Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 0065771-71.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Taubaté

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Taubaté

 

 

Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Inciso I do Art. 91 da Lei Orgânica do Município de Taubaté, cuja redação foi dada pela Emenda n. 58/11. Alteração da concessão de licença-prêmio possibilitando o recebimento da referida licença em pecúnia. Iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo. Regime jurídico dos servidores públicos. Ação procedente. 1. Pertence exclusivamente ao chefe do Poder Executivo a iniciativa legislativa sobre o regime jurídico dos servidores públicos, assunto que abrange o pagamento de concessão da licença- prêmio em pecúnia. 2. Violação dos arts. 5º, 24, § 2º, 4, e 25, da Constituição Estadual. 3. Ação procedente.

 

Colendo Órgão Especial:

 

 

                   Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade contestando o inciso I do art. 91 da Lei Orgânica do Município de Taubaté, cuja redação foi dada pela Emenda n. 58, de 28 de outubro de 2011, possibilitando o recebimento de licença-prêmio em pecúnia, ao servidor que tiver 5 (cinco) anos de efetivo serviço público municipal em Taubaté, sem registrar faltas injustificadas e punições, sob alegação de violação aos arts. 5º e 24, § 2º, “4”, da Constituição do Estado.

                   Indeferida a liminar (fls. 18/19), a douta Procuradoria Geral do Estado declinou de sua intervenção (fls. 29/30). O presidente da Câmara Municipal de Taubaté prestou informações defendendo a constitucionalidade do dispositivo impugnado (fls. 32/35).

                   É o relatório.

                   A ação é procedente.

                   O inciso I do art. 91 da Lei Orgânica do Município de Taubaté, cuja redação foi dada pela Emenda n. 58, de 28 de outubro de 2011, possibilitou o recebimento de licença-prêmio em pecúnia, ao servidor que tiver 5 (cinco) anos de efetivo serviço público municipal em Taubaté, sem registrar faltas injustificada.

                   A norma instituída cuidou de assunto inerente ao regime jurídico dos servidores públicos, cuja iniciativa legislativa é reservada exclusivamente ao chefe do Poder Executivo, consoante disposto no art. 24, § 2º, 4, da Constituição Estadual – aplicável aos municípios por obra de seu art. 144 – e que reflete o princípio da separação de poderes inscrito no art. 5º da Constituição do Estado.

                   Com efeito, assim dispõe o art. 24, § 2º, 4, da Constituição Estadual – que reproduz o art. 61, § 1º, II, c, da Constituição Federal:

 

“Art. 24 – A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão da Assembleia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição:

(...)

§ 2º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:

(...)

4 – servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria”.

 

                   Por regime jurídico dos servidores públicos deve-se compreender o “conjunto de normas que disciplinam os diversos aspectos das relações, estatutárias ou contratuais, mantidas pelo Estado com os seus agentes” (STF, ADI-MC 766-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 03-09-1992, v.u., RTJ 157/460).

                   Com efeito, é assente no Supremo Tribunal Federal que a regra do art. 61, § 1º, II, c, da Constituição Federal, reproduzida no art. 24, § 2º, 4, da Constituição Estadual, é de observância obrigatória para Estados e Municípios, por força do princípio da simetria, bem como que a lei que dispõe sobre a situação funcional de servidores públicos, seus direitos e vantagens, é da iniciativa legislativa reservada privativamente ao Chefe do Poder Executivo.

                   Neste sentido, já se decidiu que:

