Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 0088286-03.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Bertioga

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Bertioga

 

 

Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 954, de 28 de janeiro de 2011, do Município de Bertioga, de iniciativa parlamentar. Obrigatoriedade por parte dos hospitais da rede pública e privada de fixação de aviso esclarecendo o direito para os idosos de terem um acompanhante em caso de internação. Violação da separação de poderes. Procedência da ação.  1. A organização e o funcionamento dos órgãos e dos serviços públicos é matéria da reserva da Administração e da iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo, sendo inconstitucional a lei de iniciativa parlamentar. 2. Procedência da ação.

 

 

Colendo Órgão Especial:

 

 

                   Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Prefeito do Município de Bertioga impugnando a Lei n. 954, de 28  de janeiro de 2011, que “Torna obrigatória aos hospitais da rede pública e privada a fixação de aviso esclarecendo o direito para os idosos de terem um acompanhante em caso de internação”, sob alegação de violação aos arts. 5º, 25, 47, incisos II e XIV, da Constituição do Estado de São Paulo (fls. 02/05).

                  A douta Procuradoria Geral do Estado não manifestou interesse na defesa do ato (fls. 41/42) e as informações foram prestadas (fls. 49/50).

                   É o relatório.

                   A Lei n. 954, de 28 de janeiro de 2011, do Município de Bertioga, assim estabelece:

“Art. 1º . Os hospitais da rede pública e privada ficam obrigados a fixar aviso ao público em geral que é direito do idoso permanecer com seu acompanhante em caso de internação.

Parágrafo único. O aviso de que trata este artigo, com timbre do hospital deverá ter especificações, medidas e localização estratégicas que facilitem a sua visualização pelo público.

Art. 2º . A falta de cumprimento das disposições contidas nesta Lei sujeitará a parte infratora a multa de valor correspondente a trinta salários mínimos. No caso de reincidência, a multa será dobrada.

Art. 3º . Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições  em contrário”.

                   É ponto pacífico que “as regras do processo legislativo federal, especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas de observância obrigatória pelos Estados-membros” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.).

                   Como desdobramento particularizado do princípio da separação dos poderes (art. 5º, Constituição Estadual), a Constituição do Estado de São Paulo prevê no art. 24, § 2º, 2, iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo (aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144) para “a criação e extinção das Secretarias de Estado e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 47, XIX”, o que compreende a fixação ou alteração das atribuições dos órgãos da Administração Pública direta.

                   Também prevê no art. 47 (aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144) competência privativa do Chefe do Poder Executivo. O dispositivo consagra a atribuição de governo do Chefe do Poder Executivo, traçando suas competências próprias de administração e gestão que compõem a denominada reserva de Administração, pois, veiculam matérias de sua alçada exclusiva, imunes à interferência do Poder Legislativo.

                   A alínea a do inciso XIX desse art. 47 fornece ao Chefe do Poder Executivo a prerrogativa de dispor mediante decreto sobre “organização e funcionamento da administração estadual, quando não implicar aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos”, em preceito semelhante ao art. 84, VI, a, da Constituição Federal. Por sua vez, os incisos II e XIV estabelecem competir-lhe o exercício da direção superior da administração e a prática dos demais atos de administração, nos limites da competência do Poder Executivo.

                   A inconstitucionalidade transparece exatamente pelo divórcio da iniciativa parlamentar da lei local com esses preceitos da Constituição Estadual.

                   Pois, ao disciplinar serviços administrativos, de um lado, ela viola o art. 47, II, XIV e XIX, a, no estabelecimento de regras que respeitam à direção da administração e à organização e ao funcionamento do Poder Executivo, matéria essa que é da alçada da reserva da Administração, e de outro, ela ofende o art. 24, § 2º, 2, na medida em que impõe atribuição ao Poder Executivo, assunto cuja iniciativa legislativa lhe é reservada.

                   Neste sentido, a jurisprudência:

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. LEI QUE ATRIBUI TAREFAS AO DETRAN/ES, DE INICIATIVA PARLAMENTAR: INCONSTITUCIONALIDADE. COMPETÊNCIA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. C.F, art. 61, § 1°, n, e, art. 84, II e VI. Lei 7.157, de 2002, do Espírito Santo.

I. - É de iniciativa do Chefe do Poder Executivo a proposta de lei que vise a criação, estruturação e atribuição de órgãos da administração pública: C.F, art. 61, § 1°, II, e, art. 84, II e VI.

II. - As regras do processo legislativo federal, especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas de observância obrigatória pelos Estados-membros.

III. - Precedentes do STF.

IV - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.).

“É indispensável a iniciativa do Chefe do Poder Executivo (mediante projeto de lei ou mesmo, após a EC 32/01, por meio de decreto) na elaboração de normas que de alguma forma remodelem as atribuições de órgão pertencente à estrutura administrativa de determinada unidade da Federação” (STF, ADI 3.254-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 16-11-2005, v.u., DJ 02-12-2005, p. 02).

“Ação direta de inconstitucionalidade - Ajuizamento pelo Prefeito de São José do Rio Preto - Lei Municipal n°10.241/08 cria o serviço de fisioterapia e terapia ocupacional nas unidades básicas de saúde e determina que as despesas decorrentes 'correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário' - Matéria afeta à administração pública, cuja gestão é de competência do Prefeito - Vício de iniciativa configurado - Criação, ademais, de despesas sem a devida previsão de recursos - Inadmissibilidade - Violação dos artigos 5° e 25, ambos da Constituição Estadual - Inconstitucionalidade da lei configurada - Ação procedente” (ADI 172.331-0/1-00, Órgão Especial, Rel. Des. Walter de Almeida Guilherme, v.u., 22-04-2009).

                   E como exposto, invade a denominada reserva de Administração, consoante já decidido:

“RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO E SEPARAÇÃO DE PODERES. - O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo. Precedentes. Não cabe, desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham sido editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas privativas atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultra vires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais” (STF, ADI-MC 2.364-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 01-08-2001, DJ 14-12-2001, p. 23).

 

                   Cumpre assinalar que se dirigindo a lei a qualquer serviço de saúde ela atinge também essa atividade quando prestada mediante delegação do poder público ao particular, violando a reserva de regulamentação prevista no art. 119 da Constituição Estadual.

                   Todavia, a arguição de ofensa ao art. 25 da Constituição Estadual não merece acolhida. A aferição da perspectiva de geração de nova despesa sem cobertura financeiro-orçamentária não é evidente. Além disso, seu debate nesta lide configuraria a introdução de matéria dependente de exame de fato e de prova, insuscetível na via estreita do controle concentrado de constitucionalidade.

                   Opino pela procedência da ação por violação aos arts. 5º, 24, § 2º, 2, 47, II, XIV e XIX, a, e 119, da Constituição do Estado.

 

                          São Paulo, 8 de agosto de 2013.

 

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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