Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 0070865-97.2013.8.26.0000

Requerente: Federação dos Funcionários Públicos Municipais do Estado de São Paulo - FUPESP

Requeridos: Prefeito e Presidente da Câmara Municipal do Município de Guararapes

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade por omissão promovida pela Federação dos Funcionários Públicos Municipais do Estado de São Paulo - FUPESP, tendo por objeto a Lei Orgânica do Município de Guararapes. Restrições ao de direito de licença para o exercício de mandato eletivo em sindicato representativo da categoria ou entidade fiscalizadora da profissão.  Norma parâmetro (art. 125, § 1º, CE) aplicável tão somente aos servidores públicos estaduais. Inexistência, no caso, do dever de legislar. Outrossim, não compete ao Município legislar sobre Direito do Trabalho (CF, art. 22, I). Parecer pela improcedência da ação

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pela Federação dos Funcionários Públicos Municipais do Estado de São Paulo - FUPESP, tendo por objeto a Lei Orgânica do Município de Guararapes.

Sustenta o autor que a lei em foco é inconstitucional por afronta ao parágrafo primeiro do art. 125 da Constituição Estadual, que prevê o direito do afastamento do servidor público municipal para ocupar cargo em sindicato de categoria, sem prejuízo de seus vencimentos e demais vantagens.

O Prefeito Municipal prestou informações (fls. 132/135), enquanto que o Presidente da Câmara Municipal o fez às fls. 124/129, ambos em defesa da constitucionalidade dos dispositivos atacados.

A Procuradoria Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 120/122).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A ação é improcedente.

Com efeito, só cabe falar em omissão capaz de ensejar a propositura de ação direta de inconstitucionalidade se houver claro e inequívoco dever de legislar. Não cabe provimento mandamental em controle omissivo em situações em que não é evidente, claro ou preciso o dever de legislar.

A omissão legislativa somente pode significar que o legislador não faz algo que positivamente lhe era imposto pela Constituição. Não se trata, apenas, de um não fazer, mas de não fazer aquilo a que, de forma concreta e explícita, estava ele constitucionalmente obrigado (José Joaquim Gomes Canotilho, Constituição dirigente, p. 331). 

A omissão tem conexão com uma exigência de ação advinda da Constituição; caso contrário não haverá omissão. Em outras palavras, há o dever de legislar violado quando: a) do legislador não emana o ato legislativo obrigado; b) a lei editada favorece um grupo, olvidando-se de outros. É dizer: quando não concretiza, ou não satisfaz completamente, uma imposição constitucional.

A propósito, já proclamou o Supremo Tribunal Federal:

“É de registrar, neste ponto, que, em tema de inconstitucionalidade por omissão parcial da lei, emerge a grave questão da exclusão de benefício, com ofensa ao princípio da isonomia. A reflexão doutrinária em torno dessa questão tem ensejado diversas aborda­gens teóricas do tema, com o objetivo de propiciar, a partir do desprezo estatal dispensado pelo Poder Legislativo ao postulado da isonomia, a formulação de soluções que dispensem à matéria um adequado tratamento jurídico (J.J. Gomes Canotilho, "Direito Constitucional", págs. 736/737 e 831, 4a ed., 1987, Alme­dina, Coimbra; Jorge Miranda, "Manual de Direito Constitucional", tomo II/407, 2a ed., 1988, Coimbra Editora, Limitada; Gilmar Ferreira Mendes, "Controle de Constitucionalidade - Aspectos jurídicos e políticos", págs. 69/70, 1990, Saraiva). A discussão das possíveis soluções jurídicas estimuladas pela questão da exclusão de benefício, em ofensa ao princípio da isonomia, permite vislumbrar três mecanismos destinados a viabilizá-las:

(a) extensão dos benefícios ou vantagens às categorias ou grupos inconstitucionalmente deles excluídos;

(b) supressão dos benefícios ou vantagens que foram indevidamente concedidos a terceiros; e

(c) reconhecimento da existência de uma situação ainda constitucional (situação constitucional imperfeita), ensejando-se ao Poder Público, em tempo razoável, a edição de lei restabelecedora do dever de integral obediência ao princípio da igual­dade, sob pena de progressiva inconstitucionalização do ato estatal que, embora existente, revela-se insuficiente e incompleto." (RMS 21.662-3-DF, Rel. Ministro Celso de Mello) (Oswaldo Luiz Palu, Controle de Constitucionalidade – Conceitos, Sistemas e Efeitos, 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais).

