Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 0070166-09.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Itapetininga

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Itapetininga

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 5.621, de 10 de setembro de 2012, do Município de Itapetininga, de iniciativa parlamentar, que “Dispõe sobre a colocação de cinzeiro ou recipiente similar para a coleta de pontas ou bitucas de cigarros e congêneres nas imediações de estabelecimentos do município de Itapetininga, e dá outras providências”.

2)      Preliminar. Na ação direta de inconstitucionalidade, legitimado ativo é o Prefeito do Município (art. 90, II, CE) e considerando a envergadura política dessa legitimidade ativa ad causam, englobante da capacidade postulatória, é razoável assentar que, embora dispensável a representação por causídico, sua existência, todavia, importa a necessidade de  poderes especiais.

3)      Processo objetivo. Causa de pedir aberta. Possibilidade de reconhecimento da inconstitucionalidade por fundamento não apontado na inicial.

4)     Obrigatoriedade imposta a repartições públicas. Violação dos arts. 5º, 24, § 2º, 2 e 47, II, XIV e XIX, a, da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da Carta Paulista. Encontra-se na reserva da Administração e na iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo a organização e regulamentação dos serviços públicos, sendo ainda inconstitucional a lei de iniciativa parlamentar pela ausência de fonte para cobertura dos custos decorrentes das medidas exigidas (art. 25 da Constituição Estadual).

5)      Obrigação imposta em lei municipal, de iniciativa parlamentar, de colocação de cinzeiros ou recipientes para coleta de pontas e bitucas de cigarros, configura postura municipal, exercício da polícia administrativa de estabelecimentos destinados ao público, em que não há reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo.  

6)     Parecer pela procedência parcial do pedido.

 

Colendo Órgão Especial,

Senhor Desembargador Relator:

 

Tratam estes autos de ação direta de inconstitucionalidade, tendo como alvo a Lei nº 5.621, de 10 de setembro de 2012, do Município de Itapetininga, de iniciativa parlamentar, que Dispõe sobre a colocação de cinzeiro ou recipiente similar para a coleta de pontas ou bitucas de cigarros e congêneres nas imediações de estabelecimentos do município de Itapetininga, e dá outras providências.

Sustenta o requerente que a lei é inconstitucional por usurpação da competência da União, por apresentar vício de iniciativa e por violar o princípio da razoabilidade.

A liminar foi indeferida à fl. 48.

Citado regularmente (fl. 57), o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de realizar a defesa do ato normativo impugnado, afirmando tratar de matéria de interesse exclusivamente local (fls. 97/99).

Devidamente notificado (fl. 54), o Presidente da Câmara Municipal apresentou informações a fls. 59/61.

Nestas condições vieram os autos para manifestação desta Procuradoria-Geral de Justiça.

PRELIMINARMENTE

A petição inicial é subscrita apenas pelo Procurador-Geral do Município (fl. 10), acompanhada de instrumento de mandato, conferido pelo Município de Itapetininga (fl. 11).

A legitimidade ativa para a ação direta de inconstitucionalidade pertence ao Prefeito do Município (art. 90, II, Constituição Estadual), bem como a capacidade postulatória, como decidido pelo Supremo Tribunal Federal:

“O Governador de Estado é detentor de capacidade postulatória intuitu personae para propor ação direta, segundo a definição prevista no artigo 103 da Constituição Federal. A legitimação é, assim, destinada exclusivamente à pessoa do Chefe do Poder Executivo estadual, e não ao Estado enquanto pessoa jurídica de direito público interno, que sequer pode intervir em feitos da espécie” (ADI(AgRg)1.797-PE, DJ de 23.2.01; ADI (AgRg) 2.130-SC, Celso de Mello, j. de 3.10.01, Informativo 244; ADI (EMBS.) 1.105-DF, Maurício Corrêa, j. de 23.8.01; ADI 1814-DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, 13-11-2001, DJ 12-12-2001).

Consoante explica a doutrina, “os legitimados para a ação direta referidos nos itens I a VII do art. 103 da CF dispõem de capacidade postulatória plena, podendo atuar no âmbito da ação direta sem o concurso de advogado” (Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes. Controle concentrado de constitucionalidade, São Paulo: Saraiva, 2007, 2ª ed., p. 246).

