Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 0088296-47.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Bertioga

Requerida: Câmara Municipal de Bertioga

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade.  Lei n. 891, de 14 de janeiro de 2010, do Município de Bertioga. Programa de coleta e destinação de gorduras e óleos vegetais, utilizados ou não na fritura de alimentos. Iniciativa Parlamentar. Separação de poderes. Iniciativa legislativa comum ou concorrente. Geração de despesas. Improcedência da ação. 1. Lei, de iniciativa parlamentar, que prescreve em traços abstratos e genéricos o programa de coleta e destinação de gorduras e óleos vegetais, utilizados ou não na fritura de alimentos, sem tratar de aspectos concretos da gestão administrativa ou impor obrigações aos órgãos públicos da comuna. 2. Iniciativa legislativa comum ou concorrente. 3. Interpretação restritiva da reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo. 4. Inocorrência de ofensa à reserva da Administração. 5. Da lei não decorre diretamente geração de despesa nova e a prospecção dessa matéria é matéria de fato dependente de prova, insuscetível nesta sede. 6. Improcedência da ação.

 

 

 

 

 

Egrégio Tribunal:

 

 

 

 

1.                 Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade promovida pelo Prefeito do Município de Bertioga impugnando a Lei n. 891, de 14 de janeiro de 2010, do Município de Bertioga, de iniciativa parlamentar, que institui o programa de coleta e destinação de gorduras e óleos vegetais, utilizados ou não na fritura de alimentos, sob alegação de incompatibilidade com os arts. 5º, 25, 47, II e XIV, e 144 da Constituição Estadual (fls. 02/06).

2.                A Câmara Municipal de Andradina prestou informações (fls. 68/74) e a douta Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa da norma impugnada (fls. 77/78).

3.                É o relatório.

4.                Eventual compatibilidade da lei local com dispositivos da Lei Orgânica do Município, como alegado nas informações, não merece cognição nesta via, pois, o contencioso de constitucionalidade de lei ou ato normativo municipal tem como exclusivo parâmetro a Constituição Estadual ainda que remissiva ou reprodutora da Constituição Federal (art. 125, § 2º, Constituição Federal).

5.                Destarte, qualquer alegação de incompatibilidade com a Lei Orgânica Municipal ou leis infraconstitucionais não merece cognição, tendo em vista que é “inviável a análise de outra norma municipal para aferição da alegada inconstitucionalidade da lei” (STF, AgR-RE 290.549-RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, 28-02-2012, m.v., DJe 29-03-2012).

6.                A lei local, de iniciativa parlamentar, prescreve em traços abstratos e genéricos o programa de coleta e destinação de gorduras e óleos vegetais, utilizados ou não na fritura de alimentos, sem tratar de aspectos concretos da gestão administrativa ou impor obrigações aos órgãos públicos da comuna.

7.                Tanto que seu art. 3º confere competência normativa ao Poder Executivo para edição de normas para coleta, destinação e controle de descarte desses poluentes, facultando-lhe campanhas educativas, e no art. 4º cuida de endereçar suas regras aos estabelecimentos comerciais ou industriais geradores desses poluentes.

8.                Trata-se de norma que disciplina a proteção ao meio ambiente no âmbito da polícia municipal.

9.                Em se tratando de processo legislativo é princípio que as normas do modelo federal são aplicáveis e extensíveis por simetria às demais órbitas federativas. Neste sentido:

“as regras do processo legislativo federal, especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas de observância obrigatória pelos Estados-membros” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.).

“(...) I. - As regras básicas do processo legislativo federal são de observância obrigatória pelos Estados-membros e Municípios. (...)” (STF, ADI 2.731-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 02-03-2003, v.u., DJ 25-04-2003, p. 33).

“(...) 2. A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno --- artigo 25, caput ---, impõe a obrigatória observância de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo. O legislador estadual não pode usurpar a iniciativa legislativa do Chefe do Executivo, dispondo sobre as matérias reservadas a essa iniciativa privativa. (...)” (STF, ADI 1.594-RN, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 04-06-2008, v.u., DJe 22-08-2008).

