Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Processo nº 0103683-05.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de São Roque

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de São Roque

 

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Resolução nº 16-L, de 26 de novembro de 2012, da Câmara Municipal de São Roque. Modificação de quórum de aprovação para determinadas matérias legislativas (criação de cargos administrativos, estruturação de órgãos administrativos, e matéria orçamentária).

2)      Processo legislativo. Princípio da simetria. Necessidade de que Estados e Municípios, ao organizarem os respectivos processos legislativos, sigam o modelo estabelecido na Constituição Federal. Precedentes do STF.

3)      Princípio da simetria. Princípio estabelecido, aplicável aos Municípios por força do art. 144 da Constituição Paulista. Contrariedade ao referido artigo, combinado com artigo 22, § 2º, e o artigo 23 da mesma Carta.

4)      Parecer no sentido da declaração da inconstitucionalidade do ato normativo.

 

 

 

Colendo Órgão Especial

Senhor Desembargador Relator

 

Tratam estes autos de ação direta de inconstitucionalidade, tendo como alvo a Resolução nº 16-L, de 26 de novembro de 2012, da Câmara Municipal de São Roque, que dispôs sobre a modificação do quórum de aprovação para determinadas matérias legislativas (criação de cargos administrativos, estruturação de órgãos administrativos, e matéria orçamentária).

Sustenta o requente que: (a) o ato normativo impugnado contraria disposições contidas na Lei Orgânica do Município; (b) há contrariedade ao art. 23 e 175, § 4º da Constituição do Estado; (c) há contrariedade ao art. 69 da Constituição Federal; (d) foi desrespeitado o princípio da simetria, por força do qual o processo legislativo no Município deve seguir o modelo estabelecido na CF; (e) foi desrespeitado o princípio da separação de poderes.

Foi deferida a liminar, determinando-se a suspensão do ato normativo impugnado (fls. 46/47).

Citado, o Senhor Procurador Geral do Estado declinou de oferecer defesa relativamente ao ato normativo (fls. 56, 58/60).

A Presidência da Câmara Municipal, notificada, deixou de apresentar informações (fls. 53/61).

É o relato do essencial.

PRELIMINAR: IMPOSSIBILIDADE DE EXAME DA ALEGAÇÃO DE CONTRARIEDADE EM RELAÇÃO À LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL

Averbe-se, inicialmente, que não é possível, nesta ação, examinar a alegação de que a Resolução nº 14-L da Câmara Municipal de São Roque contraria a Lei Orgânica do referido Município.

É que a cognição do tribunal, no julgamento da ação direta de inconstitucionalidade, está limitada à verificação da ofensa direta à Constituição do Estado, ficando excluída a possibilidade de análise de inconstitucionalidades indiretas ou reflexas, ou mesmo de questões de fato.

Nesse sentido, confira-se o entendimento assente do STF nos seguintes precedentes, indicados exemplificativamente: ADI 2.551-MC-QO, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 2-4-2003, Plenário, DJ de 20-4-2006; RE 597.165, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 4-4-2011, DJE de 12-4-2011.

A análise a ser aqui realizada, portanto, deve ficar limitada ao exame da existência de incompatibilidade entre a norma impugnada e a Constituição do Estado de São Paulo.

MÉRITO

A Resolução nº 16-L, de 26 de novembro de 2012, da Câmara Municipal de São Roque, que dispôs sobre a modificação do quórum de aprovação para determinadas matérias legislativas, modificou o Regimento Interno da Câmara Municipal de São Roque, passando a exigir quórum qualificado de 2/3 (dois terços) para aprovação de propostas de projetos de lei a respeito dos seguintes temas: (a) criação de cargos, funções e empregos da administração direta, autárquica e fundacional, bem como sua remuneração; (b) lei de diretrizes orçamentárias, plano plurianual e lei orçamentária anual; (c) criação, estruturação e atribuições dos órgãos de assessoria, de descentralização administrativa, de deliberação coletiva e de execução da administração pública; (d) Regimento Interno da Câmara Municipal.

Pois bem.

Não há, na hipótese, violação ao princípio da separação de poderes, mas a norma é inconstitucional pelos motivos que serão expostos a seguir.

