Parecer em Ação Direta de
Inconstitucionalidade
Processo nº
0107294-63.2013.8.26.0000
Requerente: Prefeito
do Município de Presidente Prudente
Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Presidente Prudente
Ementa: 1) Ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal de Presidente Prudente, em face da Lei nº 7.988, de 07 de janeiro de 2013, de iniciativa parlamentar, que “dispõe sobre a colocação de banheiros químicos adaptados para pessoas portadoras de necessidades especiais nos eventos realizados no Município”. 2) Inexistência de violação de iniciativa reservada do Chefe do Executivo, ou mesmo do princípio da separação de poderes. Interpretação estrita da regra de reserva de iniciativa legislativa do Poder Executivo. Precedentes do STF. 3) Norma que não gera, direta e imediatamente, nenhum encargo para a Administração Pública, como nos casos de criação de cargos, aumento de despesas, alteração de regime jurídico de servidores, ou mesmo modificação de rotina de serviços. 4) Tema contido no âmbito do interesse local (art. 30, I da CR/88), por consistir na disciplina do poder de polícia municipal. Lei que se reputa constitucional. Parecer pela improcedência da ação direta.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Prefeito do
Município de Presidente Prudente, tendo como alvo a Lei nº 7.988, de 07
de janeiro de 2013, daquele
município, que “dispõe sobre a colocação de banheiros químicos adaptados
para pessoas portadoras de necessidades especiais nos eventos realizados no
Município”.
A
alegação de inconstitucionalidade é fundada no princípio da separação de
poderes, pois a lei acabaria por impor obrigações ao próprio Poder Público.
Aponta,
assim, para a contrariedade ao disposto nos arts. 5º e 111 da Constituição
Paulista.
O
pedido de suspensão liminar da vigência do ato normativo foi deferido (fls. 12/14).
O
Presidente da Câmara Municipal prestou informações em defesa na norma impugnada
(fls. 22/28).
O
Procurador Geral do Estado declinou da defesa da lei impugnada, assinalando que
a matéria tem repercussão exclusivamente local (fls. 34/36).
É
a síntese do necessário.
A
lei em análise determina que “nos eventos realizados no Município de Presidente
Prudente em que haja colocação de banheiros químicos, deverá ser garantida a
instalação de banheiros adaptados para pessoas portadoras de necessidades
especiais” (art. 1º).
De ver-se, inicialmente, que a lei não tratou de nenhuma matéria cuja iniciativa legislativa seja reservada ao Chefe do Poder Executivo, e tampouco houve violação ao princípio da separação de poderes por invasão da esfera da gestão administrativa.
A matéria sujeita à iniciativa reservada do chefe do Poder Executivo, por ser direito estrito, deve ser interpretada restritivamente. Nesse sentido é o entendimento pacífico do Colendo STF, ao interpretar o art. 61, § 1º, da CR/88, como se infere dos precedentes a seguir:
“As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no art. 61 da Constituição do Brasil – matérias relativas ao funcionamento da administração pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo. Precedentes.”(ADI 3.394, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 2-4-2007, Plenário, DJE de 15-8-2008).
“(...) iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que, por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo, deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca.” (...) (ADI 724-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 7-5-1992, Plenário, DJ de 27-4-2001).
No mesmo sentido, os seguintes julgados: ADI 3.205, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 19-10-2006, Plenário, DJ de 17-11-2006; RE 328.896, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 9-10-2009, DJE de 5-11-2009; ADI 2.392-MC, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 28-3-2001, Plenário, DJ de 1º-8-2003; ADI 2.474, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 19-3-2003, Plenário, DJ de 25-4-2003; ADI 2.638, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 15-2-2006, Plenário, DJ de 9-6-2006.
As matérias em que há iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo, em conformidade com a Constituição do Estado de São Paulo, são indicadas taxativamente: (a) criação e extinção de cargos e funções na administração direta ou indireta autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração; (b) criação de órgãos públicos; (c) organização da Procuradoria-Geral do Estado e da Defensoria Pública; (d) servidores públicos e seu regime jurídico; (e) regime jurídico dos servidores militares; (e) criação, alteração e supressão de cartórios.
Isso decorre do art. 24, § 2º, ns. 1, 2, 3, 4, 5, 6 da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da própria Carta Estadual (configurando reprodução das diretrizes contidas no art. 61, § 1º da CR/88).