“(...) I. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que as regras básicas do processo legislativo da Constituição Federal, entre as quais as que estabelecem reserva de iniciativa legislativa, são de observância obrigatória pelos estados-membros. (...)” (RT 850/180).

“(...) 1. A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno (artigo 25, caput), impõe a obrigatória observância de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo, de modo que o legislador estadual não pode validamente dispor sobre as matérias reservadas à iniciativa privativa do Chefe do Executivo. (...)” (RTJ 193/832).

10.              Regra é a iniciativa legislativa pertencente ao Poder Legislativo; exceção é a atribuição de reserva a certa categoria de agentes, entidades e órgãos, e que, por isso, não se presume. Corolário é a devida interpretação restritiva às hipóteses de iniciativa legislativa reservada, perfilhando tradicional lição salientando que:

“a distribuição das funções entre os órgãos do Estado (poderes), isto é, a determinação das competências, constitui tarefa do Poder Constituinte, através da Constituição. Donde se conclui que as exceções ao princípio da separação, isto é, todas aquelas participações de cada poder, a título secundário, em funções que teórica e normalmente competiriam a outro poder, só serão admissíveis quando a Constituição as estabeleça, e nos termos em que fizer. Não é lícito à lei ordinária, nem ao juiz, nem ao intérprete, criarem novas exceções, novas participações secundárias, violadoras do princípio geral de que a cada categoria de órgãos compete aquelas funções correspondentes à sua natureza específica” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 581, 592-593).

11.              As reservas de iniciativa legislativa a autoridades, agentes, entidades ou órgãos públicos diversos do Poder Legislativo devem sempre ser interpretadas restritivamente na medida em que, ao transferirem a ignição do processo legislativo, operam reduções a funções típicas do Parlamento e de seus membros. Neste sentido, colhe-se da Suprema Corte:

“A iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que – por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo – deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca” (STF, ADI-MC 724-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 27-04-2001).

“As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no artigo 61 da Constituição do Brasil --- matérias relativas ao funcionamento da Administração Pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo” (RT 866/112).

“A disciplina jurídica do processo de elaboração das leis tem matriz essencialmente constitucional, pois residem, no texto da Constituição - e nele somente -, os princípios que regem o procedimento de formação legislativa, inclusive aqueles que concernem ao exercício do poder de iniciativa das leis. - A teoria geral do processo legislativo, ao versar a questão da iniciativa vinculada das leis, adverte que esta somente se legitima - considerada a qualificação eminentemente constitucional do poder de agir em sede legislativa - se houver, no texto da própria Constituição, dispositivo que, de modo expresso, a preveja. Em conseqüência desse modelo constitucional, nenhuma lei, no sistema de direito positivo vigente no Brasil, dispõe de autoridade suficiente para impor, ao Chefe do Executivo, o exercício compulsório do poder de iniciativa legislativa” (STF, MS 22.690-CE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 17-04-1997, v.u., DJ 07-12-2006, p. 36).

12.              Com efeito, postulado básico da organização do Estado é o princípio da separação dos poderes, constante do art. 5º da Constituição do Estado de São Paulo, norma de observância obrigatória nos Municípios conforme estabelece o art. 144 da mesma Carta Estadual.

13.              Este dispositivo é tradicional pedra fundamental do Estado de Direito assentado na ideia de que as funções estatais são divididas e entregues a órgãos ou poderes que as exercem com independência e harmonia, vedando interferências indevidas de um sobre o outro. Todavia, o exercício dessas atribuições nem sempre é fragmentado e estanque, pois, observa a doutrina que:

“O princípio da separação dos poderes (ou divisão, ou distribuição, conforme a terminologia adotada) significa, portanto, entrosamento, coordenação, colaboração, desempenho harmônico e independente das respectivas funções, e ainda que cada órgão (poder), ao lado de suas funções principais, correspondentes à sua natureza, em caráter secundário colabora com os demais órgãos de diferente natureza, ou pratica certos atos que, teoricamente, não pertenceriam à sua esfera de competência” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, p. 585).