Considerando a envergadura política dessa legitimidade ativa ad causam, englobante da capacidade postulatória, é razoável assentar que, embora dispensável a representação por causídico, sua existência, todavia, importa a necessidade de poderes especiais, ou, no mínimo, subscrição conjunta da petição inicial.

Ademais, há decisão registrando que:

“É de exigir-se, em ação direta de inconstitucionalidade, a apresentação, pelo proponente, de instrumento de procuração ao advogado subscritor da inicial, com poderes específicos para atacar a norma impugnada” (STF, ADI-QO 2187-BA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 24-05-2000, m.v., DJ 12-12-2003, p. 62).

No caso dos autos, figurou no polo ativo o Prefeito Municipal, porém a inicial foi assinada pelo Procurador-Geral do Município, com procuração outorgada pelo Município.

Assim sendo, requeiro seja o autor intimado para regularização de sua representação processual ou subscrição da petição inicial, no prazo legal, sob pena de indeferimento, aviando, desde já, nas hipóteses de inércia ou recusa, a extinção sem resolução do mérito.

DA CAUSA DE PEDIR ABERTA

Inicialmente oportuno consignar que a ação direta estadual é processo objetivo de verificação da incompatibilidade entre a lei e a Constituição do Estado. Por essa razão, é possível aferir-se a ilegitimidade constitucional do ato normativo impugnado à luz de preceitos e fundamentos constitucionais estaduais não mencionados na petição inicial.

A causa de pedir consiste na violação a Constituição Estadual, razão pela qual tem sido denominada como causa de pedir aberta possibilitando no controle concentrado de constitucionalidade o acolhimento por fundamento ou parâmetro não apontado na inicial.

A propósito, anota Juliano Taveira Bernardes que no processo objetivo, “Segundo o STF, o âmbito de cognoscibilidade da questão constitucional não se adstringe aos fundamentos constitucionais invocados pelo requerente, pois abarca todas as normas que compõe a Constituição Federal. Daí, a fundamentação dada pelo requerente pode ser desconsiderada e suprida por outra encontrada pela Corte” (Controle abstrato de constitucionalidade, São Paulo, Saraiva, 2004, p. 436).

Assim vem decidindo o Col. STF:

 “(...)

 Ementa: constitucional. (...). 'Causa petendi' aberta, que permite examinar a questão por fundamento diverso daquele alegado pelo requerente. (...) (ADI 1749/DF, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI, Rel. p. acórdão Min. NELSON JOBIM, j. 25/11/1999, Tribunal Pleno , DJ 15-04-2005, PP-00005, EMENT VOL-02187-01, PP-00094, g.n.).

 (...)”

 Confira-se, ainda, nesse mesmo sentido: ADI 3576/RS, Rel. Min. ELLEN GRACIE, j. 22/11/2006, Tribunal Pleno, DJ 02-02-2007, PP-00071, EMENT VOL-02262-02, PP-00376.

DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

A Lei nº 5.621, de 10 de setembro de 2012, do Município de Itapetininga, de iniciativa parlamentar, tem a seguinte redação:  

 

DA INCONSTITUCIONALIDADE DA OBRIGAÇÃO IMPOSTA A ESTABELECIMENTOS PÚBLICOS

A obrigatoriedade de colocação de cinzeiro ou recipiente similar também atinge estabelecimentos públicos, conforme previsto no art. 2º, § 2º da Lei nº 5.621/2012, de Itapetininga.

Neste aspecto a lei também é inconstitucional por violar o princípio federativo e o da separação de poderes, previstos nos arts. 5º e 47, II, XIV e XIX, a, da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da Carta Paulista.

A matéria disciplinada pela lei encontra-se no âmbito da atividade administrativa do Município ou do Estado, na hipótese de se tratar de instituição estadual, cuja organização, funcionamento e direção superior cabe ao Governador do Estado ou Prefeito Municipal, com auxílio dos Secretários Estaduais ou Municipais.

A instalação de recipientes coletores de bitucas na entrada dos estabelecimentos públicos, instituída pelo dispositivo legal mencionado, é matéria exclusivamente relacionada à Administração Pública, a cargo do Chefe do Poder Executivo.

Trata-se de atividade nitidamente administrativa, representativa de atos de gestão, de escolha política para a satisfação das necessidades essenciais coletivas, vinculadas aos direitos fundamentais. Assim, privativa do Poder Executivo e inserida na esfera do poder discricionário da administração.

