Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Processo nº 0100381-65.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Bertioga

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Bertioga

 

 

Ementa:

1.      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 148, de 03 de outubro de 1995, que “Regula os valores das tarifas dos transportes públicos municipais”.

2.      É de competência privativa do Poder Executivo a fixação de regras relativas à forma de cobranças de tarifas de serviço público. Violação ao princípio da separação dos poderes (arts. 5º, 47, II e XIV, 117, 119, 144 e 159, da Constituição Estadual).

3.      Procedência da ação

 

 

 

 

Colendo Órgão Especial,

 

Senhor Desembargador Relator:

 

Tratam estes autos de ação direta de inconstitucionalidade, tendo como alvo a Lei nº 148, de 03 de outubro de 1995, que “Regula os valores das tarifas dos transportes públicos municipais”.

 Sustenta o requerente que a lei é inconstitucional por usurpação da competência do chefe do Poder Executivo, uma vez que regulamentou matéria relativa a serviços públicos e fixação de tarifas e preços públicos, cuja iniciativa é privativa do Chefe do Executivo. Daí, a afirmação de ofensa ao disposto nos arts. 5º, 47, II e XIV, e 144, da Constituição Estadual. Não foi formulado pedido de liminar.

Citado regularmente (fl. 37), o Procurador-Geral do Estado declinou de realizar a defesa do ato normativo impugnado, afirmando tratar de matéria de interesse exclusivamente local (fls. 39/41).

Notificada, a Câmara Municipal prestou informações (fls. 43/49).

Nestas condições vieram os autos para manifestação desta Procuradoria-Geral de Justiça.

Procede o pedido.

A Lei nº 148, de 03 de outubro de 1995, que “Regula os valores das tarifas dos transportes públicos municipais, de iniciativa parlamentar, promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal, tem a seguinte redação:

“Art. 1º. Dependerá de referência da maioria simples do Legislativo Municipal toda e qualquer alteração nos preços das tarifas de transporte coletivo no Município.

Art. 2º. Após ser alterado pelo Prefeito Municipal, a tarifa pretendida e as razões de alteração serão encaminhadas ao Legislativo que as analisará na primeira sessão possível.

Art. 3º. O Legislativo encaminhará Ofício em 24 (vinte e quatro) horas ao Executivo Municipal informando da confirmação ou não da tarifa de transporte coletivo”.

Verifica-se que a lei municipal impugnada disciplinou a forma de cobrança da tarifa de transporte público municipal, estabelecendo, ainda, que dependerá de referendo da maioria simples do Poder Legislativo Municipal toda e qualquer alteração nos preços das tarifas de transporte coletivo no município.

A matéria disciplinada pela lei encontra-se no âmbito de competência do Poder Executivo.

Assim, o ato normativo impugnado, de iniciativa parlamentar, é verticalmente incompatível com nosso ordenamento constitucional por conter vício de iniciativa e por violar o princípio da separação de poderes, previsto nos arts. 5º, 47, II e XIV, da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da Carta Paulista, os quais dispõem o seguinte:

“Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Art. 47 – Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:

II – exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;

XIV – praticar os demais atos de administração, nos limites da competência do Executivo;

Art. 144 – Os Municípios, com autonomia, política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”

Importante ressaltar que acerca dos serviços públicos dispõe a Constituição Estadual que:

“Artigo 119 - Os serviços concedidos ou permitidos ficarão sempre sujeitos à regulamentação e fiscalização do Poder Público e poderão ser retomados quando não atendam satisfatoriamente aos seus fins ou às condições do contrato.

Parágrafo único - Os serviços de que trata este artigo não serão subsidiados pelo Poder Público, em qualquer medida, quando prestados por particulares.

Cabe privativamente ao Poder Executivo a regulamentação, quer dos serviços públicos, quer do regime tarifário estabelecido para sua contraprestação.

Trata-se de reserva de ato da Administração à luz do art. 47, II e XIV, da Constituição do Estado, corroborado pelo art. 119 da Carta Paulista, todos aplicáveis aos municípios por obra do art. 144 da Constituição Estadual.