14.              Como consequência do princípio da separação dos poderes, a Constituição Estadual, perfilhando as diretrizes da Constituição Federal, comete a um Poder competências próprias, insuscetíveis de invasão por outro. Assim, ao Poder Executivo são outorgadas atribuições típicas da função administrativa, como, por exemplo, dispor sobre a sua organização e seu funcionamento. Em essência, a separação ou divisão de poderes:

“consiste um confiar cada uma das funções governamentais (legislativa, executiva e jurisdicional) a órgãos diferentes (...) A divisão de Poderes fundamenta-se, pois, em dois elementos: (a) especialização funcional, significando que cada órgão é especializado no exercício de uma função (...); (b) independência orgânica, significando que, além da especialização funcional, é necessário que cada órgão seja efetivamente independente dos outros, o que postula ausência de meios de subordinação” (José Afonso da Silva. Comentário contextual à Constituição, São Paulo: Malheiros, 2006, 2ª ed., p. 44).

15.              Também por decorrência do citado princípio da separação de poderes, e à vista dos mecanismos de controle recíprocos de um sobre o outro para evitar abusos e disfunções, a Constituição Estadual cuidou de precisar a participação do Poder Executivo no processo legislativo. Como observa a doutrina:

“É a esse arranjo, mediante o qual, pela distribuição de competências, pela participação parcial de certos órgãos estatais controlam-se e limitam-se reciprocamente, que os ingleses denominavam, já anteriormente a Montesquieu, sistema de ‘freios recíprocos’, ‘controles recíprocos’, ‘reservas’, ‘freios e contrapesos’ (checks and controls, checks and balances), tudo isso visando um verdadeiro ‘equilíbrio dos poderes’ (equilibrium of powers).

(...)

A distribuição das funções entre os órgãos do Estado (poderes), isto é, a determinação das competências, constitui tarefa do Poder Constituinte, através da Constituição. Donde se conclui que as exceções ao princípio da separação, isto é, todas aquelas participações de cada poder, a título secundário, em funções que teórica e normalmente competiriam a outro poder, só serão admissíveis quando a Constituição as estabeleça, e nos termos em que fizer. Não é lícito à lei ordinária, nem ao juiz, nem ao intérprete, criarem novas exceções, novas participações secundárias, violadoras do princípio geral de que a cada categoria de órgãos compete aquelas funções correspondentes à sua natureza específica” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 581, 592-593).

16.              Assim, se em princípio a competência normativa é do domínio do Poder Legislativo, certas matérias por tangenciarem assuntos de natureza eminentemente administrativa e, concomitantemente, direitos de terceiros ou o próprio exercício dos poderes estatais, são reservadas à iniciativa legislativa do Poder Executivo (arts. 24, § 2º, 2, 47, II, XIV e XIX, a).

17.              Esse desenho normativo de status constitucional – aplicável aos Municípios por obra do art. 144 da Constituição Estadual - permite assentar as seguintes conclusões: (a) a iniciativa legislativa não é ampla nem livre, só podendo ser exercida por sujeito a quem a Constituição entregou uma determinada competência; (b) ao Chefe do Poder Executivo a Constituição prescreve iniciativa legislativa reservada em matérias inerentes à Administração Pública; (c) há matérias administrativas que, todavia, escapam à dimensão do princípio da legalidade consistente na reserva de lei em virtude do estabelecimento de reserva de norma do Poder Executivo (reserva da Administração). A propósito, frisa Hely Lopes Meirelles a linha divisória da iniciativa legislativa:

“Leis de iniciativa da Câmara ou, mais propriamente, de seus vereadores são todas as que a lei orgânica municipal não reserva, expressa e privativamente à iniciativa do prefeito. As leis orgânicas municipais devem reproduzir, dentre as matérias previstas nos arts. 61, § 1º, e 165 da CF, as que se inserem no âmbito da competência municipal” (Direito Municipal Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 1997, 9ª ed., p. 431).

18.              Assentadas estas premissas, não se verifica na lei contestada traço de invasão da esfera de iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo ou do domínio da denominada reserva da Administração.

