Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 0092805-55.2012.8.26.0000

Requerente: Associação Paulista de Supermercados (APAS)

Requeridos: Prefeito e Presidente da Câmara Municipal de Itararé

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade.  Lei Municipal nº 3.424, de 18 de abril de 2012, de Itararé, que, nos termos da respectiva rubrica: “Torna obrigatório o fornecimento gratuito de embalagem ao consumidor, para acondicionamento de produtos comprados em supermercados, hipermercados e demais estabelecimentos comerciais no Município de Itararé e dá outras providências”.

2)      Defesa do consumidor e do meio ambiente como princípios constitucionais da atividade econômica (art. 170, V e VI, da CR). Legislação municipal editada para atender ao interesse local, suplementando a legislação da União e do Estado relativa à proteção do meio ambiente e ao consumidor (art. 30, I e II, da CR). Competência concorrente da União e dos Estados para legislar sobre proteção ao meio ambiente e controle da poluição (art. 24, VI, da CR). Competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, para cuidar da saúde, proteger o meio ambiente e combater a poluição (art. 23, II, VI e VII, da CR). Incumbência do Poder Público, em todas as suas esferas, de controlar a produção, comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente (art. 225, § 1º, V, da CR/88).

3)   Inexistência de inconstitucionalidade.

 

Colendo Órgão Especial,

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator:

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Associação Paulista de Supermercados (APAS), tendo como alvo a Lei Municipal nº 3.424, de 18 de abril de 2012, de Itararé, que, conforme respectiva rubrica “Torna obrigatório o fornecimento gratuito de embalagens ao consumidor, para acondicionamento de produtos comprados em supermercados, hipermercados e demais estabelecimentos comerciais no Município de Itararé e dá outras providências”.

Sustenta que foi usurpada a competência do legislador federal e do legislador estadual para a regulamentação de matéria relativa ao consumo e defesa do meio ambiente, advindo daí a inconstitucionalidade da lei impugnada. Argumenta, ainda, violação do princípio da isonomia, pois os estabelecimentos situados no Município ficariam em situação de desvantagem concorrencial frente aos setores de varejo. Aponta, assim, contrariedade aos seguintes dispositivos da Constituição do Estado de São Paulo: arts. 5º, 25, 47, II e XI, 111, 144, 152, IV e 193, XX e XXI.

A liminar foi concedida suspendendo-se a eficácia da lei impugnada (fl. 129).

Citado regularmente (fl. 146), o Procurador Geral do Estado manifestou-se pela improcedência da ação (fls. 148/151).

O Instituto Nacional de Defesa do Consumidor (IDECON) interveio na condição de amicus curiae, sustentando a constitucionalidade da lei, sob o argumento de que o Município possui competência para editar legislação própria, com fundamento na autonomia constitucional que lhe é inerente (art. 30, I, da Constituição Federal), com o objetivo de regular as relações entre fornecedores e consumidores, em favor dos consumidores dos serviços de forma a proporcionar-lhes mais segurança e bem estar (fls. 154/168).

O Município de Itararé deixou de prestar informações (fl. 192).

É a síntese do ocorrido nos autos.

Não procede o pedido de decretação da inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 3.424, de 18 de abril de 2012, de Itararé.

O argumento utilizado na inicial, em sua essência, é no sentido de que o Município não teria competência para legislar a respeito do tema, tendo usurpado a competência federal e estadual para legislar sobre normas relativas ao consumo e defesa do meio ambiente.

É por essa razão que a autora aponta ocorrência de contrariedade ao disposto no art. 152 e no art. 193, XX e XXI, da Constituição do Estado de São Paulo.

Entretanto, com a devida vênia, não há contrariedade com relação a tais dispositivos.

A obrigação imposta pela lei, embora possa contribuir para a redução do uso de sacolas plásticas, não se trata de medida que visa a sua eliminação, mas atender a necessidade do consumidor em ter a sua disposição meios adequados, seguros e apropriados para o transporte de suas mercadorias

Assim, a questão que se apresenta é um pouco diversa daquelas já submetidas à análise deste Colendo Órgão Especial, estando mais relacionada à matéria consumerista do que à ambiental.