Não se trata, evidentemente, de atividade sujeita a disciplina legislativa. Assim, o Poder Legislativo não pode através de lei ocupar-se da administração, sob pena de se permitir que o legislador administre invadindo área privativa do Poder Executivo.

Quando o Poder Legislativo do Município edita lei disciplinando atuação administrativa, como ocorre, no caso em exame, invade, indevidamente, esfera que é própria da atividade do Administrador Público, violando o princípio da separação de poderes.

Cabe essencialmente à Administração Pública, e não ao legislador, deliberar a respeito da conveniência e oportunidade da criação e regulamentação dos serviços em benefício dos cidadãos. Trata-se de atuação administrativa que fundada em escolha política de gestão, na qual é vedada intromissão de qualquer outro poder.

Assim, o ato normativo impugnado, de iniciativa parlamentar, é verticalmente incompatível com nosso ordenamento constitucional por conter vício de iniciativa e por violar o princípio da separação de poderes, previsto nos arts. 5º, 47, II, XIV e XIX,, da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da Carta Paulista, os quais dispõem o seguinte:

“Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Art. 47 – Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:

II – exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;

XIV – praticar os demais atos de administração, nos limites da competência do Executivo;

XIX - dispor, mediante decreto, sobre:

a) organização e funcionamento da administração estadual, quando não implicar em aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos;

b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos.

Art. 144 – Os Municípios, com autonomia, política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”

É pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público. De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.

Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. (...) O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15. ed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 708 e 712).

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e a independência que deve existir entre os poderes estatais.

A matéria tratada na lei encontra-se na órbita da chamada reserva da Administração, que reúne as competências próprias de administração e gestão, imunes a interferência de outro poder (art. 47, II e IX, da Constituição Estadual - aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144), pois privativas do Chefe do Poder Executivo.

Ainda que se imagine que houvesse necessidade de disciplinar por lei alguma matéria típica de gestão municipal, a iniciativa seria privativa do Chefe do Poder Executivo, mesmo quando ele não possa discipliná-la por decreto nos termos do art. 47, XIX, da Constituição Estadual.

Assim, a lei, ao instituir condições da prestação de serviço público, de um lado, viola o art. 47, II e XIV, no estabelecimento de regras que respeitam à direção da administração e à organização e ao funcionamento do Poder Executivo, matéria essa que é da alçada da reserva da Administração, e de outro, ela ofende o art. 24, § 2º, 2, na medida em que impõe atribuição ao Poder Executivo.

         De outro lado, e não menos importante, a lei impugnada cria, evidentemente, novas despesas por parte do Município ou do Estado, sem que tenha havido a indicação das fontes específicas de receita para tanto e a inclusão do programa na lei orçamentária anual.

A norma combatida ao impor ao Município ou Estado a instalação de recipientes para depósito de bitucas de cigarros e congêneres, não indicou especificamente os recursos orçamentários necessários para a cobertura dos gastos advindos que, no caso, são evidentes porquanto ordenam atividades novas na Administração Pública, cuja instalação e desenvolvimento demandam meios financeiros que não foram previstos, não servindo a tanto a genérica menção a dotações orçamentárias próprias de determinada secretaria.

Isso implica contrariedade ao disposto no art. 25 e 176, I, da Constituição do Estado de São Paulo.

DA CONSTITUCIONALIDADE DA OBRIGAÇÃO IMPOSTA A INSTITUIÇÕES PRIVADAS

No que se refere à obrigação imposta a estabelecimentos e instituições privadas, a lei não tratou de nenhuma matéria cuja iniciativa legislativa seja reservada ao Chefe do Poder Executivo, e tampouco houve violação ao princípio da separação de poderes por invasão da esfera da gestão administrativa.

A matéria sujeita à iniciativa reservada do Chefe do Poder Executivo, por ser direito estrito, deve ser interpretada restritivamente. Nesse sentido é o entendimento pacífico do Colendo STF, ao interpretar o art. 61, § 1º, da CR/88, como se infere dos precedentes a seguir:

“As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no art. 61 da Constituição do Brasil – matérias relativas ao funcionamento da administração pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo. Precedentes. (ADI 3.394, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 2-4-2007, Plenário, DJE de 15-8-2008.)