19.              Se é certo que ao Chefe do Poder Executivo consente-se a deflagração do processo legislativo para criação e extinção de órgãos públicos e fixação de suas competências (art. 24, § 2º, 2, Constituição Estadual), não se verifica no objeto da lei objurgada a disciplina dessa matéria e, tampouco, da organização e funcionamento de órgãos públicos, da prática de atos da Administração ou de sua direção superior (art. 47, II, XIV e XIX, a, Constituição Estadual).

20.              A lei prescreve em traços abstratos e genéricos programa de proteção ambiental para diminuição do lançamento desses dejetos na rede coletora de esgoto ou mecanismo equivalente, sem cometer atribuição à Administração Pública, tópico cuja apreciação, aliás, é vedada nesta via porquanto é cingida à análise da incompatibilidade direta e frontal entre a lei ou ato normativo e dispositivo constitucional.

21.              O objeto da lei municipal objurgada não se insere em qualquer das matérias arroladas taxativamente no art. 24, § 2º, da Constituição Estadual - que não reproduz o quanto contido no art. 61, § 1º, II, b, da Constituição da República que é impossível invocar-se como parâmetro o art. 61, § 1º, II, b, da Constituição da República, por ser norma específica destinada exclusivamente à organização administrativa, serviços públicos e matéria tributária e orçamentária dos Territórios. Neste sentido, pronuncia o Supremo Tribunal Federal que:

“(...) a reserva de lei de iniciativa do chefe do Executivo, prevista no art. 61, § 1º, II, b, da Constituição, somente se aplica aos Territórios federais (...)” (STF, ADI 2.447-MG, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 04-03-2009, v.u., DJe 04-12-2009).

22.              Da lei em foco não se vislumbra qualquer obrigação ao Poder Executivo que implique diretamente a necessidade de fonte específica em termos financeiro-orçamentários para atendimento de novos encargos, aspecto, aliás, de apreciação vedada nesta via por demandar análise de questão de fato dependente de prova.

23.              Corroborando o acima exposto pronunciou o Supremo Tribunal Federal:

“I. Despesas de pessoal: limite de fixação delegada pela Constituição à lei complementar (CF, art. 169), o que reduz sua eventual superação à questão de ilegalidade e só mediata ou reflexamente de inconstitucionalidade, a cuja verificação não se presta a ação direta; existência, ademais, no ponto, de controvérsia de fato para cujo deslinde igualmente é inadequada a via do controle abstrato de constitucionalidade. II. Despesas de pessoal: aumento subordinado à existência de dotação orçamentária suficiente e de autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias (CF, art. 169, parág. único, I e II): além de a sua verificação em concreto depender da solução de controvérsia de fato sobre a suficiência da dotação orçamentária e da interpretação da LDO, inclina-se a jurisprudência no STF no sentido de que a inobservância por determinada lei das mencionadas restrições constitucionais não induz à sua inconstitucionalidade, impedindo apenas a sua execução no exercício financeiro respectivo: precedentes” (STF, ADI 1.585-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 19-12-1997, v.u., DJ 03-04-1998, p. 01).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 10.168/96, DO ESTADO DE SANTA CATARINA E RESOLUÇÃO Nº 76, DO SENADO FEDERAL. EMISSÃO DE TÍTULOS DE DÍVIDA PÚBLICA PARA PAGAMENTO DE PRECATÓRIOS. LETRAS FINANCEIRAS DO TESOURO EM VALOR SUPERIOR AOS PRECATÓRIOS PENDENTES DE PAGAMENTO À ÉPOCA DA PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: PRETENSÃO DE REEMBOLSO DOS VALORES JÁ EXPENDIDOS. AFRONTA AO ART. 33 DO ADCT-CF/88. MATÉRIA DE FATO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. AÇÃO DIRETA NÃO CONHECIDA. 1. Há impossibilidade de controle abstrato da constitucionalidade de lei, quando, para o deslinde da questão, se mostra indispensável o exame do conteúdo de outras normas jurídicas infraconstitucionais de lei ou matéria de fato. Precedentes. 2. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Violação ao art. 33 do ADCT/CF-1988 e ao art. 5º da EC nº 3/93. Alegação fundada em elementos que reclamam dilação probatória. Inadequação da via eleita para exame da matéria fática. 3. Ato de efeito concreto, despido de normatividade, é insuscetível de ser apreciado pelo controle concentrado. Ação direta não conhecida” (STF, ADI 1.527-SC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, 05-11-1997, v.u., DJ 18-05-2000, p. 430).

