Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 0062520-45.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Andradina

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Andradina

 

Ementa:

1.      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 2.878, de 30 de outubro de 2012, do Município de Andradina, fruto de iniciativa parlamentar, que “Institui a licença-maternidade especial para servidoras municipais, mães de bebês prematuros, e dá outras providências”.

2.      A ampliação de direitos e vantagens dos servidores público é matéria inserida na reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo. Aumento de despesa sem a indicação da respectiva fonte de custeio. Violação do art. 24, § 2º, 4, da Constituição Estadual.

3.      Inconstitucionalidade reconhecida.

 

Colendo Órgão Especial,

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente:

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Andradina, tendo por objeto a Lei nº 2.878, de 30 de outubro de 2012, daquela urbe, fruto de iniciativa parlamentar, que “Institui a licença-maternidade especial para servidoras municipais, mães de bebês prematuros, e dá outras providências”.

Sustenta o autor que já existe lei municipal mais abrangente sobre a mesma matéria e que o ato normativo impugnado é inconstitucional por ofensa ao princípio da independência e da harmonia entre os poderes, em razão da invasão da esfera de competência do Poder Executivo e por criar despesas sem fonte de custeio.

O pedido de medida liminar foi deferido para suspender a eficácia do ato normativo impugnado (fls. 48).

Citado regularmente (fl. 57), o Procurador Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 97/100).

Notificado (fl. 58), o Presidente da Câmara Municipal prestou informações sobre o processo legislativo do ato normativo impugnado (fls. 61/64).

Nesta condições vieram os autos para a manifestação desta Procuradoria-Geral de Justiça.

Em que pese a boa intenção que certamente animou a iniciativa parlamentar, o ato normativo impugnado, cujo veto do Executivo foi derrubado pela Câmara Municipal, apresenta vício de inconstitucionalidade formal por violar a reserva de iniciativa do Poder Executivo e o princípio da separação de poderes, previstos nos arts. 5º e 24, § 2º, 4, da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da Carta Paulista, os quais dispõem o seguinte:

“Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Artigo 24 - A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão da Assembléia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

(...)

§2º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:

 (...)

4 - servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

Art. 144 – Os Municípios, com autonomia, política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”

Observa-se que a legislação em questão instituiu a licença-maternidade especial para servidoras municipais mães de recém-nascidos pré-termo, disciplinando matéria relativa ao regime jurídico do funcionalismo público.

Desta forma, a lei de iniciativa parlamentar revela-se invasiva da esfera da iniciativa privativa do Poder Executivo.

O processo legislativo, compreendido o conjunto de atos (iniciativa, emenda, votação, sanção e veto) realizados para a formação das leis, é objeto de minuciosa previsão na Constituição Federal, para que se constitua em meio garantidor da independência e da harmonia dos Poderes.

O desrespeito às normas do processo legislativo, cujas linhas mestras estão traçadas na Constituição da República, conduz à inconstitucionalidade formal do ato produzido, que poderá sofrer o controle repressivo, difuso ou concentrado, por parte do Poder Judiciário.

A iniciativa, o ato que deflagra o processo legislativo, pode ser geral ou reservada (ou privativa).

O ato normativo impugnado, de iniciativa parlamentar, cuidou de matéria relativa a direitos e garantias das servidoras públicas disciplinando aspectos integrantes de seu regime jurídico, cuja iniciativa cabe ao Chefe do Executivo.

A propósito, a Constituição Estadual estabelece que cabe exclusivamente ao Governador a iniciativa das leis que disponham sobre fixação da remuneração aos cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, bem como sobre servidores públicos e seu regime jurídico (CE, art. 24, § 2°, 4).

Tal regramento deve ser observado pelos Municípios por força do princípio da simetria previsto no art. 144 da Constituição Paulista.