Deve-se tomar como premissa que relativamente ao processo legislativo impera, em nosso ordenamento constitucional, o denominado princípio da simetria, por força do qual os Estados e os Municípios, embora autônomos, devem organizar seus respectivos processos legislativos seguindo os parâmetros estipulados no modelo previsto na Constituição Federal.

Confira-se o entendimento do STF, em julgados que são aplicáveis, mutatis mutandis, ao caso em exame:

“(...)

“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 6.065, de 30-12-1999, do Estado do Espírito Santo, que dá nova redação à Lei 4.861, de 31-12-1993. Art. 4º e tabela X que alteram os valores dos vencimentos de cargos do quadro permanente do pessoal da polícia civil. Inadmissibilidade. Inconstitucionalidade formal reconhecida. Ofensa ao art. 61, § 1º, II, a e c, da CF. Observância do princípio da simetria. ADI julgada procedente. É da iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo lei de criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração, bem como que disponha sobre regime jurídico e provimento de cargos dos servidores públicos. Afronta, na espécie, ao disposto no art. 61, § 1º, II, a e c, da Constituição de 1988, o qual se aplica aos Estados-membros, em razão do princípio da simetria.” (ADI 2.192, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 4-6-2008, Plenário, DJE de 20-6-2008.)

(...)

"Lei estadual que dispõe sobre a situação funcional de servidores públicos: iniciativa do chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, a e c, CR/1988). Princípio da simetria." (ADI 2.029, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 4-6-2007, Plenário, DJ de 24-8-2007.) No mesmo sentido: ADI 3.791, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 16-6-2010, Plenário, DJE de 27-8-2010; ADI 2.801, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 4-3-2009, Plenário, DJE de 5-6-2009; ADI 4.009, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 4-2-2009, Plenário, DJE de 29-5-2009.

(...)

“Incorre em vício de inconstitucionalidade formal (CF, arts. 61, § 1º, II, a e c e 63, I) a norma jurídica decorrente de emenda parlamentar em projeto de lei de iniciativa reservada ao chefe do Poder Executivo, de que resulte aumento de despesa. Parâmetro de observância cogente pelos Estados da Federação, à luz do princípio da simetria.” (ADI 2.079, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 29-4-2004, Plenário, DJ de 18-6-2004.) No mesmo sentido: ADI 2.113, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 4-3-2009, Plenário, DJE de 21-8-2009.

(...)”

Partindo dessa premissa, tenha-se como presente que, em regra, o quórum de aprovação de projetos de lei é de maioria simples. Apenas excepcionalmente o ordenamento constitucional fixa quórum qualificado, de maioria absoluta, para as leis complementares, ou mesmo outro patamar ainda mais qualificado como, por exemplo, o quórum de três quintos em dois turnos de votação para aprovação de emendas à Constituição.

A esse propósito, confiram-se os artigos 47, 60, § 2º, e 69 da CF, bem como os artigos 22, § 2º, e o artigo 23 da Constituição do Estado de São Paulo.

O princípio da simetria em matéria de processo legislativo é um princípio constitucional estabelecido, aplicável aos Municípios por força do art. 144 da Constituição do Estado de São Paulo.

O ato normativo impugnado, no caso em exame, passou a exigir quórum qualificado de 2/3 (dois terços) relativamente à aprovação de matérias para as quais nem a Constituição Federal, tampouco a Constituição Paulista, exigem tal votação.

Em outras palavras, em nenhuma das matérias indicadas na Resolução nº 16-L, da Câmara Municipal de São Roque, a Constituição Federal ou a Estadual exigem quórum de dois terços do Poder Legislativo para aprovação.

Isso significa que o modelo adotado pelo legislador municipal contraria o princípio da simetria, ao estabelecer parâmetros diversos daqueles fixados na Constituição Federal ou Estadual.

Daí ser imperioso o reconhecimento da inconstitucionalidade, por contrariedade ao disposto no art. 144 da Constituição do Estado, combinado com o artigo 22, § 2º, e o artigo 23 da mesma Carta.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da procedência da ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Resolução nº 16-L, de 26 de novembro de 2012, da Câmara Municipal de São Roque.

 

São Paulo, 17 de setembro de 2013.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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