O Poder Executivo não deve sofrer indevida interferência em sua primacial função de administrar (planejamento, direção, organização e execução das atividades da Administração).

Assim, quando o Poder Legislativo edita norma vinculando a alteração nos preços das tarifas à referendo do Legislativo Municipal, invade, indevidamente, esfera que é própria da atividade do Administrador Público, violando o princípio da separação de poderes.

É pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público.

Se a Constituição Estadual reserva a fixação da tarifa ao Órgão Executivo competente, na forma que a lei estabelecer, não é dado ao Poder Legislativo se imiscuir nessa seara para confirmar ou não a tarifa do transporte coletivo.

A inconstitucionalidade transparece exatamente pelo divórcio da iniciativa parlamentar da lei local com esses preceitos da Constituição Estadual.

A propósito do tema vale conferir algumas decisões desse Colendo Órgão Especial:

“Ação Direta de Inconstitucionalidade – Lei Complementar n. 534/10 - Município de Catanduva - Limitação da tarifa de água e esgoto – Origem parlamentar - Iniciativa reservada ou exclusiva do Chefe do Poder Executivo - Violação à Constituição Estadual, arts. 5º, 47, II, 120 e 144 - Inconstitucionalidade formal - Ação Direta de Inconstitucionalidade – Lei impugnada - Implicação negativa na arrecadação - Renúncia à receita - Gastos não previstos - Ausência de previsão de fontes - Violação ao art. 25 da Constituição Estadual - Inconstitucionalidade Material – Pedido Procedente (ADIn n. 0297508-16.2010.8.26.0000, Rel. Des. Roberto Bedaque, j. 02 de março de 2011)

Ação direta de inconstitucionalidade. Lei municipal alterando a forma de remuneração do serviço de água e esgoto concedido. Iniciativa legislativa de vereador. Inadmissibilidade. Violação do princípio da independência e harmonia dos Poderes Públicos. Iniciativa exclusiva do chefe do Poder Executivo. Violação dos arts. 5°, 47, inc. I I e XIV, 117, 119 e 120, c.c. art. 144, da Constituição do Estado de São Paulo. Procedência decretada. (ADIn n. 0091132-95.2010.8.26.0000 , Rel. Des. Boris Kauffmann, j. 13 de outubro de 2010)

Inconstitucionalidade. Ação Direta. Lei nº 11.492/07 do Município de Ribeirão Preto, que dispõe sobre o valor máximo para tarifação referente a corte e religação do fornecimento de água no Município, pelo DAERP, conforme especifica e dá outras providências. Norma de iniciativa parlamentar. Matéria relativa à organização administrativa e execução de serviços públicos, atribuição exclusiva do Prefeito. Ofensa ao princípio da separação de poderes. Ação julgada procedente. (ADIn n. 9046800-55.2008.8.26.0000, Rel. Des. Penteado Navarro, j. 01 de abril de 2009)

“Ação direta de inconstitucionalidade - Lei do Município de Andradina, de iniciativa parlamentar, que concedeu isenção de tarifa de água e esgoto a aposentados - Violação à separação de Poderes - Matéria referente à tarifa e preço público pela remuneração dos serviços que é de competência do Executivo (art. 120, da CE) - Vício de iniciativa caracterizado - Ação procedente, para reconhecer a inconstitucionalidade da Lei 2.733, de 19 de setembro de 2011, do Município de Andradina.” (TJSP, ADI 0256692-55.2011.8.26.0000, Rel. Des. Enio Zuliani, v.u., 23-05-2012).

Está, portanto, evidente que não compete ao Poder Legislativo confirmar ou não a tarifa do transporte coletivo, ou mesmo referendá-lo.

A propósito, oportuno ressaltar que nos termos do parágrafo único do art. 159 da Constituição Estadual: “Os preços públicos serão fixados pelo Executivo, observadas as normas gerais de Direito Financeiro e as leis atinentes à espécie”.

Diante do exposto, aguarda-se seja o pedido julgado procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 148, de 03 de outubro de 1995, que “Regula os valores das tarifas dos transportes públicos municipais”.  

São Paulo, 15 de agosto de 2013.

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

 

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