Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 0065039-90.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Santo André

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Santo André

 

Ementa:

 

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 9.444, de 12 de dezembro de 2012, do Município de Santo André, fruto de iniciativa parlamentar, que insere a optometria no quadro dos serviços de saúde, assistência médica e congêneres tributados pelos ISS- Imposto sobre Serviços.

2)      Limites à cognição judicial no processo objetivo de controle de constitucionalidade das leis. Precedentes do E. STF. A ofensa à legislação infraconstitucional não é suficiente para deflagrar o processo objetivo de controle de constitucionalidade. Ofensa reflexa ou indireta ao texto constitucional não viabiliza a instauração da jurisdição constitucional.

3)      Processo objetivo. Causa de pedir aberta. Possibilidade de reconhecimento da inconstitucionalidade por fundamento não apontado na inicial.

4)      Mérito. Usurpação da competência legislativa privativa da União (art. 156, III, da Constituição Federal), com violação do princípio federativo (CE, art. 1º). Não é o município competente para definição dos serviços que podem ser objeto do fato gerador do imposto sobre serviços.

Colendo Órgão Especial,

Senhor Desembargador Relator:

 

Tratam estes autos de ação direta de inconstitucionalidade, tendo como alvo a Lei nº 9.444, de 12 de dezembro de 2012, do Município de Santo André, fruto de iniciativa parlamentar, promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal, após superação do veto do executivo, que inseriu a optometria no quadro dos serviços de saúde, assistência médica e congêneres tributados pelo ISS- Imposto sobre Serviços.

Sustenta o requerente que a lei é inconstitucional por violação do princípio da separação dos poderes e por tratar de matéria de competência da União. Daí, a afirmação de ofensa ao art. 5º da Constituição Estadual, dos arts. 30, III e 156, III, da Constituição Federal e da Lei Complementar nº 116/2003. 

Citado (fl. 41), o Senhor Procurador Geral do Estado declinou da defesa do ato normativo impugnado por se tratar de direito local.

Notificado regularmente (fl. 42), o Presidente da Câmara Municipal prestou informações às fls. 48/55, sustentando a validade do ato normativo impugnado e que a ação direta de inconstitucionalidade no âmbito estadual não pode ter por parâmetro dispositivos da Constituição Federal.

É o breve relato do ocorrido nos autos.

DO MÉRITO

1.   Da alegação de violação da Lei Complementar nº 116/2003 e de dispositivos da Constituição Federal

Inicialmente, oportuno consignar que o parâmetro exclusivo do controle de constitucionalidade pela via abstrata, concentrada e direta de lei ou ato normativo municipal é a Constituição Estadual (art. 125, § 2º, da CF), razão pela qual se afigura inidôneo o seu contraste com normas da Lei Complementar nº 116/2003 e da Constituição Federal.

Já se consolidou o entendimento, inclusive no Supremo Tribunal Federal que a ofensa reflexa ou indireta ao texto constitucional não viabiliza a instauração da jurisdição constitucional.

Por este motivo, passa-se a análise tão só de eventual contraste dos atos normativos impugnados com a Constituição Estadual.

2.   Da causa de pedir aberta

Oportuno consignar que a ação direta estadual é processo objetivo de verificação da incompatibilidade entre a lei e a Constituição do Estado. Por essa razão, é possível aferir-se a ilegitimidade constitucional do ato normativo impugnado à luz de preceitos e fundamentos constitucionais estaduais não mencionados na petição inicial.

A causa de pedir consiste na violação a Constituição Estadual, razão pela qual tem sido denominada como causa de pedir aberta possibilitando no controle concentrado de constitucionalidade o acolhimento por fundamento ou parâmetro não apontado na inicial.

A propósito, anota Juliano Taveira Bernardes que no processo objetivo, “Segundo o STF, o âmbito de cognoscibilidade da questão constitucional não se adstringe aos fundamentos constitucionais invocados pelo requerente, pois abarca todas as normas que compõe a Constituição Federal. Daí, a fundamentação dada pelo requerente pode ser desconsiderada e suprida por outra encontrada pela Corte” (Controle abstrato de constitucionalidade, São Paulo, Saraiva, 2004, p. 436).

Assim vem decidindo o Col. Supremo Tribunal Federal:

 

“Ementa: constitucional. (...). 'Causa petendi' aberta, que permite examinar a questão por fundamento diverso daquele alegado pelo requerente. (...)” (ADI 1749/DF, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI, Rel. p. acórdão Min. NELSON JOBIM, j. 25/11/1999, Tribunal Pleno, DJ 15-04-2005, PP-00005, EMENT VOL-02187-01, PP-00094, g.n.).

