Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 0059129-82.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Santa Rita do Passa Quatro

Requerida: Câmara Municipal de Santa Rita do Passa Quatro

 

 

 

 

 

 

Constitucional.  Urbanístico. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 3.021, de 18 de janeiro de 2012, do Município de Santa Rita do Passa Quatro. Ausência de citação do Procurador-Geral do Estado. Diligência alvitrada. Instituição do auto de licença de funcionamento condicionado. Separação de Poderes. Uso do solo urbano. Conformidade com as normas urbanísticas e com o plano diretor. Procedência da ação. 1. Alvitrada a citação do PGE (art. 90, § 2º, CE/89). 2. Instituição do auto de licença de funcionamento condicionado em favor de atividades comerciais, industriais, institucionais e de prestação de serviços, compatíveis ou toleráveis com a vizinhança residencial, exercidas em edificação em situação irregular, classificadas na categoria de uso não residencial, que vigora por um biênio, renovável por igual período, para regularização da edificação. 3. Lei local de iniciativa parlamentar que não coaduna com os arts. 5º e 47, II e XIV, CE/89. 4. A legislação sobre uso e ocupação do solo urbano deve observar as normas urbanísticas (art. 180, V, CE/89). 5. Além disso, exige-se conformidade com o plano diretor da lei que estabelece normas sobre zoneamento, loteamento, parcelamento, uso e ocupação do solo, índices urbanísticos, proteção ambiental e demais limitações administrativas pertinentes (art. 181, CE/89). 6. Incidência desses parâmetros por conta do conceito de causa de pedir aberta inerente à sindicância objetiva de constitucionalidade de lei ou ato normativo. 7. A lei local ofereceu exceção às normas de uso e ocupação do solo urbano, desvinculada do planejamento urbano integral, o que vulnera a diretriz normativa de sua compatibilidade com o plano diretor, e sua integralidade, e com as normas urbanísticas de uso, ocupação e parcelamento do solo urbano. 8. Procedência da ação.

 

 

 

Colendo Órgão Especial:

 

 

 

1.                Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Santa Rita do Passa Quatro impugnando a Lei n. 3.021, de 18 de janeiro de 2012, do Município de Santa Rita do Passa Quatro, por alegação de incompatibilidade com os arts. 5º, 47, II e XIV, e 144 da Constituição Estadual (fls. 02/18).

2.                Regularizada a petição inicial (fls. 18 e 35), a Câmara Municipal de Santa Rita do Passa Quatro prestou informações (fls. 45/48).

3.                É o relatório.

4.                Verifico, preliminarmente, que não foi determinada a (essencial) citação do douto Procurador-Geral do Estado. Assim sendo, preconizo sua citação, nos termos do art. 90, § 2º, da Constituição Estadual.

5.                A Lei n. 3.021, de 18 de janeiro de 2012, do Município de Santa Rita do Passa Quatro, foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal, inferindo-se da petição inicial que ela teve iniciativa parlamentar, tem a seguinte redação:

“Art. 1º - A instalação e o funcionamento de atividades não residenciais em edificações em situação irregular, nos termos da legislação em vigor no âmbito do Município de Santa Rita do Passa Quatro, dar-se-á mediante a obtenção do Auto de Licença de Funcionamento Condicionado, ora instituído.

Art. 2º - O Auto de Licença de Funcionamento Condicionado será expedido para atividades comerciais, industriais, institucionais e de prestação de serviços, compatíveis ou toleráveis com a vizinhança residencial, exercidas em edificação em situação irregular, classificadas na categoria de uso não residencial - permissivas de Auto de Licença de Funcionamento, nos termos da legislação em vigor, desde que:

I - a atividade exercida seja permitida no local em face da zona de uso e da categoria e largura da via, atenda os parâmetros e as condições de instalação e usos estabelecidos e, quando localizada em área de mananciais, esteja elencada dentre aquelas admitidas nas Áreas de Intervenção estabelecidas pelas leis estaduais específicas de proteção e recuperação dos mananciais.