         O Pretório Excelso também já se consolidou quanto à possibilidade de ação direta de inconstitucionalidade por omissão, como se vê da decisão a seguir:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO. INATIVIDADE DO LEGISLADOR QUANTO AO DEVER DE ELABORAR A LEI COMPLEMENTAR A QUE SE REFERE O § 4O DO ART. 18 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, NA REDAÇÃO DADA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL NO 15/1996. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. 1. A Emenda Constitucional n° 15, que alterou a redação do § 4º do art. 18 da Constituição, foi publicada no dia 13 de setembro de 1996. Passados mais de 10 (dez) anos, não foi editada a lei complementar federal definidora do período dentro do qual poderão tramitar os procedimentos tendentes à criação, incorporação, desmembramento e fusão de municípios. Existência de notório lapso temporal a demonstrar a inatividade do legislador em relação ao cumprimento de inequívoco dever constitucional de legislar, decorrente do comando do art. 18, § 4o, da Constituição. 2. Apesar de existirem no Congresso Nacional diversos projetos de lei apresentados visando à regulamentação do art. 18, § 4º, da Constituição, é possível constatar a omissão inconstitucional quanto à efetiva deliberação e aprovação da lei complementar em referência. As peculiaridades da atividade parlamentar que afetam, inexoravelmente, o processo legislativo, não justificam uma conduta manifestamente negligente ou desidiosa das Casas Legislativas, conduta esta que pode pôr em risco a própria ordem constitucional. A inertia deliberandi das Casas Legislativas pode ser objeto da ação direta de inconstitucionalidade por omissão. 3. A omissão legislativa em relação à regulamentação do art. 18, § 4º, da Constituição, acabou dando ensejo à conformação e à consolidação de estados de inconstitucionalidade que não podem ser ignorados pelo legislador na elaboração da lei complementar federal. 4. Ação julgada procedente para declarar o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional, a fim de que, em prazo razoável de 18 (dezoito) meses, adote ele todas as providências legislativas necessárias ao cumprimento do dever constitucional imposto pelo art. 18, § 4º, da Constituição, devendo ser contempladas as situações imperfeitas decorrentes do estado de inconstitucionalidade gerado pela omissão. Não se trata de impor um prazo para a atuação legislativa do Congresso Nacional, mas apenas da fixação de um parâmetro temporal razoável, tendo em vista o prazo de 24 meses determinado pelo Tribunal nas ADI n°s 2.240, 3.316, 3.489 e 3.689 para que as leis estaduais que criam municípios ou alteram seus limites territoriais continuem vigendo, até que a lei complementar federal seja promulgada contemplando as realidades desses municípios” (ADI 3682/MT, DJe-096  DIVULG 05-09-2007  PUBLIC 06-09-2007).

No mesmo sentido esse Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade de Lei 994.08.0074829:

“ILEGITIMIDADE AD CAUSAM - Ação direta de inconstitucionalidade por omissão - Assembleia Legislativa - Ajuizamento que visa a sanar a ausência de norma específica para a reserva de vagas para deficientes físicos no âmbito do Tribunal de Contas do Estado - Iniciativa de projeto de lei que é privativamente atribuída à Corte de Contas - Legiferação é ato complexo, a responsabilizar, também, o órgão legislativo Legitimidade reconhecida - Preliminar afastada. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - Ação direta de inconstitucionalidade por omissão - E desnecessária a previsão de prazo para o reconhecimento da mora legislativa, bastando que se tenha constatado o decurso de tempo razoável - Preliminar afastada. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO - Inexistência de lei que disciplina a reserva de vagas para portadores de deficiência física no âmbito do Tribunal de Contas do Estado - Art. 37, inc. VIII, da CF e art. 115, inc. IX, da CE - Mandamento constitucional cujo atendimento não se submete à discricionariedade da Administração - Regra que há de ser sopesada com os princípios da isonomia, da necessidade de concurso público e da proporcionalidade - Necessidade de regramento específico, em razão da autonomia administrativa e financeira de que goza a Corte de Contas - Fixação de prazo de 12 (doze) meses e estabelecimento da aplicabilidade da LCE n. 683/92, enquanto perdurar a mora legislativa - Omissão reconhecida - Ação procedente”.  

