Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Processo nº 0059031-97.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Itapetininga

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Itapetininga

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Complementar nº 41, de 20 de setembro de 2011, do Município de Itapetininga, que “Altera dispositivos da Lei Complementar nº 25, de 28 de março de 2008, que dispõe sobre a Instalação de Sistemas de Transmissão de Radiação Eletromagnética não Ionizante no Município de Itapetininga, e dá outras providências”.

2)      A citação do Procurador Geral do Estado é imprescindível para a defesa da norma impugnada (art. 90, § 2º, da Constituição Estadual).

3)      Mérito. Usurpação da competência legislativa privativa da União (art. 22, IV), com violação do princípio federativo (CE, art. 1º). Não é o Estado competente para a disciplina da instalação de estação de rádio-base, torres e equipamentos afins de telefonia celular e de televisão (arts. 21, XI, e 22, IV, Constituição Federal).

4)      Ação procedente.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Itapetininga, tendo por objeto a Lei Complementar nº 41, de 20 de setembro de 2011, daquele município, que “Altera dispositivos da Lei Complementar nº 25, de 28 de março de 2008, que dispõe sobre a Instalação de Sistemas de Transmissão de Radiação Eletromagnética não Ionizante no Município de Itapetininga, e dá outras providências”.

Sustenta o autor que a Lei Complementar impugnada, fruto de iniciativa parlamentar, é inconstitucional por violar competência exclusiva da União para legislar sobre a matéria em questão. Daí a alegação de violação dos arts. 21, inc. XI e 22, IV da Constituição Federal.

O pedido de medida liminar foi indeferido (fls. 179/181).

O Procurador Geral do Estado não foi citado.

O Presidente da Câmara Municipal prestou informações, atendo-se ao processo legislativo (fls. 316/318).

É a síntese do que consta dos autos.

1.   Do ato normativo impugnado

A lei impugnada tem a seguinte redação:

 

 

 

2.   Preliminarmente

Requer-se a citação do Procurador Geral do Estado, a fim de defender o ato normativo impugnado, nos termos do art. 90, § 2º, da Constituição Estadual.

3. Do mérito

No mérito, a ação é procedente.

Sobre a matéria, a União, no uso de sua competência privativa de legislar (CF, art. 22, IV), editou a Lei nº 9.472/97, estabelecendo que a ela, através do órgão regulador, cabe organizar a exploração dos serviços de telecomunicações. Dispôs que a organização inclui, entre outros aspectos, a disciplina e a fiscalização da execução, comercialização e uso dos serviços, e da implantação e funcionamento de redes de telecomunicações, bem como da utilização dos recursos de órbita e espectro de radiofrequências (art. 1º e parágrafo único).

A Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), a quem a lei conferiu as atribuições de órgão regulador (art. 8º), com competência para adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, dentre elas a expedição de normas e padrões a serem cumpridos pelas prestadoras de serviços de telecomunicações quanto aos equipamentos que utilizarem (art. 19, XII), já disciplinou, ainda que parcialmente, a matéria objeto da lei estadual impugnada, através da Resolução nº 303/2002 que aprovou o Regulamento sobre limitação da exposição a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos na faixa de radiofrequências entre 9khz e 300 GHz.

Nem se alegue a existência de interesse local ou autonomia municipal para simples disciplina do uso e ocupação do solo urbano. A questão, como exposta, demonstra a inocorrência da predominância – chave-mestra para delimitação da autonomia local – na medida em que não se cinge às peculiaridades de cada comuna o estabelecimento de posturas edilícias para evitar riscos ou perigos à vida, à saúde e à segurança decorrentes de instalações de telecomunicações, posto que em qualquer espaço do território nacional prevalece, ao contrário, a identidade de causas e efeitos. Deste modo, normas que contém ou indicam padrões ou parâmetros para uso de instalações e equipamentos dos serviços de telecomunicações, inclusive relativamente a seus reflexos a terceiros, são da órbita da competência normativa federal.

Ainda que assim não fosse o assunto, em termos acadêmicos, foi bem examinado por Fernanda Menezes Dias de Almeida, assentando que a colisão de competências resolve-se pela prevalência das “determinações emanadas do titular da competência legislativa privativa” (Competências na Constituição de 1988, São Paulo: Atlas, 2ª ed., p. 159).

Enfim, e corroborando a tese aqui exposta, decidiu esta colenda Corte Paulista:

 

“Ação direta de inconstitucionalidade. Emenda n ° 12, de 12.05.2004, que acrescenta o artigo 163-A à Lei Orgânica Municipal de Estiva Gerbi. Proibição de instalação de antenas ou torres de telefonia celular no perímetro urbano do Município. Inconstitucionalidade reconhecida por ingerência do Parlamento Municipal em assunto de competência legislativa da União. Art. 22, IV, da Constituição Federal e arts. 1º, 111 e 144, da Constituição Estadual. Ação procedente” (TJSP, ADI 114.569-0/2-00, Órgão Especial, Rel. Des. Roberto Stucchi, m.v., 08-11-2006).