II - a edificação a ser utilizada para o exercício da atividade tenha área total de até 1.900,00m² (mil e novecentos metros quadrados);

III - o responsável técnico legalmente habilitado, conjuntamente com o responsável pelo uso, atestem que cumprirão a legislação municipal, estadual e federal vigentes acerca das condições de higiene, segurança de uso, estabilidade e habitabilidade da edificação.

§ 1º Não sendo possível o atendimento do número de vagas exigidas para estacionamento de veículos no local, esta exigência poderá ser atendida com a vinculação de vagas em outro imóvel, nos termos da legislação em vigor.

Art. 3º - O Auto de Licença de Funcionamento Condicionado deverá ser requerido pelos responsáveis por atividades comerciais, industriais, institucionais e de prestação de serviços e terá o prazo de validade de 2 (dois) anos, renovável por igual período.

§ 1º A expedição da renovação do Auto de Licença Condicionado dependerá da comprovação, por parte do interessado, de que já deu início ao procedimento de regularização da edificação junto ao órgão competente.

§ 2º A expedição do Auto de Licença de Funcionamento correspondente ao Auto de Licença de Funcionamento Condicionado expedido fica condicionada à regularização da edificação por parte do proprietário ou possuidor mediante a apresentação de todos os demais documentos exigidos para sua concessão.

§ 3º Quando for necessária a manifestação das autoridades do Corpo de Bombeiros, Sanitária e Ambiental deverá tal previsão constar expressamente do Auto de Licença de Funcionamento Condicionado.

§ 4º A licença de que trata esta lei e, quando for o caso, os documentos oriundos das autoridades Sanitária e Ambiental deverão ser afixados no acesso principal da edificação ocupada pela atividade, em local visível para o público.

Art. 4º - O Auto de Licença de Funcionamento Condicionado não será expedido em relação à edificação:

I - cuja atividade pleiteada não seja permitida para a zona de uso em que se situa;

II - situada em área contaminada, ‘non aedificandi’ ou de preservação ambiental permanente;

III - que tenha invadido logradouro ou terreno público;

IV - que seja objeto de ação judicial promovida pelo Município de Santa Rita do Passa Quatro, objetivando a sua demolição;

V - em área de risco geológico-geotécnico.

Parágrafo único. A vedação contida no ‘caput’ c/c inciso III deste artigo não se aplica às áreas públicas objeto de concessão, permissão, autorização de uso e locação social.

Art. 5º - O Auto de Licença de Funcionamento Condicionado ora instituído fica dispensado para:

I - o exercício da profissão dos moradores em suas residências com o emprego de, no máximo, 1 (um) auxiliar ou funcionário.

II - o exercício, em Zona Exclusivamente Residencial - ZER, de atividades intelectuais dos moradores em suas residências, sem recepção de clientes ou utilização de auxiliares ou funcionários, nos bairros que assim admitirem.

III - o exercício das atividades não residenciais desempenhadas por Microempreendedor Individual - MEI devidamente registrado nas hipóteses previstas na legislação pertinente e definidas por ato do Executivo, atendidos os parâmetros definidos para a zona de uso ou via, assim como as exigências relativas à segurança, higiene e salubridade.

§ 1º O disposto no inciso I deste artigo se aplica a qualquer zona de uso, com exceção da Zona Exclusivamente Residencial - ZER onde tal atividade não é permitida.

§ 2º O disposto no inciso III deste artigo se aplica a qualquer zona de uso, com exceção da Zona Exclusivamente Residencial.

Art. 6º - Presentes todos os requisitos técnicos fixados no art. 2º desta lei, declarados pelo interessado e responsável técnico por ele contratado, no limite de suas atribuições profissionais, será emitido o Auto de Licença de Funcionamento Condicionado, através da aceitação do Termo de Responsabilidade no qual tomarão ciência das respectivas regras, bem como das multas aplicáveis em decorrência de seu uso indevido ou da prestação de informações inverídicas.

§ 1º O Executivo elencará, à época da regulamentação da presente lei, os dados, informações, declarações e atestados que deverão estar na posse do interessado por ocasião do pedido do Auto de Licença de Funcionamento Condicionado.