(...)

iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que, por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo, deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca. (...) (ADI 724-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 7-5-1992, Plenário, DJ de 27-4-2001, g.n.)

(...)”

No mesmo sentido os seguintes julgados: ADI 3.205, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 19-10-2006, Plenário, DJ de 17-11-2006; RE 328.896, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 9-10-2009, DJE de 5-11-2009; ADI 2.392-MC, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 28-3-2001, Plenário, DJ de 1º-8-2003; ADI 2.474, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 19-3-2003, Plenário, DJ de 25-4-2003; ADI 2.638, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 15-2-2006, Plenário, DJ de 9-6-2006.

As matérias em que há iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo, em conformidade com a Constituição do Estado de São Paulo, são indicadas taxativamente: (a) criação e extinção de cargos e funções na administração direta ou indireta autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração; (b) criação de órgãos públicos; (c) organização da Procuradoria-Geral do Estado e da Defensoria Pública; (d) servidores públicos e seu regime jurídico; (e) regime jurídico dos servidores militares; (e) criação, alteração e supressão de cartórios.

Isso decorre do art. 24, § 2º, ns. 1, 2, 3, 4, 5, 6, da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da própria Carta Estadual (configurando reprodução das diretrizes contidas no art. 61, § 1º, da CR/88).

A leitura da lei impugnada permite ver claramente que ela não trata de nenhum desses assuntos.

Trata-se de questão atinente às posturas municipais, consistente na imposição de obrigação positiva a estabelecimentos comerciais de acesso público em prol da limpeza pública e proteção ao meio ambiente.

Não há, nas hipóteses apontadas, qualquer vestígio nem mesmo tênue de desrespeito ao princípio da separação de poderes, estabelecido no art. 5º da Constituição do Estado (que reproduz o art. 2º da CR/88).

Seria possível afirmar a ocorrência de quebra da separação de poderes, caso a lei interferisse diretamente na gestão administrativa.

Há interferência direta do legislador na atividade do administrador, como tem reiteradamente reconhecido esse Colendo Órgão Especial do Tribunal de Justiça, em casos de leis de iniciativa parlamentar que, por exemplo: (a) criam programas de governo a serem seguidos pelo Poder Executivo; (b) impõem ou vedam a prática de atos administrativos (contratos, permissões, concessões, autorizações, etc.); (c) concedem nomes a prédios públicos, praças ou vias públicas; (d) impõem a inserção de informações em comunicados enviados aos munícipes relativos ao lançamento de impostos; (e) criam sistemas de controle orçamentário, com imposição de envio periódico de informações do Executivo ao Legislativo, sem que haja correspondência com o modelo previsto na Constituição da República e aplicável por força do princípio constitucional da simetria; entre outros.

Em síntese: só é possível identificar a ocorrência da quebra do princípio da separação de poderes quando da lei resulta interferência direta por parte do legislador na atividade do administrador.

Não é isso o que se verifica no caso em exame.

Não decorre da lei qualquer imposição de atuação administrativa que não seja aquela decorrente de seu ordinário poder de polícia.

A lei impugnada não coacta a atuação administrativa, ao contrário, disciplina aspecto da prestação de serviço pelos estabelecimentos mencionados no interesse de pessoas portadoras de deficiência visual.

A obrigação imposta atende ao interesse público, pois se trata de medida que tutela tanto o consumidor quanto os usuários portadores de determinada deficiência visual.

Trata-se de iniciativa exercida dentro do escopo de aprimorar as condições de prestação de serviços aos munícipes. Esse aprimoramento das condições de atendimento por parte das agências bancárias, agências de financiamento, lojas de venda de plano de saúde, lojas de venda de consórcios, bibliotecas privadas; instituições privadas de ensino fundamental, médio, pré-vestibular e superior revela interesse local. Pode, portanto, ser objeto de lei municipal cuja iniciativa não é exclusiva do Poder Executivo.