“(...) 5. Tratando-se de criação de funções, cargos e empregos públicos ou de regime jurídico de servidores públicos impõe-se a iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo nos termos do art. 61, § 1º, II, da Constituição Federal, o que, evidentemente, não se dá com a Lei Orgânica” (RTJ 205/1041).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 54, VI DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PIAUÍ. VEDAÇÃO DA FIXAÇÃO DE LIMITE MÁXIMO DE IDADE PARA PRESTAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO. OFENSA AOS ARTIGOS 37, I E 61, § 1º, II, C E F, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Dentre as regras básicas do processo legislativo federal, de observância compulsória pelos Estados, por sua implicação com o princípio fundamental da separação e independência dos Poderes, encontram-se as previstas nas alíneas a e c do art. 61, § 1º, II da CF, que determinam a iniciativa reservada do Chefe do Poder Executivo na elaboração de leis que disponham sobre o regime jurídico e o provimento de cargos dos servidores públicos civis e militares. Precedentes: ADI 774, rel. Min. Sepúlveda Pertence, D.J. 26.02.99, ADI 2.115, rel. Min. Ilmar Galvão e ADI 700, rel. Min. Maurício Corrêa (...)” (RTJ 203/89).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI COMPLEMENTAR N. 792, DO ESTADO DE SÃO PAULO. ATO NORMATIVO QUE ALTERA PRECEITO DO ESTATUTO DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS ESTADUAIS. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NO PROCESSO LEGISLATIVO ESTADUAL. PROJETO DE LEI VETADO PELO GOVERNADOR. DERRUBADA DE VETO. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. AFRONTA AO DISPOSTO NO ARTIGO 61, § 1º, II, C, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno [artigo 25, caput], impõe a observância obrigatória de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo, de modo que o legislador estadual não pode validamente dispor sobre as matérias reservadas à iniciativa privativa do Chefe do Executivo. Precedentes. 2. O ato impugnado versa sobre matéria concernente a servidores públicos estaduais, modifica o Estatuto dos Servidores e fixa prazo máximo para a concessão de adicional por tempo de serviço. 3. A proposição legislativa converteu-se em lei não obstante o veto aposto pelo Governador. O acréscimo legislativo consubstancia alteração no regime jurídico dos servidores estaduais. 4. Vício formal insanável, eis que configurada manifesta usurpação da competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo [artigo 61, § 1º, inciso II, alínea ‘c’, da Constituição do Brasil]. Precedentes. 5. Ação direta julgada procedente para declarar inconstitucional a Lei Complementar n. 792, do Estado de São Paulo” (STF, ADI 3.167-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 18-06-2007, v.u., DJe 06-09-2007).

“PROJETO - INICIATIVA - SERVIDOR PÚBLICO - DIREITOS E OBRIGAÇÕES. A iniciativa é do Poder Executivo, conforme dispõe a alínea ‘c’ do inciso II do § 1º do artigo 61 da Constituição Federal. PROJETO - COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO EXECUTIVO - SERVIDOR DO ESTADO - EMENDA - AUMENTO DE DESPESA. Resultando da emenda apresentada e aprovada aumento de despesa, tem-se a inconstitucionalidade, consoante a regra do inciso I do artigo 63 da Constituição Federal. PROJETO - COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO EXECUTIVO - EMENDA - POSSIBILIDADE. Se de um lado é possível haver emenda em projeto de iniciativa do Executivo, indispensável é que não se altere, na essência, o que proposto, devendo o ato emanado da Casa Legislativa guardar pertinência com o objetivo visado. PROJETO - COMPETÊNCIA DO EXECUTIVO - EMENDA - PRESERVAÇÃO DE DIREITO ADQUIRIDO. Emenda a projeto do Executivo que importe na ressalva de direito já adquirido segundo a legislação modificada não infringe o texto da Constituição Federal assegurador da iniciativa exclusiva. LICENÇA-PRÊMIO - TRANSFORMAÇÃO DA OBRIGAÇÃO DE FAZER EM OBRIGAÇÃO DE DAR - ALTERAÇÃO NORMATIVA - VEDAÇÃO - OBSERVÂNCIA. Afigura-se constitucional diploma que, a um só tempo, veda a transformação da licença-prêmio em pecúnia e assegura a situação jurídica daqueles que já tenham atendido ao fator temporal, havendo sido integrado no patrimônio o direito adquirido ao benefício de acordo com as normas alteradas pela nova regência” (RTJ 194/848).

“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Complementar nº 109, de 08 de abril de 1994, do Estado de Rondônia. (...) - No mérito, já se firmou o entendimento desta Corte no sentido de que, também em face da atual Constituição, as normas básicas da Carta Magna Federal sobre processo legislativo, como as referentes às hipóteses de iniciativa reservada, devem ser observadas pelos Estados-membros. Assim, não partindo a lei estadual ora atacada da iniciativa do Governador, e dizendo ela respeito a regime jurídico dos servidores públicos civis, foi ofendido o artigo 61, § 1º, II, ‘c’, da Carta Magna. Ação direta que se julga procedente, para declarar-se a inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 109, de 08 de abril de 1994, do Estado de Rondônia” (STF, ADI 1.201-RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, 14-11-2002, v.u., DJ 19-12-2002, p. 69).

 

                   Por outro lado, a inconstitucionalidade também se manifesta pela ofensa do art. 25 da Constituição Estadual, pois, a norma implica de per si aumento de despesa pública e está desassociada da indicação dos recursos disponíveis, próprios para atendimento dos novos encargos gerados.

 

                   Opino pela procedência da ação.

 

                   São Paulo, 18 de junho de 2013.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

vlcb