Parecer
Processo nº 0059269-19.2013.8.26.0000
Requerente: Prefeito Municipal de Campinas
Requerido: Presidente da Câmara Municipal e Campinas
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Inciso I do art. 1º e arts. 4º, 5º, 6º e 10º da Lei n. 14.236, de 05 de abril de 2012, do Município de Campinas. Organização e funcionamento do serviço administrativo de polícia de trânsito. Regulamentação da expedição de permissão para o uso de instalações removíveis no exercício do comércio. Procedência. Separação de poderes. Reserva da Administração. 1. Viola o princípio da separação de poderes lei local, de iniciativa parlamentar, que estabelece regras sobre a organização e o funcionamento de serviço administrativo inerente à polícia de trânsito e do comércio. 2. A circulação de veículos e pedestres em vias públicas e a regulamentação de expedição de permissão para uso de instalações removíveis no exercício do comércio são matérias da reserva da Administração. 3. Procedência da ação por ofensa aos arts. 5º e 47, II e XIX, a, da Constituição Estadual.
Colendo Órgão Especial:
1. Trata-se de ação direta de
inconstitucionalidade impugnando o inciso I do art. 1º e os arts. 4º, 5º, 6º e
10º, da Lei n. 14.236, de 05 de abril de 2012, do Município de Campinas, de
iniciativa parlamentar, que proíbe a distribuição de folhetos de propaganda e
similares nos cruzamentos de vias urbanas, sinalizadas ou não por semáforos e
revogam as permissões concedidas pela SETEC – Serviços Técnicos Gerais, e da regulamentação
da expedição de permissão para o uso de instalações removíveis no exercício do
comércio, sob alegação de ofensa aos arts. 5º, 37, 24, § 2º, ns. 1 e 2, 47, II,
XI, XIV, XIX, letras “a” e “b” e 144, da Constituição do Estado (fls. 02/16). Negada
a liminar (fls. 221/224), a Câmara Municipal deixou de prestar informações no
prazo legal (fl. 235) e a douta Procuradoria Geral do Estado declinou de sua
participação na lide (fls. 233/234).
2. É o relatório.
3. Têm
o seguinte teor as normas impugnadas da lei em questão:
“Art. 1º. (...)
I – distribuição de folhetos de
propaganda ou similares;
Art. 4º - Ficam revogadas, nos
termos do artigo 2º da Lei nº 5173/81, quaisquer permissões, concedidas pela
SETEC – Serviços Técnicos Gerais, que contrariem o disposto nesta lei.
Art. 5º - O artigo 1º da Lei
5173/81 passa a ter a seguinte redação:
‘Artigo 1º - As instalações
removíveis utilizadas pafra comércio em calçadas ou congêneres serão
autorizadas por meio de permissão de caráter pessoal e precário, em locais
previamente designados pela SETEC – Serviços Técnicos Gerais, de acordo com
disposições de Lei Federal que reger o trânsito e das disposições desta lei,
assim como dos decretos regulamentadores a serem expedidos’.
Art. 6º - O inciso I do artigo 4º
da Lei nº 4369/74 passa a ter a seguinte redação:
‘I) – autorizar o uso do solo,
para fins de exercício do comércio em instalações removíveis em geral, em
calçadas ou não, fixando os respectivos locais.’
(...)
Art. 10 – Ficam revogadas as Leis
nº 8745/96, 9143/96, 10.697/00 e demais disposições em contrário”
4. Preliminarmente,
no âmbito do controle abstrato, concentrado e direto de constitucionalidade de
lei municipal predomina a exclusividade de parâmetro, exigindo o contraste do
ato normativo local com a Constituição Estadual, nos termos do § 2º do art. 125
da Constituição Federal.
5. Por
essa razão, soa impertinente o cotejo da norma local com disposições da Lei
Orgânica do Município e com lei federal ou resoluções de órgãos públicos
federais, bem como é requisito indispensável a incompatibilidade vertical de
maneira explícita e direta entre a lei local e a norma constitucional estadual.
6. Feito
esse registro, a matéria objeto da lei local (art. 1º, inciso I) é inerente à polícia
administrativa, mais especificamente à polícia de trânsito.
7. A
matéria objeto da lei local, de iniciativa parlamentar, interfere diretamente
na organização e no funcionamento dos serviços administrativos municipais de
polícia de trânsito ao proibir a distribuição de panfletos e congêneres em
cruzamentos sinalizados ou não com semáforos.
8. E por isso é inconstitucional.
9. Com
efeito, como desdobramento particularizado do princípio da separação dos
poderes (art. 5º da Constituição Estadual), a Constituição do Estado de São
Paulo prevê no art. 24, § 2º, 2, iniciativa legislativa reservada do Chefe do
Poder Executivo (aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144) sobre
“a criação e extinção das Secretarias de Estado e órgãos da administração
pública, observado o disposto no art. 47, XIX”.
10. Mais
adiante, a Constituição Estadual prevê no art. 47 (aplicável na órbita
municipal por obra de seu art. 144) a competência privativa do Chefe do Poder
Executivo. Esse dispositivo consagra a atribuição de governo do Chefe do Poder
Executivo, traçando suas competências próprias de administração e gestão que
compõem a denominada reserva de Administração, pois veiculam matérias de sua
alçada exclusiva, imunes à interferência do Poder Legislativo. Na espécie,
incide o inciso II que confere ao Chefe do Poder Executivo o exercício, com
auxílio dos Secretários, da direção superior da administração, e a alínea a do inciso XIX, que lhe fornece a
prerrogativa de dispor mediante decreto sobre “organização e funcionamento da
administração estadual, quando não implicar aumento de despesa, nem criação ou
extinção de órgãos públicos” (preceito semelhante ao art. 84, VI, a, da Constituição Federal).
11. A
inconstitucionalidade transparece exatamente pelo divórcio da iniciativa
parlamentar da lei local impugnada em face desses preceitos da Constituição
Estadual, pois, ela estabelece regras que respeitam à organização e ao
funcionamento dos serviços administrativos da competência do Poder Executivo,
matéria essa que é da alçada da reserva da Administração (arts. 4º, 5º, 6º e
10).
12. Diferentemente,
somente para argumentar, conquanto não conste da argumentação tecida na
inicial, mas há impugnação ao art. 6º, inciso I, não se verifica
incompatibilidade vertical direta e frontal da lei local com os incisos I e V
do art. 180 da Constituição Paulista, até porque essa norma é diretriz do
desenvolvimento urbano e não se relaciona com a polícia de trânsito.
13. De
igual sorte, pode-se afirmar a inconstitucionalidade do impugnado art. 4º, eis
que ele desfila claramente uma revogação de atos administrativos operados por
dispositivo legal, o que se traduz em usurpação de atribuições do Poder
Executivo pelo Legislativo.
14. Já
os arts. 5º e 10, da mesma forma impugnados, dispõem a respeito da organização
administrativa, dispondo sobre qual o órgão da Administração irá promover a
autorização de que trata a lei em estudo, o que certamente viola frontalmente o
art. 47, incs. II, XI, XIV e XIX, letra “a”, da Carta Paulista. Além disso, o
art. 10 revoga leis que tratam também da regulamentação de distribuição de folhetos
de propaganda e congêneres e de instalações removíveis, utilizadas para
comércio em vias e logradouros públicos.
13. Opino pela procedência da ação por violação aos arts. 5º e 47, II, XI, XIV e XIX, a, da Constituição Estadual.
São Paulo, 17 de julho de 2013.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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