Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 0110716-46.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Iacanga

Requerida: Câmara Municipal de Iacanga

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade.  Lei n. 1.363, de 16 de maio de 2013. Obrigação às creches de instalação de circuito interno de segurança. Não vulneração do princípio da separação de poderes por não revelar o conteúdo da norma contestada violação da reserva da Administração ou da reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo, uma vez que a polícia de estabelecimentos particulares é matéria da iniciativa comum ou concorrente (arts. 5º, 24, § 2º, 1 e 2, 37 e 47, CE/89). Inconsistência de violação aos arts. 25 e 176, I, CE/89, porque a norma não cria direta e imediatamente obrigações financeiras para o poder público, impondo deveres somente aos particulares. Improcedência da ação.

 

Egrégio Tribunal:

 

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade promovida pelo Prefeito do Município de Iacanga impugnando a Lei n. 1.363, de 16 de maio de 2013, de iniciativa parlamentar, que “dispõe sobre a obrigatoriedade de instituição de instalação de circuito interno de segurança nas creches com sede do município de Iacanga”(fls. 02/11), sob alegação de incompatibilidade com os arts. 5º, 25, 47, II, XIV e XIX, e 176, I, Constituição Estadual (fls. 02/11).

A Câmara Municipal de Iacanga prestou informações (fls. 27/32) e a douta Procuradoria Geral do Estado declinou da defesa da norma impugnada (fls. 41/43).

É o relatório.

De ver-se, inicialmente, que a norma não tratou de nenhuma matéria cuja iniciativa legislativa seja reservada ao Chefe do Poder Executivo, e tampouco houve violação ao princípio da separação de poderes por invasão da esfera da gestão administrativa.

A legislação atinge apenas creches privadas, conforme informou a Câmara Municipal à fl. 29.

A iniciativa parlamentar não ofende o quanto contido nos arts. 5º, 24, § 2º, 1 e 2, 37, e 47, II, XIV e XVII, da Constituição Estadual, por não veicular matéria inserida na reserva da Administração, nem na reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo. A lei local não ventila em seu conteúdo a disciplina da organização e do funcionamento da Administração Pública ou de serviço público, nem a atribuição de órgãos do Poder Executivo ou atos da gestão ordinária e, tampouco, trata de cargos, funções ou empregos públicos.

Trata-se de evidente lei de polícia administrativa.

Regra é a iniciativa legislativa pertencente ao Poder Legislativo; exceção é a atribuição de reserva a certa categoria de agentes, entidades e órgãos, e que, por isso, não se presume. Corolário é a devida interpretação restritiva às hipóteses de iniciativa legislativa reservada, perfilhando tradicional lição salientando que:

“a distribuição das funções entre os órgãos do Estado (poderes), isto é, a determinação das competências, constitui tarefa do Poder Constituinte, através da Constituição. Donde se conclui que as exceções ao princípio da separação, isto é, todas aquelas participações de cada poder, a título secundário, em funções que teórica e normalmente competiriam a outro poder, só serão admissíveis quando a Constituição as estabeleça, e nos termos em que fizer. Não é lícito à lei ordinária, nem ao juiz, nem ao intérprete, criarem novas exceções, novas participações secundárias, violadoras do princípio geral de que a cada categoria de órgãos compete aquelas funções correspondentes à sua natureza específica” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 581, 592-593).

As reservas de iniciativa legislativa a autoridades, agentes, entidades ou órgãos públicos diversos do Poder Legislativo devem sempre ser interpretadas restritivamente na medida em que, ao transferirem a ignição do processo legislativo, operam reduções a funções típicas do Parlamento e de seus membros. Neste sentido, colhe-se da Suprema Corte:

“A iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que – por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo – deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca” (STF, ADI-MC 724-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 27-04-2001).

 

“As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no artigo 61 da Constituição do Brasil ---matérias relativas ao funcionamento da Administração Pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo” (RT 866/112).

 

“A disciplina jurídica do processo de elaboração das leis tem matriz essencialmente constitucional, pois residem, no texto da Constituição - e nele somente -, os princípios que regem o procedimento de formação legislativa, inclusive aqueles que concernem ao exercício do poder de iniciativa das leis. - A teoria geral do processo legislativo, ao versar a questão da iniciativa vinculada das leis, adverte que esta somente se legitima - considerada a qualificação eminentemente constitucional do poder de agir em sede legislativa - se houver, no texto da própria Constituição, dispositivo que, de modo expresso, a preveja. Em conseqüência desse modelo constitucional, nenhuma lei, no sistema de direito positivo vigente no Brasil, dispõe de autoridade suficiente para impor, ao Chefe do Executivo, o exercício compulsório do poder de iniciativa legislativa” (STF, MS 22.690-CE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 17-04-1997, v.u., DJ 07-12-2006, p. 36).

