Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 0090305-79.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Tarabaí

Requerida: Câmara Municipal de Tarabaí

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Financeiro. Processual Civil. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei n. 1.312, de 13 de junho de 2012, do Município de Tarabaí. Infringência do art. 169, CF/88 e da Lei de Responsabilidade Fiscal. Limites com despesa de pessoal. Falta de interesse de agir por ofensa indireta e reflexa à Constituição e exame de questão de fato. Emendas parlamentares a projeto de iniciativa do Chefe do Poder Executivo. Aumento da remuneração de servidores públicos desde que não implique aumento de despesa prevista. Matéria dependente do exame de fato. Extinção do processo sem resolução do mérito. 1. Descabido o controle abstrato de constitucionalidade por violação de norma infraconstitucional interposta (LRF), sem ocorrência de ofensa direta à Constituição. 2. A pesquisa sobre a compatibilidade da lei ao limite de despesas de pessoal caracteriza questão de fato insuscetível de sindicância no contencioso de constitucionalidade. 3. É possível emenda parlamentar a projeto de lei de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, mesmo nas matérias que lhe são reservadas, desde que não haja aumento de despesa prevista (art. 24, § 5º, CE/89), o que não se confunde com aumento de remuneração. 4. Questão igualmente a demandar exame de fato, inadmissível no contencioso de constitucionalidade. 5. A inobservância por determinada lei das mencionadas restrições constitucionais não induz à sua inconstitucionalidade, impedindo apenas a sua execução no exercício financeiro respectivo. 6. Falta de interesse de agir. 7. Extinção do processo sem resolução do mérito. 

 

 

 

Egrégio Tribunal:

 

 

 

1.                 Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade promovida pelo Prefeito do Município de Tarabaí impugnando a Lei n. 1.312, de 13 de julho de 2012, do Município de Tarabaí, que dispõe sobre a reorganização do plano de carreira do magistério, por incompatibilidade com o art. 169 da Constituição Federal e a Lei Complementar n. 101/00 (fls. 02/14).

2.                Após a regularização da petição inicial, foi concedida liminar (fl. 160) censurada por agravo regimental da Câmara Municipal de Tarabaí (fls. 167/170) que restou improvido (fls. 177/180). As informações foram prestadas (fls. 183/185) e a douta Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa da lei impugnada (fls. 368/370).

3.                É o relatório.

4.                O contencioso de constitucionalidade tem por objeto unicamente lei ou ato normativo e seu parâmetro exclusivo é a Constituição Estadual (art. 125, § 2º, Constituição Federal), ainda que ela remeta, reproduza ou imite a Constituição Federal.

5.                Bem por isso não é dado nessa estreita via o exame de atos administrativos ou questões de fato ou o contraste de lei ou ato normativo com preceitos infraconstitucionais, como a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n. 101/00).

6.                Se para apontar a inconstitucionalidade de lei torna-se necessário o exame de norma infraconstitucional, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, o caso é de extinção do processo sem resolução do mérito por falta de interesse de agir.

7.                Com efeito, o art. 169 da Constituição do Estado de São Paulo, reproduzindo o art. 169 da Constituição da República, sujeita a despesa de pessoal na Administração Pública aos limites estabelecidos em lei complementar.

8.                Mas, é indevida no contencioso de constitucionalidade a análise do direito infraconstitucional por caracterizar afronta indireta à Constituição. Neste sentido, já se decidiu:

DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ADI CONTRA LEI PARANAENSE 13.519, DE 8 DE ABRIL DE 2002, QUE ESTABELECE OBRIGATORIEDADE DE INFORMAÇÃO, CONFORME ESPECIFICA, NOS RÓTULOS DE EMBALAGENS DE CAFÉ COMERCIALIZADO NO PARANÁ. ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS ARTS. 22, I e VIII, 170, CAPUT, IV, E PARÁGRAFO ÚNICO, E 174 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR. OFENSA INDIRETA. AÇÃOJULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. I - Não há usurpação de competência da União para legislar sobre direito comercial e comércio interestadual porque o ato normativo impugnado buscou, tão-somente, assegurar a proteção ao consumidor. II - Precedente deste Tribunal (ADI 1.980, Rel. Min. Sydney Sanches) no sentido de que não invade esfera de competência da União, para legislar sobre normas gerais, lei paranaense que assegura ao consumidor o direito de obter informações sobre produtos combustíveis. III - Afronta ao texto constitucional indireta na medida em que se mostra indispensável o exame de conteúdo de outras normas infraconstitucionais, no caso, o Código do Consumidor. IV - Inocorre delegação de poder de fiscalização a particulares quando se verifica que a norma impugnada estabelece que os selos de qualidade serão emitidos por entidades vinculadas à Administração Pública estadual. V - Ação julgada parcialmente procedente apenas no ponto em que a lei impugnada estende os seus efeitos a outras unidades da Federação” (RTJ 205/1107).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 6.004, DE 14/04/98, DO ESTADO DE ALAGOAS. ALEGADA VIOLAÇÃO AOS ARTS. 150, § 6º; E 155, § 2º, XII, G, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AUSÊNCIA DE CONFLITO DIRETO COM O TEXTO CONSTITUCIONAL. Não cabe controle abstrato de constitucionalidade por violação de norma infraconstitucional interposta, sem ocorrência de ofensa direta à Constituição Federal. Hipótese caracterizada nos autos, em que, para aferir a validade da lei alagoana sob enfoque frente aos dispositivos da Constituição Federal, seria necessário o exame do conteúdo da Lei Complementar nº 24/75 e do Convênio 134/97, inexistindo, no caso, conflito direto com o texto constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida” (STF, ADI 2.122-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, 04-05-2000, m.v., DJ 16-06-2000, p. 31).

