pública extravasa o âmbito estreito do contencioso abstrato, concentrado e direto de constitucionalidade pela introdução de matéria de fato e dependente de prova.

A lei prescreve obrigação, pena de sanções administrativas, ao particular, não se podendo cogitar que do exercício de sua execução e fiscalização derivem despesas novas sem cobertura financeiro-orçamentária, pois, a atividade bancária já é precedentemente absorvida pela polícia administrativa preexistente.

Diante de todo o exposto, nosso parecer é no sentido da improcedência desta ação direta, reconhecendo-se a constitucionalidade da Lei nº 7.953, de 12 de novembro de 2012, do Município de Jundiaí.

São Paulo, 1º de julho de 2013.

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

 

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