Parecer em Ação direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 0062501-39.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Andradina

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Andradina

 

 

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 16 da Lei Municipal nº 2.358, de 07 de dezembro de 2009, de Andradina, que “Cria a Agência Reguladora do Serviço de Água e Esgoto de Andradina (ARSAE), o seu Quadro de Pessoal em comissão e dá outras providências”.

2)      Irregularidade na representação processual. O Chefe do Executivo, detentor de legitimidade ativa “ad causam” e de capacidade postulatória para o ajuizamento de ação direta, não subscreveu a petição inicial nem outorgou o instrumento procuratório com poderes específicos.

3)      Constitucionalidade da regra que prevê a submissão das indicações para os cargos de direção na autarquia à prévia aprovação do Poder Legislativo. Entendimento do STF, fundamentado no art. 52, III, f da CF. Inexistência de ofensa à reserva de iniciativa do Poder Executivo e tampouco ao princípio da separação de poderes.

4)      Parecer pela improcedência da ação direta.

Colendo Órgão Especial

Senhor Desembargador Relator

 

Tratam estes autos de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Prefeito Municipal de Andradina, tendo como alvo a art. 16 da Lei Municipal nº 2.358, de 07 de dezembro de 2009, de Andradina, que “Cria a Agência Reguladora do Serviço de Água e Esgoto de Andradina (ARSAE), o seu Quadro de Pessoal em comissão e dá outras providências”.

Sustenta o requerente que a redação do dispositivo impugnado é fruto de emenda parlamentar que, ao condicionar a nomeação dos diretores da autarquia à autorização do Poder Legislativo local, significaria violação ao princípio da independência entre os Poderes e à iniciativa legislativa reservada do Poder Executivo, contrariando ainda dispositivos da Lei Orgânica do Município.

Foi indeferido o pedido de liminar (fl. 59).

Citado (fl. 66), o Senhor Procurador Geral do Estado declinou de oferecer defesa relativamente ao ato normativo impugnado (fls. 69/70).

A Presidência da Câmara Municipal prestou informações (fls. 72/76).

É o relato do essencial.

PRELIMINARMENTE

A petição inicial é subscrita apenas por procurador do município (fl. 08), com mandato outorgado pelo Município de Andradina (fl. 10).

A legitimidade ativa pertence ao Prefeito do Município (art. 90, II, Constituição Estadual), bem como a capacidade postulatória, como decidido pelo Supremo Tribunal Federal:

“(...)

O Governador de Estado é detentor de capacidade postulatória intuitu personae para propor ação direta, segundo a definição prevista no artigo 103 da Constituição Federal. A legitimação é, assim, destinada exclusivamente à pessoa do Chefe do Poder Executivo estadual, e não ao Estado enquanto pessoa jurídica de direito público interno, que sequer pode intervir em feitos da espécie (ADI(AgRg)1.797-PE, DJ de 23.2.01; ADI (AgRg) 2.130-SC, Celso de Mello, j. de 3.10.01, Informativo 244; ADI (EMBS.) 1.105-DF, Maurício Corrêa, j. de 23.8.01; ADI 1814-DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, 13-11-2001, DJ 12-12-2001).

(...)”

Consoante explica a doutrina, “os legitimados para a ação direta referidos nos itens I a VII do art. 103 da CF dispõem de capacidade postulatória plena, podendo atuar no âmbito da ação direta sem o concurso de advogado” (Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes. Controle concentrado de constitucionalidade, São Paulo: Saraiva, 2007, 2. ed., p. 246).

Este Colendo Órgão Especial em decisão recente sufragou este entendimento, conforme se verifica pela seguinte ementa:

“(...)

Ação direta objetivando a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei Complementar Municipal n. 2.220, de 20 de outubro de 2011. O chefe do Executivo, detentor de legitimidade ativa ‘ad causam’ e de capacidade postulatória para o ajuizamento de ação direta, não subscreveu a petição inicial nem outorgou o instrumento procuratório. Irregularidade da representação. Ocorrência. Precedentes deste Colendo Órgão Especial. Julga-se extinta a ADIN sem resolução do mérito com fundamento no artigo 267, IV do Código de Processo Civil, ficando revogada a liminar concedida anteriormente (ADIN nº 0030396-43.2012.8.26.000, Rel. Des. Guerrieri Resende, j. 17 de outubro de 2012)

(...)”

No caso dos autos, figurou no polo ativo o Prefeito Municipal, porém a inicial foi assinada por procurador, com poderes outorgados pelo Município.

Assim sendo, requer-se a intimação do autor para regularização de sua representação processual ou subscrição da petição inicial, no prazo legal, sob pena de extinção do feito sem resolução do mérito.