Art. 7º - O Auto de Licença de Funcionamento Condicionado deverá ser requerido por meio de processo administrativo físico.

Parágrafo único. O órgão público competente para análise da solicitação de Auto de Licença de Funcionamento Condicionado efetuada nos termos do disposto no ‘caput’ deste artigo, deverá concluir sua análise e expedir a licença no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, contados a partir da data de protocolo do pedido.

Art. 8º - O Auto de Licença de Funcionamento Condicionado somente produz efeitos após sua efetiva expedição.

§ 1º A licença instituída por esta lei não confere, aos responsáveis pela atividade, direito a indenizações de quaisquer espécies, principalmente nos casos de invalidação, cassação ou caducidade do auto.

§ 2º O Auto de Licença de Funcionamento Condicionado, expedido nos termos desta lei, não constitui documento comprobatório da regularidade da edificação.

Art. 9º - Os estabelecimentos de que trata esta lei só poderão solicitar o Auto de Licença de Funcionamento Condicionado no prazo de 180 (cento e oitenta) dias a partir de sua regulamentação.

Parágrafo único. A ausência de licença após o decurso do prazo estipulado no ‘caput’ sujeita a pessoa física ou jurídica responsável pela sua utilização aos procedimentos fiscais e sanções previstas na legislação de uso e ocupação do solo e/ou legislação específica, conforme o caso.

Art. 10. - O Auto de Licença de Funcionamento Condicionado perderá sua eficácia, nas seguintes hipóteses:

I - invalidação, nos casos de falsidade ou erro das informações, bem como da ausência dos requisitos que fundamentaram a concessão da licença;

II - cassação, nos casos de:

a) descumprimento das obrigações impostas por lei ou quando da expedição da licença;

b) se as informações, documentos ou atos que tenham servido de fundamento à licença vierem a perder sua eficácia, em razão de alterações físicas, de utilização, de incomodidade ou de instalação, ocorridas no imóvel em relação às condições anteriores, aceitas pela Prefeitura;

c) desvirtuamento do uso licenciado;

d) desrespeito às normas de proteção às crianças, adolescentes, idosos e pessoas com deficiência;

e) prática de racismo ou qualquer discriminação atentatória aos direitos e garantias fundamentais;

f) permissão da prática, facilitação, incentivo ou prática de apologia, mediação da exploração sexual, do trabalho forçado ou análogo à escravidão, do comércio de substâncias tóxicas, da exploração de jogo de azar;

g) outras hipóteses definidas em lei;

III - caducidade, por decurso do prazo de validade indicado no Auto de Licença de Funcionamento Condicionado.

Art. 11. - A declaração de invalidade ou cassação do Auto de Licença de Funcionamento Condicionado, nas hipóteses previstas nos incisos I e II do art. 10 desta lei, será feita mediante a instauração de processo administrativo documental.

§ 1º O objeto do processo será a verificação da hipótese de invalidação ou cassação, por meio da produção da prova necessária e respectiva análise.

§ 2º O interessado deverá ser intimado para o exercício do contraditório, na forma da lei.

§ 3º A decisão sobre a invalidação ou cassação do Auto de Licença de Funcionamento Condicionado compete à mesma autoridade competente para sua expedição.

§ 4º Contra a decisão será admitido um único recurso, sem efeito suspensivo, dirigido à autoridade imediatamente superior, no prazo de 30 (trinta) dias, contados da publicação da decisão recorrida no Jornal Oficial da Cidade.

§ 5º A decisão proferida em grau de recurso encerra definitivamente a instância administrativa.

Art. 12. - A ausência de licença, após o decurso do prazo estipulado no art. 9º, sujeita a pessoa física ou jurídica responsável pela utilização da edificação aos procedimentos fiscais e sanções previstas na legislação de uso e ocupação do solo e/ou legislação específica, conforme o caso.

Art. 13. - Sempre que julgar conveniente ou houver notícia de irregularidade ou denúncia, o órgão competente da Prefeitura realizará vistorias com a finalidade de fiscalizar o cumprimento às disposições desta lei.

