Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Processo nº 0107583-93.2013.8.26.0000

Requerente: Federação dos Funcionários Públicos Municipais do Estado de São Paulo - FUPESP

Requeridos: Prefeito Municipal e Presidente da Câmara Municipal de Santana do Parnaíba

 

                            Ementa:          

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Artigo 112 caput, I, II, III, da Lei Complementar nº 34, de 25 de maio de 2011, do Município de Santana do Parnaíba, que condiciona o afastamento de servidor ocupante de cargo de provimento efetivo investido em mandato de dirigente sindical ou de associação de classe ao número de associados que a entidade de classe congrega.

2)      Autonomia municipal para dispor livremente sobre o assunto, observados os princípios da Constituição Federal e as leis nacionais de caráter complementar. Artigo 125, § 1º, da Constituição do Estado de São Paulo, que assegurou ao servidor público estadual, eleito para ocupar cargo em sindicato de categoria, o afastamento remunerado de suas funções enquanto durar o mandato. Norma constitucional estadual inaplicável aos municípios, entes dotados de autonomia administrativa e legislativa (CF, arts. 18 e 30, I), e que é formalmente inconstitucional, porquanto trata de matéria pertinente ao regime jurídico dos servidores públicos estaduais, cuja competência é reservada com exclusividade ao chefe do Poder Executivo (CE, art. 24, § 2º, 4). Possibilidade de o Tribunal exercer o controle incidental da norma adotada como parâmetro em ação direta de inconstitucionalidade proposta com fundamento no art. 125, § 2º, da Constituição Federal. Precedente do STF.

3)       Parecer pela improcedência do pedido.

 

 

Colendo Órgão Especial,

Eméritos Desembargadores:

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Federação dos Funcionários Públicos Municipais do Estado de São Paulo – FUPESP, tendo como alvo o art. 112, caput e seus incisos I, II e III, da Lei Complementar nº 34, de 25 de maio de 2011, do Município de Santana do Parnaíba.

Sustenta o requerente que os dispositivos legais impugnados são inconstitucionais por violar direitos assegurados pela Constituição Estadual aos servidores públicos de afastamento da função pública para ocupar cargo de direção ou representação classista, em sindicato da categoria. Daí, a afirmação de violação do art. 125, §§ 1º e 2º, da Constituição Estadual.

Devidamente notificado (fl. 122), o Presidente da Câmara Municipal apresentou informações à fl. 124.

O Prefeito Municipal apresentou informações a fls. 311/326, levantando preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, por não ser possível o confronto com parâmetro da Constituição Federal. No mérito sustentou a constitucionalidade dos atos normativos impugnados. 

Citado regularmente (fl. 309), o Procurador-Geral do Estado declinou de realizar a defesa do ato normativo impugnado, afirmando tratar de matéria de interesse exclusivamente local (fls. 328/330).

Nestas condições vieram os autos para manifestação desta Procuradoria-Geral de Justiça.

Da preliminar

A preliminar de impossibilidade jurídica do pedido deve ser afastada.

Embora tenha a autora mencionado a violação do princípio da liberdade sindical (art. 8º, I, da Constituição Federal), deixou claro na inicial que o parâmetro de controle da constitucionalidade seria o art. 125, §§ 1º e 2º, da Constituição Estadual.

Do mérito  

Não procede o pedido.

O art. 112, caput, I, II e III, da Lei Complementar nº 34, de 25 de maio de 2011, do Município de Santana do Parnaíba, tem a seguinte redação:

A Constituição Federal consagrou o direito à livre associação sindical (art. 8º, caput, e V), inclusive em favor dos servidores públicos civis (art. 37, VI), mas nenhuma de suas passagens trata da questão do afastamento remunerado de servidor eleito dirigente sindical, matéria que, portanto, poderá ser disciplinada livremente pelas entidades federativas (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), nos limites de sua autonomia administrativa.