“Em reforço ao quanto já expendido, esclareça-se que a ação direta de inconstitucionalidade acima citada, da qual foi relator Desembargador Roberto Stucchi, foi julgada em 08 de novembro de 2 006 e à semelhança da Procuradoria Geral de Justiça, extrai-se:

‘Trata-se, portanto, de ingerência nas competências material e legislativa da União, bem lembrando o Procurador-Geral de Justiça, a fls. 111/112, a orientação de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, no sentido de que '(...) Ainda cerceiam a autonomia dos Estados regras de subordinação normativa. São estas que, presentes na própria Constituição Federal e direcionadas por ela a todos os entes federativos (União, Estados Municípios), predefinem o conteúdo da legislação que será editada por eles (...)’.

Desse modo, desnecessária a repetição dos princípios estabelecidos nas Constituições Federal e Estadual para se constatar agressão à disciplina dos arts. 1º, 111 e 144, da Constituição Paulista’.

Existindo, pois, precedente desta Corte, que vem ao encontro das convicções expressas nesta decisão, a norma impugnada é, com efeito, inconstitucional, pois o legislador local extrapolou da sua esfera de competência” (TJSP, ADI 141.511-0/1-00, Órgão Especial, Rel. Des. Walter de Almeida Guilherme, v.u., DJ 19-09-2007).

De outro lado, veja-se o que restou decidido com relação à Lei Estadual e à Lei Municipal de Campinas, no Incidente de Inconstitucionalidade nº 0265129-22.2010.8.26.0000, suscitado pela 8ª Câmara de Direito Público, em apelação cível interposta contra sentença prolatada em Mandado de Segurança, impetrado por TESS S.A. contra o Secretário Municipal de Obras e Projetos de Campinas, objetivando a apreciação sobre a constitucionalidade dos arts. 3º, 4º e 5º da referida Lei Estadual:

“EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO- ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEIS ESTADUAL E MUNICIPAL - SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES - ESTABELECIMENTO DE CONDIÇÕES - USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DA UNIÃO - PRESENÇA - INCONSTITUCIONALIDADE – EXISTÊNCIA - São inconstitucionais a Lei Estadual 10.995, de 21 de dezembro de 2001, e o art. 10 da Lei Municipal de Campinas 11.024, de 9 de novembro de 2001, que estabelecem condições às empresas prestadoras de serviços de telecomunicações para a instalação de antenas e estações de radiotransmissão em geral, por invadirem competência legislativa e material privativa da União, afrontando o disposto nos arts. 22, inciso IV, combinado com o art. 21, inciso XI, da Constituição Federal - Leis de outros entes federativos não podem impor alterações, direta ou indiretamente, nos contratos celebrados com a União - Jurisprudência do STF – Acolhe-se a arguição de inconstitucionalidade.”

 

Não pode o legislador municipal a pretexto de legislar concorrente ou suplementarmente à legislação federal, invadir a competência legislativa deste ente federativo superior (RE 313.060, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 29-11-2005, Segunda Turma, DJ de 24-2-2006).

A autonomia das entidades federativas pressupõe repartição de competências legislativas, administrativas e tributárias. Trata-se de um dos pontos caracterizadores e asseguradores da existência e da harmonia do Estado Federal.

A base do conceito do Estado Federal reside exatamente na repartição de poderes autônomos, que, na concepção tridimensional do Estado Federal Brasileiro, se dá entre União, Estado e Município. É por meio desta distribuição de competências que a Constituição Federal garante o princípio federativo. O respeito à autonomia dos entes federativos é imprescindível para a manutenção do Estado Federal.

Dessa forma, no conflito normativo aqui analisado, conclui-se que a Lei Complementar nº 41, de 20 de setembro de 2011, do Município de Itapetininga, violou a repartição constitucional de competências, que é a manifestação mais contundente do princípio federativo, operando, por consequência, desrespeito a princípio constitucional estabelecido.

Essa é a razão pela qual restou configurada, no caso, a ofensa ao disposto nos arts. 1º e 144 da Constituição do Estado de São Paulo.

Diante do exposto, nosso parecer é pela citação do Procurador Geral do Estado, para que defenda a norma impugnada e pela intimação do autor para regularização e subscrição da petição inicial, no prazo legal, sob pena de indeferimento. No mérito, superadas as preliminares, pela procedência da ação.

                             São Paulo, 16 de julho de 2013.

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

 

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