NO MÉRITO

No mérito, a ação deve ser julgada improcedente.

Como antes mencionado, a ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Prefeito Municipal de Andradina tem como alvo a art. 16 da Lei Municipal nº 2.358, de 07 de dezembro de 2009, de Andradina, que “Cria a Agência Reguladora do Serviço de Água e Esgoto de Andradina (ARSAE), o seu Quadro de Pessoal em comissão e dá outras providências”.

Segundo o requerente, a redação proposta inicialmente para o referido artigo, no Projeto de Lei encaminhado pelo chefe do Executivo Municipal, era a seguinte:

“(...)

Art. 16. A nomeação do Diretor Presidente e dos demais membros da Diretoria Colegiada se dará por indicação dos nomes pelo Chefe do Poder Executivo.

(...)”

Emenda parlamentar apresentada durante a tramitação da propositura legislativa conferiu ao dispositivo a seguinte redação:

“(...)

Art. 16. A nomeação do Diretor Presidente e dos demais membros da Diretoria Colegiada se dará por indicação dos nomes pelo Chefe do Executivo, com prévia aprovação da Câmara Municipal, pela maioria absoluta dos seus pares. (destaques nossos para a parte acrescida ao texto original por força da emenda parlamentar).

(...)”

Pois bem.

É necessário observar, inicialmente, que a matéria da qual trata o referido texto de lei é, efetivamente, de iniciativa privativa do Chefe do Executivo.

A lei criou a Agência Reguladora do Serviço de Água e Esgoto de Andradina (ARSAE), que tem natureza de autarquia especial (art. 1º da Lei Municipal nº 2.538, de 07 de dezembro de 2009), bem como cuidou, entre outros temas, do seu Quadro de Pessoal em comissão, bem ainda do regime de funcionamento da referida autarquia.

Trata-se precisamente, portanto, de lei que cria órgão da Administração Pública Indireta do município e cuida de parcela do respectivo regime jurídico, inclusive de seus servidores, o que permite nela identificar hipótese de iniciativa legislativa privativa com fundamento no art. 24, § 2º, n. 2 e 4 da Constituição Paulista, aplicável aos municípios em função do art. 144 da mesma Carta.

É evidente, por outro lado, que o fato de se tratar de projeto de lei decorrente da iniciativa privativa do chefe do Executivo não elimina o poder parlamentar de apresentação de emendas.

Em outras palavras, é inegável que os parlamentares podem apresentar ementas aos projetos de lei de inciativa privativa do chefe do Executivo, desde que estas (a) guardem pertinência temática com o projeto inicialmente apresentado, (b) não desvirtuem por completo a propositura originária (o que significaria violação reflexa ou indireta da inciativa privativa), e (c) sejam respeitados os limites constitucionais ao poder de emendas referentes à matéria orçamentária.

Esse entendimento é pacífico no âmbito do STF:

“(...)

Matérias de iniciativa reservada: as restrições ao poder de emenda ficam reduzidas à proibição de aumento de despesa e à hipótese de impertinência da emenda ao tema do projeto. Precedentes do STF: RE 140.542-RJ, Galvão, Plenário, 30-9-1993; ADI 574, Galvão; RE 120.331-CE, Borja, DJ de 14-12-1990; ADI 865-MA, Celso de Mello, DJ  de 8-4-1994. (RE 191.191, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 12-12-1997, Segunda Turma, DJ de 20-2-1998.) No mesmo sentido: ADI 3.288, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 13-10-2010, Plenário, DJE de 24-2-2011.

 (...)

A norma inscrita no art. 63, I, da Constituição aplica-se ao processo legislativo instaurado no âmbito dos Estados-membros, razão pela qual não se reveste de legitimidade constitucional o preceito que, oriundo de emenda oferecida por parlamentar, importe em aumento da despesa prevista nos projetos de iniciativa exclusiva do Governador do Estado, ressalvadas as emendas parlamentares aos projetos orçamentários (CF, art. 166, § 3º e § 4º). (ADI 1.254-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento 14-7-1995, Plenário, DJ de 18-8-1995.)

 "(...)