A esse respeito, HELY LOPES MEIRELLES ensina que:

‘A competência para organizar o serviço público é da entidade estatal a que pertence o respectivo serviço. Sobre esta matéria as competências são estanques e incomunicáveis. As normas estatutárias federais não se aplicam aos servidores estaduais ou municipais, nem as do Estado-membro se estendem aos servidores dos Municípios. (grifei)

Cada entidade estatal é autônoma para organizar seus serviços e compor seu pessoal. Atendidos os princípios constitucionais e os preceitos das leis nacionais de caráter complementar, a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios instituirão seus regimes jurídicos, segundo suas conveniências administrativas e as forças de seus erários (CF, arts. 39 e 169)’ (Cf. ‘Direito Administrativo Brasileiro’, Malheiros, São Paulo, 28ª edição, 2003, atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, p. 403)

Como se vê, na organização de seus serviços e na fixação de regras peculiares ao seu funcionalismo, os Municípios devem obediência apenas aos princípios da Constituição Federal e às leis nacionais de caráter complementar que versem sobre o assunto, não podendo, assim, a Constituição Estadual impor limites a sua autonomia (Cf. Pontes de Miranda, ‘Comentários à Constituição de 1946’, v. 1, p. 486), sob pena de tornar letra morta os dispositivos constitucionais federais que consagraram a autonomia municipal (CF, arts. 18 e 30, inciso I).

Decorre, daí, que a regra prevista no art. 125, § 1º, da Carta Política Estadual, não é de observância compulsória pelos Municípios, os quais podem dispor livremente sobre a organização de seu próprio funcionalismo, nos limites da autonomia municipal consagrada nos arts. 18 e 30, inciso I, da Constituição Republicana.

Na verdade, a norma constitucional estadual adotada como parâmetro de controle de constitucionalidade, na presente ação, é que se afigura inconstitucional, ao assegurar o direito ao afastamento remunerado de servidor público eleito dirigente sindical, durante o prazo de duração do mandato, sem nenhum substrato na Constituição Federal, porquanto disciplina matéria peculiar ao regime jurídico do funcionalismo, a qual é reservada com exclusividade ao Executivo, ex vi do disposto no art. 24, § 2º, 4, da Constituição do Estado de São Paulo. 

Segundo José Celso de Mello Filho, “a expressão regime jurídico dos servidores públicos, que é ampla, abrange todas as normas relativas: a) às formas de provimento; b) às formas de nomeação; c) à realização do concurso; d) à posse; e) ao exercício, inclusive hipótese de afastamento, de dispensa de ponto e de contagem de tempo de serviço; f) às hipóteses de vacância; g) à promoção e respectivos critérios, bem como avaliação do mérito e classificação final (cursos, títulos, interstícios mínimos); h) aos direitos e às vantagens de ordem pecuniária; i) às reposições salariais e de vencimentos; j) ao horário de trabalho e ponto, inclusive regimes especiais de trabalho; k) aos adicionais por tempo de serviço, gratificações, diárias, ajudas de custo e acumulações remuneradas; l) às férias, licenças em geral, estabilidade, disponibilidade, aposentadoria; m) aos deveres e proibições; n) às penalidades e sua aplicação; o) ao processo administrativo.” (Cf. Constituição Federal Anotada, Saraiva, São Paulo, 1986, 2.ª edição, comentário ao art. 57, p. 220 – grifei.)

Aliás, cumpre obtemperar, a Carta Política em vigor assegura ao servidor público apenas o direito à livre associação sindical, que é consubstanciado na capacidade de filiar-se ou manter-se filiado, mas não o direito ao afastamento remunerado de servidor eleito dirigente sindical, durante o prazo de duração do mandato.

Logo, se esse Egrégio Tribunal de Justiça entender que a regra prevista no art. 125, § 1º, da Constituição do Estado de São Paulo, é de observância compulsória pelos Municípios, requer-se, antes de ser finalizado o julgamento da presente ação, a aferição de sua inconstitucionalidade incidental, ante a violação frontal – por esse entendimento – dos arts. 2º, 18, 30, inciso I, e 61, § 1º, inciso II, alínea ‘c’, da Constituição da República, os quais consagram a independência e a harmonia entre os Poderes, a autonomia municipal e a prerrogativa do chefe do Poder Executivo de deflagrar o processo de formação das leis que disponham sobre o “regime jurídico” dos servidores públicos da União.

