Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 0062504-91.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Andradina

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Andradina

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal, em face da Lei nº 2.873, de 22 de outubro de 2012, do Município de Andradina, que autoriza que os oficiais de justiça estacionem os seus veículos em vias públicas secundárias e em estacionamento rotativo “Áreas Azuis”. Projeto nascido no Poder Legislativo, com usurpação das atribuições do Prefeito. Violação ao princípio da separação dos poderes (arts. 5º, 37, 47, II, XI e XIV e 144). Parecer pela declaração da inconstitucionalidade.

 

 

 

 

Colendo Órgão Especial,

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente:

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade promovida pelo Prefeito Municipal de Andradina em face da Lei nº 2.873, de 22 de outubro de 2012, que autoriza que oficiais de justiça estacionem os seus veículos em vias públicas secundárias e em estacionamento rotativo “Áreas Azuis” no âmbito do Município.

Sustenta o autor que a lei padece de inconstitucionalidade formal, uma vez que foi projetada no âmbito do Poder Legislativo. No entanto, há vício de iniciativa e ofensa ao princípio da separação dos poderes.

A lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se, pois, ao pedido liminar (fls. 42/43).

O Presidente da Câmara Municipal prestou informações, atendo-se ao processo legislativo (fls. 52/54).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa das normas questionadas, consignando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 86/87).

É a síntese do necessário.

O pedido deve ser examinado pelo cotejo da lei em análise com os arts. 5º, 37, 47, II, XI e XIV e 144, da Constituição Estadual.

A Lei nº 2.873, de 22 de outubro de 2012 autoriza que oficiais de justiça estacionem os seus veículos em vias públicas secundárias e em estacionamento rotativo “Áreas Azuis” no âmbito do Município.

Assim, considerada a iniciativa parlamentar que culminou na edição do ato normativo em epígrafe, é visível que o Poder Legislativo municipal invadiu a esfera de atribuições do Chefe do Poder Executivo.

Ao Poder Legislativo cabe a função de editar atos normativos de caráter geral e abstrato. Ao Executivo cabe o exercício da função de gestão administrativa, que envolve atos de planejamento, direção, organização e execução.

Atos que, na prática, representam invasão da esfera executiva pelo legislador, devem ser invalidados em sede de controle concentrado de normas, na medida em que representam quebra do equilíbrio assentado nos arts. 5º, 37, 47, II, XI e XIV, da Constituição do Estado de São Paulo, aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144.

Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que:

“A Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante (...) todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito Municipal Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2006, 15ª ed., pp. 708, 712, atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva).

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis de efeitos concretos, ou que equivalem, na prática, a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e a independência que deve existir entre os Poderes. Essa é exatamente a hipótese verificada nos autos.

Neste sentido, já proclamou esse Egrégio Tribunal que:

“Ao executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito”  (ADI n. 53.583-0, Rel. Des. Fonseca Tavares).

E nesta linha, verificando a inconstitucionalidade por ruptura do princípio da separação de poderes, esse Egrégio Tribunal de Justiça vem declarando a inconstitucionalidade de leis similares (ADI 117.556-0/5-00, Rel. Des. Canguçu de Almeida, v.u., 02-02-2006; ADI 124.857-0/5-00, Rel. Des. Reis Kuntz, v.u., 19-04-2006; ADI 126.596-0/8-00, Rel. Des. Jarbas Mazzoni, v.u., 12-12-2007; ADI 127.526-0/7-00, Rel. Des. Renato Nalini, v.u., 01-08-2007; ADI 132.624-0/6-00, Rel. Des. Mohamed Amaro, m.v., 24-10-2007; ADI 142.130-0/0-00, Rel. Des. Ivan Sartori, 07-05-2008).

Diante do exposto, o parecer é pela procedência da ação, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei nº 2.873, de 22 de outubro de 2012, que autoriza que os oficiais de justiça estacionem os seus veículos em vias públicas secundárias e em estacionamento rotativo “Áreas Azuis” no âmbito do Município.

 

São Paulo, 27 de agosto de 2013.

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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