Parágrafo único. Durante o período de validade do Auto de Licença de Funcionamento Condicionado, a atividade e a edificação poderão

ser objeto de ação fiscalizatória com o objetivo de verificar o cumprimento da legislação vigente quanto às condições de higiene, segurança de uso, estabilidade e habitabilidade da edificação.

Art. 14. - A perda da eficácia do Auto de Licença de Funcionamento Condicionado sujeitará a pessoa física ou jurídica responsável por sua utilização aos procedimentos fiscais e sanções previstas na legislação de uso e ocupação do solo e/ou legislação específica, conforme o caso.

Art. 15. - A constatação do uso indevido de licenciamento de atividades ou da prestação de informações inverídicas no pedido do Auto de Licença de Funcionamento Condicionado acarretará ao interessado a imposição de multa a ser estipulada pelo Poder Executivo, sendo dobrada em caso de reincidência, com a consequente invalidação do Auto, sem prejuízo de sua responsabilização criminal, civil e administrativa.

Parágrafo único. O valor da multa estabelecido nesta lei deverá ser atualizado, anualmente, pela variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA, apurado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE ou por outro índice que vier a substituí-lo.

Art. 16. - A expedição do Auto de Licença de Funcionamento Condicionado não desobriga os responsáveis pela edificação e por sua utilização ao cumprimento da legislação específica municipal, estadual ou federal, aplicável a suas atividades.

Art. 17. - Esta lei será regulamentada pelo Executivo, que estabelecerá os dados e informações que deverão constar obrigatoriamente do Auto de Licença de Funcionamento Condicionado.

Art. 18. - As despesas com a execução desta lei correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.

Art. 19. - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário”.

6.                As informações prestadas pela Câmara Municipal relatam que a lei foi parcialmente alterada pela Lei n. 3.037, de 23 de fevereiro de 2012 (fl. 47), que modificou seus arts. 1º e 17, nos seguintes termos:

“Art. 1º - Os Artigos 1º e 17º da Lei Municipal nº 3.021, de 18/01/2012, passam a vigorar com a seguinte redação:

‘Art. 1º - A instalação e o funcionamento de atividades não residenciais em edificações em situação irregular, nos termos da legislação em vigor no âmbito do Município de Santa Rita do Passa Quatro, dar-se-á mediante a obtenção do Auto de Licença de Funcionamento Condicionado, ora instituído.’

‘Art. 17. - Esta lei será regulamentada pelo Executivo, no prazo de 90 (noventa) dias, que estabelecerá os dados e informações que deverão constar obrigatoriamente do Auto de Licença de Funcionamento Condicionado.’

Art. 2º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário”.

7.                A lei local institui o auto de licença de funcionamento condicionado em favor de atividades comerciais, industriais, institucionais e de prestação de serviços, compatíveis ou toleráveis com a vizinhança residencial, exercidas em edificação em situação irregular, classificadas na categoria de uso não residencial, que vigora por um biênio, renovável por igual período, para regularização da edificação.

8.                Similar legislação foi adotada no Município de São Paulo, cuja constitucionalidade também está sendo discutida em ação direta de iniciativa do eminente Procurador-Geral de Justiça (Processo n. 0002940-84.2013.8.26.000). Incorporo o seguinte excerto do parecer nela exarado:

“A lei, de iniciativa parlamentar, cria obrigações e estabelece condutas a serem cumpridas pela Administração Pública, prevendo a obrigação e a maneira através da qual será expedido o alvará condicionado para os casos que se enquadrem nas previsões estatuídas.

(...)

Desse modo, a lei de iniciativa parlamentar configura verdadeiro ato administrativo, sendo apenas ‘formalmente’ ato legislativo. Não é necessário que a lei determine que o Poder Executivo faça aquilo que, naturalmente, encontra-se dentro de sua esfera de decisão e ação.

Em outras palavras se a lei, fora das hipóteses constitucionalmente previstas, dispõe sobre atividade tipicamente inserida na esfera da administração (ou seja, ato administrativo), isso significa invasão da esfera de competências do Executivo por ato do Legislativo, configurando clara violação do princípio da separação de poderes.