A lei, ao estabelecer aos supermercados, hipermercados e estabelecimentos congêneres no Município de Itacaré-SP obrigação de do fornecimento gratuito de embalagens ao consumidor, para acondicionamento de produtos comprados em supermercados, hipermercados e demais estabelecimentos comerciais, a rigor diz respeito à qualidade do atendimento ao consumidor daqueles estabelecimentos, e ao poder de polícia do Município, exercido dentro do escopo de aprimorar as condições de prestação de serviços aos munícipes.

Esse aprimoramento das condições de atendimento daqueles estabelecimentos revela interesse local. Pode, portanto, ser objeto de lei municipal.

O art. 152, IV, da Constituição Paulista apenas estabelece, genericamente, que a finalidade da organização regional do Estado é promover a integração do planejamento e da execução de funções públicas de interesse comum aos entes públicos atuantes na região.

De outro lado, o art. 193 da Carta Paulista, ao tratar, de forma programática, sobre a possibilidade da edição de lei estadual para criação de um sistema de administração da qualidade ambiental, proteção, controle de desenvolvimento do meio ambiente e uso adequado dos recursos naturais, prevê, nos incisos I, II, IV, XV, XX e XXI XX e XXI, respectivamente, a finalidade de, propor uma política estadual de proteção ao meio ambiente; adotar medidas, nas diferentes áreas de ação pública e junto ao setor privado; realizar periodicamente auditorias nos sistemas de controle de poluição e de atividades potencialmente poluidoras; promover a educação ambiental e a conscientização pública para a preservação, conservação e recuperação do meio ambiente; controlar e fiscalizar obras, atividades, processos produtivos e empreendimentos que possam causar degradação ambiental, bem ainda realizar o planejamento e o zoneamento ambientais.

Ou seja, trata-se de dispositivos constitucionais que, se por um lado, estimulam a atuação do Estado de São Paulo na proteção do meio ambiente, de outro não vedam que o Município também o faça e nem dizem respeito a atuação na área de proteção ao consumidor.

Não há dúvida em relação à competência administrativa e legislativa do para a promoção da defesa do meio ambiente, zelar pela saúde dos munícipes, bem como protegê-los em suas relações de consumo.

O art. 23, II, VI, VII, da Constituição Federal atribui competência comum à União, aos Estados, ao Distrito Federal, e aos Municípios para, respectivamente: (a) cuidar da saúde; (b) proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; (c) preservar as florestas, a fauna e a flora.

Do mesmo modo, a competência dos Municípios, em temas relacionados ao meio ambiente e também ao consumidor, pode ser extraída da previsão contida no art. 30, I e II, da Constituição Federal, por força dos quais o legislador municipal pode regular temas de interesse local, e ainda suplementar a legislação federal no que couber.

Nesse mesmo sentido, o art. 225, § 1º, da Constituição Federal impõe ao Poder Público de forma geral – ou seja, à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios – inúmeras diretrizes, todas destinadas à preservação do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Entre elas está, especialmente, nos termos do inciso V, a de controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.

A importância da proteção ao meio ambiente, como é cediço, é tão intensa, que até mesmo no âmbito da atividade econômica a Constituição da República impõe como princípios gerais a serem obsequiados, a “defesa do consumidor”, bem como a “defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação” (art. 170, V e VI, da CR/88).

Essa ideia foi assentada pelo Col. Supremo Tribunal Federal, em decisão relatada pelo Min. Celso de Mello, quando do julgamento da ADI 3540 MC/DF (j. 01/09/2005, Tribunal Pleno, DJ 03-02-2006), de cuja ementa se extrai o seguinte excerto:

“(...)

A ATIVIDADE ECONÔMICA NÃO PODE SER EXERCIDA EM DESARMONIA COM OS PRINCÍPIOS DESTINADOS A TORNAR EFETIVA A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. - A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a ‘defesa do meio ambiente’ (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural. A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL (CF, ART. 3º, II) E A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225): O PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO FATOR DE OBTENÇÃO DO JUSTO EQUILÍBRIO ENTRE AS EXIGÊNCIAS DA ECONOMIA E AS DA ECOLOGIA. - O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações.