9.                Carece interesse de agir, ainda, a ação na medida em que a pesquisa acerca da compatibilidade da lei local com o art. 169 da Constituição Federal demanda a exploração de questão de fato dependente de prova, o que é inadmissível nesta específica via.

10.              A ação direta de inconstitucionalidade não se presta ao exame de questões que dependam da verificação ou comprovação de matéria de fato, uma vez que é cingida à análise da incompatibilidade direta e frontal entre a lei ou ato normativo e dispositivo constitucional.

11.              Neste sentido, e inclusive tendo em vista o art. 169 da Constituição Federal, já se decidiu:

“I. Despesas de pessoal: limite de fixação delegada pela Constituição à lei complementar (CF, art. 169), o que reduz sua eventual superação à questão de ilegalidade e só mediata ou reflexamente de inconstitucionalidade, a cuja verificação não se presta a ação direta; existência, ademais, no ponto, de controvérsia de fato para cujo deslinde igualmente é inadequada a via do controle abstrato de constitucionalidade. II. Despesas de pessoal: aumento subordinado à existência de dotação orçamentária suficiente e de autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias (CF, art. 169, parág. único, I e II): além de a sua verificação em concreto depender da solução de controvérsia de fato sobre a suficiência da dotação orçamentária e da interpretação da LDO, inclina-se a jurisprudência no STF no sentido de que a inobservância por determinada lei das mencionadas restrições constitucionais não induz à sua inconstitucionalidade, impedindo apenas a sua execução no exercício financeiro respectivo: precedentes” (STF, ADI 1.585-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 19-12-1997, v.u., DJ 03-04-1998, p. 01).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 10.168/96, DO ESTADO DE SANTA CATARINA E RESOLUÇÃO Nº 76, DO SENADO FEDERAL. EMISSÃO DE TÍTULOS DE DÍVIDA PÚBLICA PARA PAGAMENTO DE PRECATÓRIOS. LETRAS FINANCEIRAS DO TESOURO EM VALOR SUPERIOR AOS PRECATÓRIOS PENDENTES DE PAGAMENTO À ÉPOCA DA PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: PRETENSÃO DE REEMBOLSO DOS VALORES JÁ EXPENDIDOS. AFRONTA AO ART. 33 DO ADCT-CF/88. MATÉRIA DE FATO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. AÇÃO DIRETA NÃO CONHECIDA. 1. Há impossibilidade de controle abstrato da constitucionalidade de lei, quando, para o deslinde da questão, se mostra indispensável o exame do conteúdo de outras normas jurídicas infraconstitucionais de lei ou matéria de fato. Precedentes. 2. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Violação ao art. 33 do ADCT/CF-1988 e ao art. 5º da EC nº 3/93. Alegação fundada em elementos que reclamam dilação probatória. Inadequação da via eleita para exame da matéria fática. 3. Ato de efeito concreto, despido de normatividade, é insuscetível de ser apreciado pelo controle concentrado. Ação direta não conhecida” (STF, ADI 1.527-SC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, 05-11-1997, v.u., DJ 18-05-2000, p. 430).

12.              Ademais, é insubsistente a alegação posto que a ausência de lastro financeiro-orçamentário apenas compromete a eficácia da lei no exercício financeiro de sua vigência.

13.              Com efeito, “inclina-se a jurisprudência no STF no sentido de que a inobservância por determinada lei das mencionadas restrições constitucionais não induz à sua inconstitucionalidade, impedindo apenas a sua execução no exercício financeiro respectivo” (STF, ADI 1.585-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 19-12-1997, v.u., DJ 03-04-1998, p. 01).

14.              Não abala esta convicção a alegação genérica contida na petição inicial, consistente na aprovação de emendas pelo Poder Legislativo que provocou aumento de remuneração de servidores públicos (fl. 09) e do gasto com pessoal (fl. 03), citando como exemplos os arts. 26, 46, 60 e 61 da lei contestada (fl. 10).

15.              O projeto de lei foi de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, como expõe a petição inicial (fl. 03), o que se amolda ao art. 24, § 2º, 1 e 4, da Constituição Estadual, que reproduz o art. 61, § 1º, II, a e c, da Constituição Federal.

16.              Porém, emendas parlamentares são possíveis desde que guardem pertinência temática nem impliquem aumento de despesa prevista, como posto no art. 24, § 5º, da Constituição Estadual, reproduzindo o art. 63, I, da Constituição Federal.

17.              A petição inicial menciona aumento da remuneração de servidores públicos, o que é admissível em lei cujo projeto é de iniciativa do Chefe do Poder Executivo e decorreu de emenda parlamentar, desde que não haja aumento da despesa prevista.

18.              Em outras palavras, o poder de emenda parlamentar não encontra obstáculo no aumento da remuneração de servidores públicos, mas, tão somente em aumento da despesa prevista, não sendo este obrigatoriamente consequência daquele, uma vez que o Poder Legislativo pode ter adotado a extinção de vantagens pecuniárias ou a redução da quantidade de cargos públicos para acomodação da majoração remuneratória.

19.              A questão, ademais, empenha novamente exame de fato em razão dos termos absolutamente imprecisos da petição inicial.

20.              Opino pela extinção do processo sem resolução do mérito em face da falta de interesse processual.

                   São Paulo, 01 de novembro de 2013.

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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