Referido diploma, na prática, invadiu a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, e envolve o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo. Isso equivale à prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.

Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles,                                                                                     anotando que ‘a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e a independência dos Poderes, princípio constitucional (art. 2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante’. Sintetiza, ademais, que ‘todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário’ (Direito municipal brasileiro, 15ª ed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 708 e 712).

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e a independência que deve existir entre os poderes estatais.

Esse E. Tribunal de Justiça tem declarado a inconstitucionalidade de leis municipais de iniciativa parlamentar que interferem na gestão administrativa, com amparo na violação da regra da separação de poderes, conforme ementas de julgados recentes, transcritas a seguir:

‘Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 9882, de 20 de abril de 2007, do Município de São José do Rio Preto. Obrigatoriedade de ascensoristas nos elevadores dos edifícios comerciais. Violação ao princípio constitucional da independência entre os poderes. Inconstitucionalidade declarada. Pedido julgado procedente.’ (TJSP, ADI 149.044-0/8-00, rel. des. Armando Toledo, j.20.02.2008, v.u.).

‘AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei Municipal de Itapetininga n° 4.979, de 28 de setembro de 2.005, do Município de Itapetininga, que dispõe sobre a obrigatoriedade de confecção distribuição de material explicativo dos efeitos das radiações emitidas pelos aparelhos celulares e sobre sua correta utilização, e dá outras providências. Decorrente de projeto de iniciativa parlamentar, promulgada pela Câmara Municipal depois de rejeitado o veto do Prefeito - Realmente, há que se reconhecer que a Câmara Municipal exorbitou no exercício da função legislativa, interferindo em atividade concreta do Poder Executivo - Afronta aos artigos 5°, 25, e 144 e da Constituição Estadual. JULGARAM PROCEDENTE A AÇÃO.’ (TJSP, ADI 134.410-0/4, rel. des. Viana Santos, j. 05.03.2008).

E, mais recentemente, assim se fez constar no despacho que deferiu a liminar na ADI 990.10.073579-9:

‘Impõe-se, à partida, a apreciação do pedido liminar, que fica deferido.

Evidente o fumus boni júris, pois já proclamada na ADIN nº 154.526-0/0 (Rel. EROS PICELI - J. 08.10.2008 - V.U.), ser inconstitucional lei de vereadora iniciativa que cria obrigação para o Poder Executivo de utilização de papel reciclado.

Digo o mesmo quanto ao periculum in mora, porquanto a obrigação imposta ao promovente de regulamentar a norma impugnada deveras implica, na prática, em sujeição, se não imediata, quase, a interferência, in casu descabida, o planejamento da administração no que tange a execução dos procedimentos licitatórios visando às aquisições de materiais de expedientes para o ano em exercício.

Ademais, não faz o menor sentido manter a eficácia e a vigência, ainda que potenciais, eis que minguante sua regulamentação, certamente, porém, capazes de gerar ao menos atritos entre Legislativo e Executivo locais, de norma que ostenta palpável vício de inconstitucionalidade formal.’ (ADIn 990.10.073579-9, rel. des. Palma Bisson, j. 1º.03.2010)

Não bastasse o acima exposto, verifica-se que a lei em questão também se refere ao uso e ocupação do solo urbano, cuja tarefa, no plano físico, é privativa do Prefeito, que, no exercício dessa atividade, de natureza tipicamente administrativa, não pode sofrer                                                                                                 nenhum tipo de interferência indevida do Legislativo local.