Confira-se, ainda, nesse mesmo sentido: ADI 3576/RS, Rel. Min. ELLEN GRACIE, j. 22/11/2006, Tribunal Pleno, DJ 02-02-2007, PP-00071, EMENT VOL-02262-02, PP-00376.

3.   Da inconstitucionalidade

A Lei nº 9.444, de 12 de dezembro de 2012, do Município de Santo André, de iniciativa parlamentar, promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal, após derrubada do veto do Executivo, inseriu na lista dos serviços tributados no município pelo imposto sobre serviços (ISS) a atividade de optometria.

A mencionada lei padece de incompatibilidade vertical com a Constituição do Estado de São Paulo por violação do princípio federativo que se manifesta na repartição constitucional de competências (art. 1º e art. 144, da Constituição Paulista).

O art. 156, III, da Constituição Federal estabelece que

“Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

(...)

III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar;”

A definição de serviços e atividades tributáveis pelo imposto municipal conhecido por ISS (Imposto sobre Serviços) é matéria reservada à disciplina de lei complementar.

Em matéria tributária, cabe à lei complementar federal estabelecer os possíveis fatos geradores das obrigações tributárias, trata-se do elo indispensável entre os princípios constitucionais e as normas de direito local.

Na hipótese do imposto sobre serviços a Constituição Federal atribuiu à lei complementar a definição dos serviços passíveis desta exação.

Desta forma, o município ao disciplinar matéria reservada a competência da União, como ocorreu na hipótese, pela previsão de serviço não contemplado na relação da Lei Complementar nº 116/2003, violou o princípio federativo que tem por fundamento a distribuição das competências entre os entes federado.

Não pode o legislador municipal, a pretexto de legislar sobre assuntos de interesse local ou suplementar a legislação Federal ou Estadual de ordem geral, invadir a competência legislativa destes entes federativos superiores (RE 313.060, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 29-11-2005, Segunda Turma, DJ de 24-2-2006).

Cabe a União definir quais os serviços sobre os quais pode ser instituído o imposto sobre serviços, restando ao município o exercício de sua competência tributária nos limites traçados pela Constituição Federal e pelas normas gerais tributárias objeto das leis complementares (art. 155, XII, da Constituição Federal).

A autonomia das entidades federativas pressupõe repartição de competências legislativas, administrativas e tributárias. Trata-se de um dos pontos caracterizadores e asseguradores da existência e de harmonia do Estado Federal.

A base do conceito do Estado Federal reside exatamente na repartição de poderes autônomos, que, na concepção tridimensional do Estado Federal Brasileiro, se dá entre União, Estado e Município. É através desta distribuição de competências que a Constituição Federal garante o princípio federativo. O respeito à autonomia dos entes federativos é imprescindível para a manutenção do Estado Federal.

A propósito específico da matéria já decidiu o Supremo Tribunal Federal que:

“O ISS é um imposto municipal. É dizer, ao Município competirá instituí-lo (CF, art. 156, III). Todavia, está ele jungido à norma de caráter geral, vale dizer, à lei complementar que definirá os serviços tributáveis, lei complementar do Congresso Nacional (CF, art. 156, III). Isto não quer dizer que a lei complementar possa definir como tributáveis pelo ISS serviços que, ontologicamente, não são serviços. No conjunto de serviços tributáveis pelo ISS, a lei complementar definirá aqueles sobre os quais poderá incidir o mencionado imposto. (...) a lei complementar, definindo os serviços sobre os quais incidirá o ISS, realiza a sua finalidade principal, que é afastar os conflitos de competência, em matéria tributária, entre as pessoas políticas (CF, art. 146, I). E isso ocorre em obséquio ao pacto federativo, princípio fundamental do Estado e da República (CF, art. 1º) (...) não adoto a doutrina que defende que a lista de serviços é exemplificativa.” (RE 361.829, voto do Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 13-12-2005, Segunda Turma, DJ de 24-2-2006.)

 Dessa forma, no conflito normativo aqui analisado, conclui-se que a Lei nº 9.444, de 12 de dezembro de 2012, do Município de Santo André, fruto de iniciativa parlamentar, violou a repartição constitucional de competências, que é a manifestação mais contundente do princípio federativo, operando, por consequência, desrespeito a princípio constitucional estabelecido.

Essa é a razão pela qual restou configurada, no caso, a ofensa ao disposto no art. 1º e no art. 144, da Constituição do Estado de São Paulo.

Diante do exposto, aguarda-se que seja o pedido julgado procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 9.444, de 12 de dezembro de 2012, do Município de Santo André.

 

São Paulo, 13 de junho de 2013.

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

 

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