Tampouco se capta competência privativa do Chefe do Poder Executivo. O art. 47 da Constituição do Estado consagra a atribuição de governo do Chefe do Poder Executivo, traçando suas competências próprias de administração e gestão que compõem a denominada reserva de Administração, pois veiculam matérias de sua alçada exclusiva, imunes à interferência do Poder Legislativo.

A norma local impõe obrigação a particulares, no âmbito da polícia administrativa e demanda, por isso mesmo, a observância de reserva formal de lei. Não é possível mero ato normativo da Administração Pública, por manifestar o conteúdo da norma o poder extroverso do Estado, exigente do princípio da legalidade em sentido estrito ou absoluto.

Também não há incompatibilidade da lei local com os arts. 25, 167, I, 174 e 176, I, da Constituição Estadual.

A lei não cria obrigações para o Poder Executivo, estabelecendo deveres a particulares.

O art. 25 da Constituição do Estado tem aplicação circunscrita ao “projeto de lei que implique a criação ou o aumento de despesa pública”, como explicita a própria norma com nítido intuito de responsabilidade fiscal ao exigir que, nessa circunstância, conste a indicação de recursos disponíveis, próprios para atendimento dos novos encargos.

Sua incidência é adstrita a leis que diretamente importem repercussão positiva na despesa pública, e não em qualquer lei. Em se tratando de lei que manifestamente não produza esse impacto, é descabida sua arguição por traduzir matéria de fato e de prova inadmissível no seio do controle objetivo de constitucionalidade.

A lei prescreve obrigação não se podendo cogitar que do exercício de sua execução e fiscalização derivem despesas novas sem cobertura financeiro-orçamentária, pois já são precedentemente absorvidas pela polícia administrativa preexistente.

A jurisprudência deste egrégio Tribunal desabona o argumento articulado na petição inicial, como exprime o seguinte acórdão:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Lei nº 4.518, de 4 de outubro de 2011 do Município de Suzano que instituiu a obrigação de fornecimento de cadeira de rodas pelas agências bancárias locais – Matéria de interesse local e também atinente à proteção e garantia de direitos de portadores de deficiência física e pessoas com mobilidade reduzida, em relação à qual era lícito ao Município legislar, nos exatos limites da competência definida nos artigos 23, inciso II, e 30, inciso I, da CF – Inocorrência, outrossim, de vício de iniciativa do projeto de lei pelo Legislativo, haja vista que a norma editada não regula questão estritamente administrativa, afeta ao Chefe do Poder Executivo, delimitada pelos artigos 24, § 2º, 47, incisos XVII e XVIII, 166 e 174 da CE, aplicáveis ao ente municipal, por expressa imposição da norma contida no artigo 144 daquela mesma Carta – Previsão legal, na verdade, que apenas impõe obrigações a particulares e não implica aumento de despesa do Município, uma vez que o dever de fiscalização do cumprimento das normas é conatural aos atos normativos e não tem efeito de gerar gastos extraordinários – Precedentes desta Corte – Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente” (TJSP, ADI 0006249-50.2012.8.26.0000, Rel. Des. Paulo Dimas Mascaretti, v.u., 12-09-2012).

 

         E encontra prestígio no Supremo Tribunal Federal:

 

“PROCESSO LEGISLATIVO – POSSIBILIDADE DE O MUNICÍPIO, MEDIANTE LEI, OBRIGAR AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS A INSTALAR, EM SUAS AGÊNCIAS, DISPOSITIVOS DE SEGURANÇA – QUESTÃO SEM REPERCUSSÃO NO ORÇAMENTO MUNICIPAL – INEXISTÊNCIA DE RESERVA DE INICIATIVA – PREVALÊNCIA DA REGRA GERAL DA INICIATIVA CONCORRENTE QUANTO À INSTAURAÇÃO DO PROCESSO DE FORMAÇÃO DAS LEIS – LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DA INICIATIVA PARLAMENTAR – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO” (STF, AgR-RE 681.307-SP, 2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, 09-04-2013, v.u., DJe 24-05-2013).

 

Idênticos motivos afastam ofensa ao art. 176, da Constituição Estadual.

Opino pela improcedência da ação.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da improcedência desta ação direta.

 

São Paulo, 14 de agosto de 2013.

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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