A possibilidade de o Tribunal exercer o controle incidental de conformidade à Constituição Federal da norma constitucional estadual adotada como parâmetro em ação direta de inconstitucionalidade é admitida pelo colendo Supremo Tribunal Federal, conforme se vê do precedente abaixo reproduzido:

“EMENTA: - Reclamação. - Inexistência de atentado à autoridade do julgado desta Corte na ADIN 347, porquanto, no caso, a ação direta de inconstitucionalidade foi proposta com a arguição de ofensa à Constituição Estadual, e não à Federal, e julgada procedente por ofensa ao artigo 180, VII, da Carta Magna do Estado de São Paulo. - Não ocorrência de usurpação da competência desta Corte por ter o Tribunal de Justiça rejeitado a alegação incidente de que o citado artigo da Constituição do Estado de São Paulo seria inconstitucional em face da Carta Magna Federal. Controle difuso de constitucionalidade em ação direta de inconstitucionalidade. Competência do Tribunal de Justiça. Reclamação improcedente.” (Rcl. n.º 526/SP, Rel. Min. MOREIRA ALVES, j. em 11/11/1996.)

De resto, a limitação do número de servidores que podem se afastar para ocupar cargo de representação de associação ou sindicato da categoria, em função do número de associados da entidade de classe, além de razoável, não é incompatível com o art. 8º, inciso VIII, da Constituição Federal, que foi reproduzido no art. 115, inciso VII, da Carta Paulista Estadual, pois a disciplina do direito ao afastamento remunerado de servidor para o exercício de mandato de dirigente sindical é matéria de competência municipal.

De outro lado, o objetivo da lei ao limitar o afastamento remunerado de servidores para ocupar cargos em entidades de classe de acordo com o número de seus associados, visa evitar afastamentos indiscriminados a bel prazer da forma organizativa e da quantidade das referidas entidades.

A propósito da questão, o Supremo Tribunal Federal já decidiu pela constitucionalidade de norma idêntica que condicionava o afastamento de servidor público para o desempenho de mandato classista ao número de associados da referida entidade:

 “DIREITO CONSTITUCIONAL. ORGANIZAÇÃO SINDICAL: INTERFERÊNCIA NA ATIVIDADE. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO PAR ÁGRAFO ÚNICO DO ART. 34 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, INTRODUZIDO PELA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 8, DE 13 DE JULHO DE 1993, QUE LIMITA O NÚMERO DE SERVIDORES PÚBLICOS, AFASTÁVEIS DO SERVIÇO, PARA EXERCÍCIO DE MANDATO ELETIVO EM DIRETORIA DE ENTIDADE SINDICAL, PROPORCIONALMENTE AO NÚMERO DE FILIADOS A ELA, NESTES TERMOS: ‘Artigo 34 - É garantida a liberação do servidor de entidade sindical de mandato eletivo em diretoria de entidade sindical representativa de servidores públicos, de âmbito estadual, sem prejuízo da remuneração e dos demais direitos e vantagens do seu cargo. Parágrafo Único - Os servidores eleitos para cargos de direção ou de representação serão liberados, na seguinte proporção, para cada sindicato: I - de 1.000 (mil) a 3.000 (três mil) filiados, 1 (um) representante; II - de 3.001 (três mil e um) a 6.000 (seis mil) filiados, 2 (dois) representantes; III - de 6.001 (seis mil e um) a 10.000 (dez mil) filiados, 3 (três) representantes; IV - acima de 10.000 (dez mil) filiados, 4 (quatro) representantes’. 1. CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE TRABALHADORES POLICIAIS CIVIS - COBRAPOL. REGISTRO. LEGITIMIDADE ATIVA: 2. Mérito: alegação de ofensa ao inciso I do art. 8°, ao VI do art. 37, ao inciso XXXVI do art. 5°, ao inciso XIX do art. 5°, todos da Constituição Federal, por interferência em entidade sindical. 3. Inocorrência dos vícios apontados. 4. Improcedência da A.D.I. 5. Plenário: decisão unânime” (STF, ADI 990-MG, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sydney Sanches, 06-02-2003, v.u., DJ 11-04-2003, p. 25).

 Diante do exposto, o pedido deve ser julgado improcedente porque nenhuma inconstitucionalidade há no art. 112, caput e nos seus incisos I, II e III, da Lei Complementar nº 34, de 25 de maio de 2011, do Município de Santana do Parnaíba. 

 

São Paulo, 3 de setembro de 2013.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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