Assim, quando o Poder Legislativo do Município edita lei disciplinando matéria relativa a servidores públicos e regime remuneratório, como ocorre, no caso em exame, em função da ampliação da licença maternidade relativa a partos ocorridos antes de 37 semanas, invade, indevidamente, esfera que é própria da atividade do administrador público, violando o princípio da separação de poderes.

A criação de vantagens aos servidores públicos é atividade nitidamente administrativa, representativa de ato de gestão, de escolha política para a satisfação das necessidades essenciais coletivas, vinculadas aos direitos fundamentais. Assim, privativa do Poder Executivo.

A inconstitucionalidade, portanto, decorre da violação da reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo, prevista na Constituição Paulista e aplicável aos Municípios (arts. 24, § 2°, 4 e 144).

Neste sentido, é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, senão vejamos:

“INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Lei nº 740/2003, do Estado do Amapá. Competência legislativa. Servidor Público. Regime jurídico. Vencimentos. Acréscimo de vantagem pecuniária. Adicional de Desempenho a certa classe de servidores. Inadmissibilidade. Matéria de iniciativa exclusiva do Governador do Estado, Chefe do Poder Executivo. Usurpação caracterizada. Inconstitucionalidade formal reconhecida. Ofensa ao art. 61, § 1º, II, alínea ‘a’, da CF, aplicáveis aos estados. Ação julgada procedente. Precedentes. É inconstitucional a lei que, de iniciativa parlamentar, conceda ou autorize conceder vantagem pecuniária a certa classe de servidores públicos” (STF, ADI 3.176-AP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, 30-06-2011, v.u., DJe 05-08-2011).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE. CONCESSÃO DE VANTAGENS PECUNIÁRIAS A SERVIDORES PÚBLICOS. SIMETRIA. VÍCIO DE INICIATIVA. 1. As regras de processo legislativo previstas na Carta Federal aplicam-se aos Estados-membros, inclusive para criar ou revisar as respectivas Constituições. Incidência do princípio da simetria a limitar o Poder Constituinte Estadual decorrente. 2. Compete exclusivamente ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa de leis, lato sensu, que cuidem do regime jurídico e da remuneração dos servidores públicos (CF artigo 61, § 1º, II, ‘a’ e ‘c’ c/c artigos 2º e 25). Precedentes. Inconstitucionalidade do § 4º do artigo 28 da Constituição do Estado do Rio Grande do Norte. Ação procedente” (STF, ADI 1.353-RN, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, 20-03-2003, v.u., DJ 16-05-2003, p. 89).

A propósito, convém destacar a seguinte decisão desse Colendo Órgão Especial:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. VICIO DE INICIATIVA. Lei municipal de autoria de membro do Poder  Legislativo que  dispõe sobre a concessão de  auxílio-alimentação  aos servidores. Matéria  inserida na reserva de iniciativa do Chefe do  Executivo.  Separação dos Poderes. Ofensa aos art. 5º, "caput", da CESP, e  a 2° da CF/88. Caracterização de vício de iniciativa. Inconstitucionalidade formal subjetiva. Ação julgada procedente. (ADI nº 0269127-61.2011.8.26.0000, Rel. Des. Roberto Mac Cracken, j. 21 de março de 2012)

Cabe ressaltar ainda que não é necessário que a lei autorize ou determine ao Poder Executivo fazer aquilo que, naturalmente, encontra-se dentro de sua esfera de decisão e ação.

Em outras palavras, se a lei, fora das hipóteses constitucionalmente previstas, dispõe sobre atividade tipicamente inserida na esfera da Administração Pública, isso significa invasão da esfera de competências do Poder Executivo por ato do Legislativo, configurando-se claramente a violação do princípio da separação de poderes.

Ampliar direitos e garantias do servidor público – precisamente o que se verifica na hipótese em exame - é matéria exclusivamente relacionada à Administração Pública, a cargo do Chefe do Executivo.

Diante do exposto, o pedido deve ser julgado procedente reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei nº 2.878, de 30 de outubro de 2012, do Município de Andradina.

               São Paulo, 27 de setembro de 2013.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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