“Essa afirmação torna aplicável, ao caso, a jurisprudência que esta Corte consolidou a propósito do tema referente à reserva de iniciativa, sempre excepcional, do processo de formação das leis.

Cabe observar, no ponto, por necessário, que o Plenário desta Suprema Corte, ao julgar a ADI 3.394/AM, Rel. Min. EROS GRAU, apreciando esse específico aspecto da controvérsia, firmou entendimento que torna acolhível a pretensão recursal ora em exame, como resulta evidente da seguinte passagem do voto do eminente Ministro EROS GRAU:

    ‘Afasto, desde logo, a alegada inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa, já que, ao contrário do afirmado pelo requerente, a lei atacada não cria ou estrutura qualquer órgão da Administração Pública local. Também não procede a alegação de que qualquer projeto de lei que crie despesa só poderá ser proposto pelo Chefe do Executivo estadual. As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em ‘numerus clausus’, no artigo 61 da Constituição do Brasil, dizendo respeito às matérias relativas ao funcionamento da Administração Pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo. Não se pode ampliar aquele rol, para abranger toda e qualquer situação que crie despesa para o Estado-membro, em especial quando a lei prospere em benefício da coletividade.’ (grifei)

    Esse entendimento encontra apoio na jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal firmou a propósito da iniciativa do processo legislativo (RTJ 133/1044 – RTJ 176/1066-1067), como o revela fragmento do julgado a seguir reproduzido:

    ‘(...) - A iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que – por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo – deve, necessariamente, derivar de norma constitucional explícita e inequívoca. (...).’

    (RTJ 179/77, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

    Vale registrar, ainda, quanto à discussão sobre a necessidade de previsão orçamentária, a seguinte passagem do voto da eminente Ministra CÁRMEN LÚCIA, proferido por ocasião do julgamento plenário da ADI 3.768/DF, de que ela própria foi Relatora:

    ‘A constitucionalidade da garantia não ficará comprometida, em qualquer caso, pois o idoso tem, estampado na Constituição, o direito ao transporte coletivo urbano gratuito. Quem assume o ônus financeiro não é questão que se resolve pela inconstitucionalidade da norma que repete o quanto constitucionalmente garantido.’ (grifei)

    Cumpre ressaltar, por relevante, que esse entendimento foi reafirmado no julgamento proferido no âmbito desta Corte a propósito de questão similar à que ora se examina nesta sede recursal (RE 573.040/SP, Rel. Min. DIAS TOFFOLI)” (STF, RE 702.848-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 29-04-2013, DJe 14-05-2013).

24.              As alegações tendentes à criação de obrigação fiscalizatória e correlatas despesas não prosperam porque a atribuição do dever de fiscalização o cumprimento da norma é conatural a qualquer ato normativo, e isso não tem o efeito de gerar despesa nova. 25.               Como julgado por este colendo Órgão Especial, “o dever de fiscalização de cumprimento das normas é conatural aos atos normativos e não tem efeito de gerar gastos extraordinários” (TJSP, ADI 0006249-50.2012.8.26.0000, Rel. Des. Paulo Dimas Mascaretti, m.v., 12-09-2012).

26.              É que diferentemente do ordenamento constitucional anterior, “não havendo mais a expressa disposição no texto constitucional de que é iniciativa privativa do Presidente da República as leis que disponham sobre matéria financeira, tal reserva não mais subsiste, não sendo cabível interpretação ampliativa na hipótese, conforme entende inclusive nossa Suprema Corte”, como assinala José Maurício Conti ao comentar a inexistência de reserva de iniciativa para leis que criam ou aumentam despesa pública (Iniciativa legislativa em matéria financeira, in Orçamentos Públicos e Direito Financeiro, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, pp. 283-307, coordenação José Maurício Conti e Fernando Facury Scaff).

27.              Opino pela improcedência da ação.

                   São Paulo, 24 de junho de 2013.

 

 

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

wpmj