E uma simples leitura da lei impugnada permite ver
claramente que ela não trata de nenhum
desses assuntos.
Não há, no caso, qualquer vestígio, nem mesmo tênue, de desrespeito ao princípio da separação de poderes, estabelecido no art. 5º da Constituição do Estado (que reproduz o art. 2º da CR/88).
Seria possível afirmar a ocorrência de quebra da separação de poderes, caso a lei interferisse diretamente na gestão administrativa.
Mas não é isso o que ocorre na hipótese em exame.
Há interferência direta do legislador na atividade do administrador, como tem reiteradamente reconhecido esse Colendo Órgão Especial do Tribunal de Justiça, em casos de leis de iniciativa parlamentar que, por exemplo: (a) criam programas de governo a serem seguidos pelo Poder Executivo; (b) impõem ou vedam a prática de atos administrativos (contratos, permissões, concessões, autorizações, etc.); (c) concedem nomes a prédios públicos, praças ou vias públicas; (d) impõem a inserção de informações em comunicados enviados aos munícipes relativos ao lançamento de impostos; (e) criam sistemas de controle orçamentário, com imposição de envio periódico de informações do Executivo ao Legislativo, sem que haja correspondência com o modelo previsto na Constituição da República e aplicável por força do princípio constitucional da simetria; entre outros.
Em síntese: é possível identificar a ocorrência da quebra do princípio da separação de poderes quando da lei resulta interferência direta por parte do legislador na atividade do administrador.
Não é isso o que se constata no caso em exame.
A lei questionada impôs obrigações aos organizadores de eventos e não ao Município.
Se, para cumpri-la, será ou não necessária a criação de novos cargos de fiscalização, ou mesmo se será ou não necessária atividade suplementar de servidores, e se isso provocará ou não maiores gastos por parte do Poder Público, é algo que dependerá essencialmente da opção político-administrativa, calcada na esfera da conveniência e oportunidade administrativa, a cargo do chefe do Poder Executivo Municipal. E essa avaliação e decisão ocorrerão no âmbito administrativo, não decorrendo diretamente da lei impugnada.
Nada assegura que, para a realização da fiscalização quanto ao cumprimento da lei impugnada, será mesmo imprescindível a criação de cargos, órgãos públicos, ou mesmo a realização de despesas complementares cuja fonte de receita não foi prevista.
Daí que o ato normativo não cria diretamente cargos, órgãos, ou encargos para a administração pública, nem regula diretamente a prestação de serviços pelo Poder Público, e tampouco gera diretamente qualquer despesa para a administração pública.
Entendimento diverso implicaria contrariedade à correta
compreensão a respeito do princípio da separação de poderes, previsto no art. 2º
da CR/88, bem como às hipóteses de iniciativa legislativa reservada ao Chefe do
Executivo, previstas no art. 61, § 1º da CR/88.
De outro lado, também não será o caso de declarar-se a inconstitucionalidade da lei por suposta violação ao art. 25 da Constituição do Estado, que veda a criação ou aumento de despesa sem indicação, no projeto de lei, da respectiva fonte de receitas.
A razão é simples.
A exigência prevista na lei em exame de instalação de banheiros químicos adaptados para pessoas com deficiência e/ou mobilidade reduzida dirige-se aos organizadores de eventos, e não ao Poder Público local. São aqueles, e não este, que terão despesas – mínimas, é viável afirmar de passagem – com o cumprimento de tal providência imposta pela lei.
Declarar-se a inconstitucionalidade da lei com amparo no art. 25 da Constituição do Estado, significaria contrariar a própria função essencial do Poder Legislativo, consistente na edição de leis.
Com isso, estar-se-ia negando vigência ao art. 48, caput, da CR/88, que fixa as atribuições
do Congresso (aplicável por analogia às Câmaras) bem como ao art. 30, I da
CR/88, que confere ao Município competência para legislar sobre assuntos de
interesse local.
Ademais, o Município conta com corpo de servidores próprios para o exercício do poder de polícia. Se haverá ou não necessidade de incremento, com aumento de despesa, além do já argumentado (opção político-administrativa, calcada na esfera da conveniência e oportunidade administrativa, a cargo do chefe do Poder Executivo Municipal), a questão demandaria produção de prova, o que é inviável no processo objetivo.
Diante do exposto, opino
pela improcedência da presente ação
direta de inconstitucionalidade.
São Paulo, 30 de agosto de 2013.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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