A atuação dos membros da Assembleia Legislativa dos Estados acha-se submetida, no processo de formação das leis, à limitação imposta pelo art. 63, I, da Constituição, que veda – ressalvadas as proposições de natureza orçamentária – o oferecimento de emendas parlamentares de que resulte o aumento da despesa prevista nos projetos sujeitos ao exclusivo poder de iniciativa do Governador do Estado. O exercício do poder de emenda, pelos membros do parlamento, qualifica-se como prerrogativa inerente à função legislativa do estado. O poder de emendar – que não constitui derivação do poder de iniciar o processo de formação das leis – qualifica-se como prerrogativa deferida aos parlamentares, que se sujeitam, no entanto, quanto ao seu exercício, às restrições impostas, em numerus clausus, pela Constituição Federal. A Constituição Federal de 1988, prestigiando o exercício da função parlamentar, afastou muitas das restrições que incidiam, especificamente, no regime constitucional anterior, sobre o poder de emenda reconhecido aos membros do Legislativo. O legislador constituinte, ao assim proceder, certamente pretendeu repudiar a concepção regalista de Estado (RTJ 32/143 – RTJ 33/107 – RTJ 34/6 – RTJ 40/348), que suprimiria, caso prevalecesse, o poder de emenda dos membros do Legislativo. Revela-se plenamente legítimo, desse modo, o exercício do poder de emenda pelos parlamentares, mesmo quando se tratar de projetos de lei sujeitos à reserva de iniciativa de outros órgãos e Poderes do Estado, incidindo, no entanto, sobre essa prerrogativa parlamentar – que é inerente à atividade legislativa – as restrições decorrentes do próprio texto constitucional (CF, art. 63, I e II), bem assim aquela fundada na exigência de que as emendas de iniciativa parlamentar sempre guardem relação de pertinência com o objeto da proposição legislativa. Doutrina. Precedentes. (ADI 973-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 17-12-1993, Plenário, DJ de 19-12-2006.)

(...)”

Desse modo, mostra-se correto afirmar que o exercício do poder de apresentação de emendas, por parlamentares, nos projetos de lei de iniciativa privativa do chefe do Executivo, não pode ter como consequência o desrespeito ou desequilíbrio no que diz respeito ao princípio da separação de poderes.

Note-se que a Constituição do Estado, em norma aplicável aos municípios por força do seu art. 144, disciplina, nos artigos 19 e 20, hipóteses em que o Poder Legislativo tem competência constitucional para autorizar atos do Poder Executivo.

São exemplos desse controle, que se inserem dentro do sistema de freios e contrapesos, entre outras, os seguintes:

(a) a necessidade de lei consubstanciando a autorização para a alienação de bens imóveis ou cessão de direitos reais a eles relativos, bem como o recebimento de doações com encargo (art. 19, IV);

(b) a autorização para cessão ou concessão de uso de bens imóveis para particulares, dispensado o consentimento nos casos de permissão e autorização de uso (art. 19, V);

(c) tomar e julgar as contas do Poder Público (art. 20, VI);

(d) autorizar o Governador a efetuar ou contrair empréstimos, salvo com Município do Estado, suas entidades descentralizadas e órgãos ou entidades federais (art. 20, VIII);

(e) fiscalizar e controlar os atos do Poder Executivo, inclusive os da administração descentralizada (art. 20, IX).

A competência do Poder Legislativo para, nos termos do art. 20, IX, da Constituição Paulista “fiscalizar e controlar os atos do Poder Executivo, inclusive os da administração descentralizada”, deve ser exercida, nesse contexto, a posteriori, ou seja, através dos mecanismos de controle que a própria sistemática constitucional estabelece.

Em contrapartida, a interferência prévia, controlando a nomeação de pessoas para ocupar cargos de direção na autarquia especial, nos termos previstos no dispositivo impugnado, em princípio poderia parecer interferência na própria gestão da entidade, a caracterizar desrespeito ao princípio da separação de poderes, previsto no art. 5º da Constituição do Estado, aplicável aos Municípios por força do art. 144 da Carta Estadual.

Entretanto, é necessário observar que a própria Constituição Federal conta com regras específicas que condicionam a nomeação para determinados cargos à aprovação prévia dos nomes indicados pelo Senado Federal, permitindo que, por lei, essa necessidade de autorização seja estendida a outros cargos (art. 52, III, f, da CF).

Com base nesse preceito constitucional, o STF pacificou o entendimento no sentido da legitimidade da exigência, por lei, da aprovação de indicações, do chefe do Executivo, para cargos de direção de entidades da Administração Pública Indireta.

Confira-se:

“(...)

À vista da cláusula final de abertura do art. 52, III, f , da CF, consolidou-se a jurisprudência do STF no sentido da validade de normas locais que subordinam a nomeação dos dirigentes de autarquias ou fundações públicas à prévia aprovação da Assembleia Legislativa. (ADI 2.225-MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 29-6-2000, Plenário, DJ de 29-9-2000.) No mesmo sentido: ADI 1.949-MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 18-11-1999, Plenário, DJ de 25-11-2005.

(...)”

Pelo princípio da simetria esse mesmo entendimento deve ser aplicado aos municípios.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da improcedência da presente ação, reconhecendo-se a constitucionalidade do dispositivo legal impugnado.

São Paulo, 21 de junho de 2013.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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