(...)“

Acrescente-se que a competência do Município para legislar sobre o meio ambiente já foi reconhecida por esse Col. Órgão Especial, como se infere dos precedentes indicados a seguir:

“(...)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei n. 4.253, de 06.03.2008, do Município de Valinhos – ‘Instituição de compensação às emissões de Gases de Efeitos Estufa (GEE) e o manejo adequado dos resíduos gerados por empresas que vierem a se instalar no Município’ - Atendimento a peculiar interesse do Município no controle, preservação e recuperação do meio-ambiente - Permissibilidade do art. 191 da Constituição do Estado de São Paulo - Descabimento de se cogitar infringência à norma da Constituição Federal ou Lei Orgânica do Município na esfera da presente ação direta de inconstitucionalidade improcedente. (ADIN 164.487-0/9-00, rel. des. Oscarlino Moeller, j. 04.02.2009).

(...)”

Entendimento diverso significaria contrariedade aos dispositivos constitucionais mencionados acima (art. 5º, XXXII, art. 30, I, art. 48, XIII, art. 170, V, e art. 192 red. EC nº 40/03, CF).

Não se pode ainda cogitar de qualquer violação a reserva de competência Federal e Estadual para legislar sobre matéria relativa a consumo, haja vista que nesta área não se pode negar a competência concorrente do Município, pois a questão está diretamente relacionada à proteção do consumidor, cuja dimensão difusa, impõe para sua garantia atuação de todos os entes do Estado, nos termos do inciso XXXII do art. 5º da Constituição Federal.

A lei a que alude o inciso XXXII do art. 5º da Constituição Federal não se trata apenas daquela que define responsabilidade por dano ao consumidor (cuja iniciativa legislativa compete concorrentemente à União, aos Estados e ao Distrito Federal), mas de outras que garantam a proteção do consumidor.

 A obrigatoriedade imposta pela lei impugnada é direcionada a hipermercados, supermercados e estabelecimentos congêneres no Município de Itararé, não estando em situação de similitude eventuais estabelecimentos do mesmo ramo localizados em municípios próximos.

Trata-se de obrigação imposta de forma geral e com critério de razoabilidade e diversidade de situação, e, visa a proporcionar aos munícipes consumidores meios adequados e seguros para o transporte das mercadorias adquiridas.

          Por fim, inadmissível suscitar ofensa ao art. 25 da Constituição Estadual.

        

          A lei não cria encargos financeiros novos para sua execução pelo Poder Executivo, senão aos particulares.

        

           Ademais, a discussão sobre a geração de despesa pública, sedimentada no argumento de ações estatais para fiscalização e execução da lei, extravasa o âmbito estreito do contencioso abstrato, concentrado e direto de constitucionalidade pela introdução de matéria de fato e dependente de prova.

        

           Se é impossível cogitar que do exercício de sua execução e fiscalização derivem despesas novas sem cobertura financeiro-orçamentária (relacionadas à hipotética criação de cargos públicos), pois, a atividade comercial já é precedentemente absorvida pela polícia administrativa preexistente, não é viável concluir que do citado art. 25 – que não reproduz o art. 63, I, da Constituição Federal – soa que toda e qualquer lei que gere despesa só possa advir de projeto de autoria do Executivo. O Supremo Tribunal Federal tem estimado que:

 

“não procede a alegação de que qualquer projeto de lei que crie despesa só poderá ser proposto pelo Chefe do Executivo. As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no artigo 61 da Constituição do Brasil --- matérias relativas ao funcionamento da Administração Pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo” (RT 866/112).

Diante de todo o exposto, nosso parecer é no sentido da improcedência desta ação direta, reconhecendo-se a constitucionalidade da Lei Municipal nº 3.424, de 18 de abril de 2012, de Itararé.

 

São Paulo, 18 de março de 2013.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

vlcb