Inúmeros são os precedentes desse C. Órgão Especial acerca da constitucionalidade de leis municipais que criam obrigação a particular. Basta conferir as seguintes ementas:

“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei 4.682, de 26 de agosto de 2011 do Município de Mogi Guaçu. Possibilidade do Município de legislar sobre instalações de painel opaco entre os caixas e os clientes e câmeras de vídeo no entorno dos estabelecimentos bancários do Município. Constitucionalidade reconhecida. Não ocorrência de vício de iniciativa do projeto de lei por Vereador. Norma editada que não estabelece medidas relacionadas à organização da administração pública, nem cria deveres diversos daqueles genéricos ou mesmo despesas extraordinárias. Imposição de sanções em caso de descumprimento pelos estabelecimentos bancários que decorrem de descumprimento de norma de conduta. Irrelevância. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente. O Município pode legislar sobre instalações de painel opaco entre os caixas e os clientes e câmeras de segurança no entorno dos estabelecimentos bancários, em favor dos usuários dos serviços, para lhes proporcionar segurança, na esteira, aliás, de precedentes do próprio Supremo Tribunal Federai A iniciativa do projeto de lei por Vereador em matéria dessa natureza não interfere na organização da Administração, mostrando-se irrelevante que o Executivo, na hipótese, tenha dever de fiscalizar ou impor, em sendo o caso, as sanções correspondentes às infrações. Ao Legislativo cabe editar normas abstratas, gerais e obrigatórias, ainda que voltadas apenas aos bancos e ao Executivo cabe a responsabilidade de executá-las, inclusive com fiscalização e imposição de penas. (ADIN 0276050-06.2011.8.26.0000, Rel. Des. Kioitsi Chicuta, julgamento em 13-06-2012)

Ação direta de inconstitucionalidade - Lei Municipal n° 4.384/2009. Ato normativo de iniciativa de vereador, que dispõe sobre a obrigatoriedade de atendimento reservado, bem com vídeo de monitoramento nas agências bancárias no âmbito do Município e dá outras providências - Ausência de vício de iniciativa - Legalidade por se tratar de matéria ligada à segurança pública - Matéria de iniciativa não reservada ao Chefe do Poder Executivo - Inexistência de ilegalidade do Município na exigência de funcionamento de estabelecimentos bancários condicionado à instalação de equipamentos de segurança - Competência legislativa concomitante do Município - Matéria de interesse loca) - Efetiva legitimidade do Município para legislar sobre o tema - Finalidade de proporcionar proteção ao consumidor - Ação julgada improcedente. . (ADIN 0318796-20.2010.8.26.0000, Rel. Des. Roberto Mac Cracken, julgamento em 29-02.2012)

A matéria é pacífica no âmbito do Colendo STF. Confira-se: RE 312.050, rel. Min. Celso de Mello, DJ 06.05.05; RE 208.383, rel. Min. Néri da Silveira, DJ de 07.06.99.

O simples fato da previsão de que o Executivo regulamentará a Lei não caracteriza invasão de área da esfera de competência ou interferência direta por parte do legislador na atividade do administrador.

A lei poderá ou não ser regulamentada pelo Executivo. Da mesma forma, é facultativa a exigência do monitoramento por imagens.

Se eventualmente para cumpri-la, será ou não necessária criação de novos cargos de fiscalização, ou mesmo se será ou não necessária atividade suplementar de servidores, e se isso provocará ou não maiores gastos por parte do Poder Público, é algo que dependerá essencialmente da opção político-administrativa, calcada na esfera da conveniência e oportunidade, a cargo do Chefe do Poder Executivo Municipal. E essa avaliação e decisão ocorrerão no âmbito administrativo, não decorrendo diretamente da lei impugnada.

Em suma, a lei impugnada não cria diretamente cargos, órgãos, ou encargos para a administração pública, nem regula diretamente a prestação de serviços pelo Poder Público, e tampouco gera diretamente qualquer despesa para a administração pública.

Entendimento diverso implicaria contrariedade à correta compreensão a respeito do princípio da separação de poderes, previsto no art. 2º da CR/88, bem como às hipóteses de iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Executivo, previstas no art. 61, § 1º, da CR/88, sendo necessário que esse Colendo Tribunal se manifeste a respeito, inclusive para fins de prequestionamento.

Diante do exposto, aguarda-se seja o pedido julgado parcialmente procedente para declarar a inconstitucionalidade da expressão repartições públicas do § 2º do art. 2º da Lei nº 5.621, de 10 de setembro de 2012, do Município de Itapetininga.

 

              São Paulo, 12 de setembro de 2013.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

 

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