Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 0108612-81.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Torre de Pedra

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Torre de Pedra

 

 

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 485, de 12 de dezembro de 2012, do Município de Torre de Pedra, que “Fixa os subsídios para os Secretários Municipais para o Quadriênio de 2013 a 2016, e dá outras providências.”

2)      Ausência de violação ao princípio da anterioridade.

3)      É inconstitucional a previsão de reajuste dos subsídios dos Secretários Municipais vinculado à revisão geral anual do funcionalismo público municipal.

4)      Parecer pela procedência parcial da ação.

 

 

Colendo Órgão Especial

Senhor Desembargador Relator

 

 

Tratam estes autos de ação direta de inconstitucionalidade, tendo como alvo a Lei nº 485, de 17 de dezembro de 2012, do Município de Torre de Pedra, que “Fixa os subsídios para os Secretários Municipais para o Quadriênio de 2013 a 2016, e dá outras providências”.

Sustenta o requerente que a lei é inconstitucional por violar o princípio da anterioridade e ausência de recomposição dos subsídios "frente aos índices inflacionários", que seria imposta pela "revisão geral anual".

A liminar foi indeferida (fls. 59/60).

A Presidência da Câmara Municipal prestou informações, unicamente no que se refere ao processo legislativo (fls. 74/75).

Citado, o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou da defesa do ato normativo (fls. 69/71).

É o relato do essencial.

Procede, em parte, a ação não pelos motivos apontados na inicial, mas tão somente com relação ao art. 3º, que prevê a "revisão dos valores dos subsídios fixados nesta Lei, na mesma data e parâmetros estabelecidos para revisão geral da remuneração dos servidores públicos municipais".

Primeiramente, adverte-se da possibilidade de reconhecimento da aventada inconstitucionalidade, considerando-se a causa de pedir aberta que caracteriza o processo objetivo.

         A seguir, tenha-se em mira que, no âmbito municipal, os subsídios do Prefeito, do Vice – Prefeito e dos Secretários Municipais são fixados por lei de iniciativa da Câmara Municipal, observado o que dispõem os arts. 37, XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e seu § 2º, I (CF art. 29, inciso V).

A autonomia municipal, entretanto, não é absoluta. O artigo 144 da Constituição Paulista é firme quando impõe aos Municípios o respeito aos princípios estabelecidos na Constituição Federal. O princípio da legalidade, reproduzido, como em tantas outras ocasiões, no artigo 111 da Constituição do Estado, é por isso obrigatório aos Municípios.

        Um dos fundamentos da ação recai sobre a alegada inobservância do princípio da anterioridade, ou seja, a lei municipal que fixou os subsídios dos Secretários Municipais para a legislatura de 2013/2016 foi promulgada em 12 de dezembro de 2012, portanto, posteriormente ao resultado do pleito eleitoral.

         Conquanto não haja qualquer norma constitucional expressa, no sentido de que essa fixação deve ocorrer antes do pleito, em decorrência de construção jurisprudencial, e com acerto, proíbe-se que os edis, após conhecerem o resultado das eleições, possam fixar a própria remuneração para a legislatura seguinte e para a qual podem vir a ser reeleitos. Procura-se tutelar, com isso, a moralidade administrativa e o patrimônio público.

Neste passo, insta observar que a Lei em estudo não prevê aumento dos subsídios, mas impõe fixação menor do que aqueles que deveriam ser fixados, se observada a recomposição dos vencimentos através de aplicação dos índices inflacionários. Numericamente, os subsídios foram fixados no mesmo patamar que aos do ano de 2006, pela Lei nº 347, de 26 de dezembro de 2006, em R$ 2.000,00 (dois mil reais). Justamente o que reclama o autor.

Assim, é absolutamente segura a afirmação de que a fixação dos subsídios da forma como se deu não violou o princípio da moralidade administrativa, nem causou prejuízo ao patrimônio público.

Por outro lado, a garantia da irredutibilidade de vencimentos não beneficia o agente público, assim como não se lhe aplica a regra da revisão geral anual de vencimentos, nem mesmo como forma de garantir-lhe a recomposição vencimental.

         Enfocando-se o art. 3º da vergastada Lei percebe-se que a disposição confere o reajuste automático dos subsídios dos Secretários Municipais, atrelando-os à revisão geral anual dos vencimentos dos servidores públicos municipais.  Ora, tal dispositivo não resiste, no controle abstrato de constitucionalidade, ao cotejo com os arts. 20, V, 111, 115, XI, XII e XV, 144 e 297, da Constituição Estadual.

         Com efeito, ainda que se recuse a observância da regra da anterioridade da legislatura aos subsídios do Chefe do Poder Executivo local e seus auxiliares por interpretação literal do art. 29, V, da Constituição Federal, é absolutamente seguro que a revisão de seus subsídios deve observar o princípio da legalidade remuneratória e não comporta vinculação automática com a revisão geral anual do funcionalismo público seja porque o regime jurídico de sua remuneração é peculiar seja porque o direito à revisão geral anual é exclusivo dos servidores públicos.  Com o expediente adotado no dispositivo em análise, toda vez que houver reajuste ou revisão dos vencimentos dos servidores públicos municipais, haverá o dos Secretários Municipais, implicando vinculação vedada de espécies remuneratórias, violando o art. 115, XV, da Constituição Estadual. Neste sentido:

“Razoável é a interpretação segundo a qual a Constituição Federal, ao assegurar a revisão geral anual ‘sempre na mesma data e sem distinção de índices’ (inc. X do art. 37), assim determinou para o sistema de remuneração dos servidores públicos e de subsídio dos agentes políticos sem mandato eletivo (referidos no § 4° do art. 39 da CF), não abrangendo o subsídio de agentes políticos detentores de mandato eletivo (Prefeitos, Vice-Prefeitos e Vereadores), que está sujeito a regime próprio. Invocando doutrina de JOSÉ AFONSO DA SILVA (‘in’ ‘Curso de Direito Constitucional Positivo’, ed. Malheiros, 22ª ed., 2003, pág. 663), acrescenta o culto Procurador de Justiça: ‘Caso assim não se entenda haveria um evidente choque de Poderes, mormente em relação àquele que primeiro fixasse o índice. Suponha-se, assim, que a Câmara Municipal, no exercício da competência estabelecida no art. 29, inciso VI, da Constituição Federal, fixasse em 1% o índice para a revisão anual. É certo que a este não ficaria vinculado o chefe do Poder Executivo, que tem a competência constitucional para alterar a remuneração dos seus servidores (art. 61, § 1°, II, ‘a’)’ (fls. 283/284)” (TJSP, AI 356.170-5/5-00, São Paulo, 9ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Gonzaga Franceschini, v.u., 25-08-2004).

 Assim sendo, o parecer é pela procedência, em parte, da presente ação, unicamente para declarar a inconstitucionalidade do art. 3º da Lei nº 485, de 17 de dezembro de 2012, do Município de Torre de Pedra.

 

São Paulo, 4 de outubro de 2013.

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

fjyd