Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº. 0049542-36.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Jundiaí

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Jundiaí

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal de Jundiaí, da Lei nº 7.946 de 29 de outubro de 2012, que “Prevê, em ponto de parada de ônibus, as melhorias que especifica”. Projeto nascido no Poder Legislativo, com usurpação das atribuições do Prefeito. Violação do princípio da separação dos poderes. Procedência da ação.  A organização e o funcionamento de serviço público é matéria da reserva da Administração e da iniciativa legislativa reservada do chefe do Poder Executivo, sendo inconstitucional a lei de iniciativa parlamentar. Lei, ademais, que cria despesas, sem indicar a origem dos recursos disponíveis para arcar com os novos encargos. Constituição Estadual: arts. 5º; 24, § 2º, n. 2, 25; 47, II e XIV e 144, 176, I.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade promovida pelo Prefeito Municipal de Jundiaí, da Lei nº 7.946, de 29 de outubro de 2012, daquele município, que “Prevê, em ponto de parada de ônibus, as melhorias que especifica.”

Sustenta o autor que a lei padece de inconstitucionalidade formal. Foi projetada no âmbito do Poder Legislativo, com vício de iniciativa e ofensa ao princípio da separação dos poderes.

Aponta como violados os artigos 5º; 25; 47, II e XIV, 111 e 144, da Constituição Estadual.

A liminar foi concedida para suspender a eficácia dos dispositivos legais impugnados (fl. 22).

O Presidente da Câmara Municipal prestou informações às fls. 37/39, tão somente quanto ao processo legislativo da norma impugnada.

A Procuradoria Geral do Estado declinou da defesa das normas questionadas, consignando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 33/35).

É a síntese do necessário.

O pedido deve ser examinado pelo cotejo da lei em análise com os arts. 5º; 24, § 2º, n. 2, 25; 47, II e XIV; 144 e 176, I, da Constituição Estadual, a seguir reproduzidos:

“Art. 5.º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

(...)

Art. 24 - A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão da Assembleia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

(...)

§ 2º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:

(...)

2 - criação e extinção das Secretarias de Estado e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 47, XIX;

Art. 47 – Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:

(...)

II – exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;

(...)

XIV – praticar os demais atos de administração, nos limites da competência do Executivo;

(...)

XIX - dispor, mediante decreto, sobre:

a)     organização e funcionamento da administração estadual, quando não implicar em aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos;

(...)

Art. 25 - Nenhum projeto de lei que implique a criação ou o aumento de despesa pública será sancionado sem que dele conste a indicação dos recursos disponíveis, próprios para atender aos novos encargos.

Parágrafo único - O disposto neste artigo não se aplica a créditos extraordinários.

(...)

Art. 144 – Os Municípios, com autonomia, política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

(...)

Art. 176 - São vedados:

I - o início de programas, projetos e atividades não incluídos na lei orçamentária anual;”

A Lei nº 7.946, de 29 de outubro de 2012, do Município de Jundiaí, objeto desta ação direta, cria obrigações e fixa condutas para a Administração Municipal, ao instituir a obrigatoriedade de promover as melhorias especificadas nos pontos de parada de ônibus do município.

Neste sentido, considerada a iniciativa parlamentar que culminou na edição do ato normativo em epígrafe (o projeto é de autoria do Vereador Marcelo R. Gastaldo, conforme fl. 09), é visível que o Poder Legislativo municipal invadiu a esfera de atribuições do chefe do Poder Executivo.

Ao Poder Legislativo cabe a função de editar atos normativos de caráter geral e abstrato. Ao Executivo cabe o exercício da função de gestão administrativa, que envolve atos de planejamento, direção, organização e execução.

Atos que, na prática, representam invasão da esfera executiva pelo legislador, devem ser invalidados em sede de controle concentrado de normas, na medida em que representam quebra do equilíbrio assentado nos arts. 5º, 37 e 47, II e XIV, da Constituição do Estado de São Paulo, aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144.

Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que:

“A Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante (...) todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito Municipal Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2006, 15ª ed., pp. 708, 712, atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva).

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis de efeitos concretos, ou que equivalem, na prática, a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os Poderes. Essa é exatamente a hipótese verificada nos autos.

Neste sentido, já proclamou esse Egrégio Tribunal que:

“Ao executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito”  (ADI n. 53.583-0, Rel. Des. Fonseca Tavares).

E nesta linha, verificando a inconstitucionalidade por ruptura do princípio da separação de poderes, este Egrégio Tribunal de Justiça vem declarando a inconstitucionalidade de leis similares (ADI 117.556-0/5-00, Rel. Des. Canguçu de Almeida, v.u., 02-02-2006; ADI 124.857-0/5-00, Rel. Des. Reis Kuntz, v.u., 19-04-2006; ADI 126.596-0/8-00, Rel. Des. Jarbas Mazzoni, v.u., 12-12-2007; ADI 127.526-0/7-00, Rel. Des. Renato Nalini, v.u., 01-08-2007; ADI 132.624-0/6-00, Rel. Des. Mohamed Amaro, m.v., 24-10-2007; ADI 142.130-0/0-00, Rel. Des. Ivan Sartori, 07-05-2008).

O vício de iniciativa conduz à declaração de inconstitucionalidade da lei, que não se convalida com a sanção ou a promulgação de quem deveria ter apresentado o projeto. É da jurisprudência que “o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer em que o Legislativo as exerça” (ADIn 13.798-0, rel. Dês. Garrigós Vinhares, j. 11.12.1991, v.u.).

Lembre-se, por fim, que a lei gera aumento de despesa sem indicação da fonte e, destarte, colide com o disposto no art. 25, da Constituição Bandeirante e com o art. 176, I, do mesmo diploma que coíbe o “o início de programas, projetos e atividades não incluídos na lei orçamentária anual”.

Esse Sodalício, aliás, tem declarado a inconstitucionalidade de leis municipais que infringem esses comandos:

“LEI MUNICIPAL QUE, DEMAIS IMPÕE INDEVIDO AUMENTO DE DESPESA PÚBLICA SEM A INDICAÇÃO DOS RECURSOS DISPONÍVEIS, PRÓPRIOS PARA ATENDER AOS NOVOS ENCARGOS (CE, ART 25). COMPROMETENDO A ATUAÇÃO DO EXECUTIVO NA EXECUÇÃO DO ORÇAMENTO - ARTIGO 176, INCISO I, DA REFERIDA CONSTITUIÇÃO, QUE VEDA O INÍCIO DE PROGRAMAS. PROJETOS E ATIVIDADES NÃO INCLUÍDOS NA LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL” (ADIn 142.519-0/5-00, rel. Des. Mohamed Amaro, 15.8.2007).

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 7.946, de 29 de outubro de 2012, do Município de Jundiaí, que “Prevê, em ponto de parada de ônibus, as melhorias que especifica.

São Paulo, 27 de maio de 2013.

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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