Todavia, no caso em tela não restou configurada a quebra do dever de legislar.

A Constituição Federal, no art. 8º, inc. VIII, assegura a associação profissional ou sindical e veda a dispensa do empregado sindicalizado, mas não estabelece direito ao afastamento remunerado:

“É vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei”.

Em seu art. 38, a Constituição Federal garante o afastamento para exercício de mandato eletivo.

A Constituição Estadual estabelece, em relação aos seus servidores, o direito que se pretende ver reconhecido na inicial, qual seja, o afastamento remunerado para o mandato classista.

A regra, todavia, não é extensiva aos servidores municipais, como explica Wellington Pacheco Barros:

“O afastamento do empregado público para desempenho de mandato classista tem previsão expressa na CLT. Como para o servidor público esta licença não se inclui no rol dos direitos constitucionais, deve ter previsão expressa no estatuto do servidor público municipal. Como a administração se rege pelo princípio da legalidade, não havendo lei regulamentando sua concessão, não pode a administração pública concedê-la, sob pena de responsabilização do Prefeito Municipal ou do Presidente da Câmara, dependendo a que poder municipal o servidor esteja vinculado, por improbidade administrativa, crime de responsabilidade ou por infração político-administrativa” (O município e seus agentes, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 137).

Ademais, sendo o regime jurídico dos servidores públicos de Guararapes o celetista (Lei n. 1.488/90), o comando jurisdicional pleiteado nesta demanda é absolutamente impossível por compelir o legislador local, observada a competente regra de iniciativa reservada, a legislar sobre direito do trabalho, matéria inserida na competência normativa exclusiva da União (art. 22, I, CF/88)

Neste sentido, pronuncia o Supremo Tribunal Federal que não cabe ao legislador estadual, distrital ou municipal disciplinar a relação de emprego público:

“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO. REGIME CELETISTA. REAJUSTE SALARIAL. COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO DO TRABALHO. 1. A competência legislativa atribuída aos municípios se restringe a seus servidores estatutários. Não abrange ela os empregados públicos, porque estes estão submetidos às normas de Direito do Trabalho, que, nos termos do inciso I do art. 22 da Constituição Federal, são de competência privativa da União. 2. Agravo regimental desprovido” (STF, AgR-RE 632.713-MG, 2ª Turma, Rel. Min. Ayres Britto, 17-05-2011, v.u., DJe 26-08-2011).

“AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. PESSOAL CELETISTA DE FUNDAÇÃO DO DISTRITO FEDERAL. DIREITO AO ACRÉSCIMO REMUNERATÓRIO DE 84,32% (PLANO COLLOR). APLICABILIDADE DA LEI DISTRITAL 38/1989. IMPROCEDÊNCIA. 1. Conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ‘a competência legislativa do Distrito Federal restringe-se aos servidores sob regime estatutário, cabendo à União dispor sobre as normas de Direito do Trabalho aplicáveis aos empregados sob o regime da CLT’ (RE 184.791, da relatoria do ministro Moreira Alves). 2. Agravo regimental a que se nega provimento” (STF, AgR-AI 466.131-DF, 2ª Turma, Rel. Min. Ayres Britto, 14-12-2010, v.u., DJe 21-03-2011).

 

Posto isso, opino pela improcedência desta ação direta de inconstitucionalidade por omissão.

São Paulo, 17 de julho de 2013.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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