Bem a propósito, ao examinar essa questão, o Plenário desse Egrégio Tribunal de Justiça, em antigo aresto relatado pelo eminente jurista Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, concluiu que:

‘... constituem matéria legislativa as regras imperativas, gerais e abstratas que diferenciam as construções de habitações das de comércio e indústria, e, ainda, distinguem as habitações, as casas comerciais e industriais, em diversos tipos, e, a final, prescrevem restrições ao direito de construir, conforme a zona residencial, comercial ou industrial e de forma mais ou  menos rígida, segundo critérios exclusivos ou de predominância. E mais, constituem matéria legislativa as regras imperativas gerais e abstratas que determinam recuos, estabelecem alturas de prédios, normas sobre fachadas e gradis. Enfim, as que estabelecem as regras imperativas gerais e abstratas de zoneamento. Já a especificação de uma via pública, no seu todo ou em parte, se estrita ou prevalentemente residencial é obra administrativa, atividade concreta e específica de caráter casuístico, em função do desenvolvimento local, das exigências dos bairros, das manifestações dos próprios logradouros públicos, em consonância com a fisionomia que assume no seu evolver, suscetível de se modificar por exigências urbanísticas do Município, interesse dos munícipes, só possível de ser bem sentidos pelo Executivo, no seu quotidiano contacto com a vida da cidade, atuando em matéria da sua alçada administrativa, particularizando a lei’ (TJSP, Pleno, RT 289/456). 

No mesmo sentido é a lição de Hely:

‘a lei estabelecerá as diretrizes, os critérios, os usos admissíveis, tolerados e vedados nas zonas previstas; o decreto individualizará as zonas e especificará os usos concretamente para cada local. O zoneamento, no seu aspecto programático e normativo, é objeto de lei, mas na sua fase executiva - em cumprimento da lei - é objeto de decreto’ (Cf. ob. cit., pág. 553/554).

A inconstitucionalidade, portanto, decorre da violação da regra da separação de poderes, prevista na Constituição Paulista e aplicável aos Municípios (art. 5º, art. 47, II e XIV, e art. 144).

É ponto pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público. De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.

Resumindo o ponto até aqui analisado: o conteúdo da lei impugnada é próprio de ato administrativo, de responsabilidade do Prefeito. A atividade do Legislativo invade a seara a este reservada e incide em inconstitucionalidade, por ofensa ao artigo 5º, ‘caput’, da Constituição do Estado de São Paulo.

Em sendo a lei impugnada inconstitucional, igualmente o será, o Decreto que a regulamenta”.

9.               Tratando-se de legislação sobre o uso do solo urbano, ela não poderá desalinhar do perfil consignado na Constituição do Estado de São Paulo ao desenvolvimento urbano por força do art. 144 da Constituição Estadual.

10.              O art. 180, V, determina que no estabelecimento de normas relativas ao desenvolvimento urbano Estado e Municípios assegurarão a observância das normas urbanísticas. E o art. 181 preceitua a necessidade de conformidade com o plano diretor da lei que estabelece normas sobre zoneamento, loteamento, parcelamento, uso e ocupação do solo, índices urbanísticos, proteção ambiental e demais limitações administrativas pertinentes.

11.              Além disso, o inciso II do art. 180 exige participação comunitária nos projetos, inclusive os de lei, relativos aos instrumentos de desenvolvimento urbano.

12.              O conceito de causa de pedir aberta inerente à sindicância objetiva de constitucionalidade de lei ou ato normativo (RTJ 200/91) torna possível o contraste da norma contestada com esses outros preceitos da Constituição Estadual que não foram suscitados na petição inicial.

13.              Conquanto não haja nos autos reprodução do processo legislativo, inviabilizando o cotejo da norma local com o art. 180, II, da Constituição Paulista, é possível seu contraste com os arts. 180, V e 181.

14.              A lei local ofereceu exceção às normas de uso e ocupação do solo urbano, desvinculada do planejamento urbano integral, o que vulnera a diretriz normativa de sua compatibilidade com o plano diretor, e sua integralidade, e as normas urbanísticas de uso, ocupação e parcelamento do solo urbano, o que é bastante para pronúncia de sua inconstitucionalidade.

15.              Opino pela procedência da ação em razão da incompatibilidade vertical da Lei n. 3.021, de 18 de janeiro de 2012, na redação dada pela Lei n. 3.037, de 23 de fevereiro de 2012, do Município de Santa Rita do Passa Quatro, com os arts. 5º, 47, II e XIV, 180, V e 181 da Constituição do Estado de São Paulo.

                   São Paulo, 17 de setembro de 2013.

 

 

 

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

wpmj