Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 0116902-85.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeita do Município de Guarujá

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Guarujá

 

Ementa:

1)     Ação direta de inconstitucionalidade, movida pela Prefeita, tendo por objeto a Lei n. 3.977, de 12 de novembro de 2012, do Município de Guarujá, que “Dispõe sobre a preservação do patrimônio cultural e natural do Município de Guarujá, cria o Conselho Municipal do Patrimônio Histórico, Artístico e Natural e institui o Fundo Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural”, de origem parlamentar.

2)     Matéria de inciativa reservada: criação de órgão público. Inteligência do art. 24, § 2º, 2, da CE. Precedentes do STF e do TJ/SP. Violação dos arts. 5º, 25, 47, II, XIV e XIX, “a” e 144 da Constituição Estadual.

3)     Parecer pela procedência do pedido.

 

 

 

Colendo Órgão Especial,

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente:

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pela Prefeita Municipal, tendo por objeto a Lei n. 3.977, de 12 de novembro de 2012, do Município de Guarujá, que “Dispõe sobre a preservação do patrimônio cultural e natural do Município de Guarujá, cria o Conselho Municipal do Patrimônio Histórico, Artístico e Natural e institui o Fundo Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural”, sob o argumento de violação aos arts. 5º, 24, § 2º, “4”, 25, 47, II, XI, XIV e XVII, 144 e 174 da Constituição do Estado de São Paulo; art. 149, da Lei Orgânica do Município de Guarujá; e arts.                               ,2º, 61, § 1º, II, “c” e 167, I e II, da Constituição Federal.    

O pedido de medida liminar foi deferido (fl. 96), para suspender a eficácia da lei impugnada.

Citada regularmente, a Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 107/109).

A Câmara Municipal de Guarujá, por meio de seu Presidente, prestou informações às fls. 111/115.

É a síntese do ocorrido nos autos.

            Inicialmente insta observar, que eventual compatibilidade da lei local com dispositivos da Lei Orgânica do Município ou da Constituição Federal não merece cognição nesta via, pois, o contencioso de constitucionalidade de lei ou ato normativo municipal tem como exclusivo parâmetro a Constituição Estadual ainda que remissiva ou reprodutora da Constituição Federal (art. 125, § 2º, Constituição Federal).

 

         Já se decidiu que éinviável a análise de outra norma municipal para aferição da alegada inconstitucionalidade da lei” (STF, AgR-RE 290.549-RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, 28-02-2012, m.v., DJe 29-03-2012).

Pois bem. A Lei n. 3.977, de 12 de novembro de 2012, do Município de Guarujá, que “Dispõe sobre a preservação do patrimônio cultural e natural do Município de Guarujá, cria o Conselho Municipal do Patrimônio Histórico, Artístico e Natural e institui o Fundo Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural”, apresenta a seguinte redação:

“(....)

CAPÍTULO I

DAS DEFINIÇÕES

Art. 1º A preservação do patrimônio cultural do Município de Guarujá é dever de todos os seus cidadãos.

Parágrafo Único - O Poder Público Municipal dispensará proteção especial ao patrimônio cultural do município, segundo os preceitos desta Lei e de sua regulamentação.

Art. 2º O Patrimônio Cultural do Município de Guarujá é constituído pela paisagem natural característica, por bens móveis ou imóveis, de natureza material ou imaterial, tombados preferencialmente em conjunto, existentes em seu território e cuja preservação seja de interesse público.

Art. 3º O município procederá ao tombamento dos bens que constituem o seu cultural, segundo os procedimentos e regulamentos desta lei, através do Conselho Municipal do Patrimônio Cultural - COMPAC, igualmente criado por esta lei.

Art. 4º Fica instituído o Livro do Tombo Municipal, destinado à inscrição dos bens que o COMPAC considerar de interesse de preservação do município e o Livro de Registro do Patrimônio Imaterial ou Intangível, destinado a registrar os saberes, celebrações, formas de expressão, e outras manifestações intangíveis de domínio público.

CAPÍTULO II

DO ÓRGÃO MUNICIPAL DO PATRIMÔNIO CULTURAL

Art. 5º Fica criado o Órgão Municipal Baronesa Esther Sant`Anna de Almeida Karwinsky destinado a cuidar das questões do patrimônio cultural do município, subordinado à Secretaria Municipal da Cultura ou seu equivalente.

§ 1º Este órgão será formado por equipe técnica habilitada para as análises e propostas pertinentes ao desempenho de suas funções.

§ 2º São funções do referido órgão:

1) Coordenar as pesquisas e levantamentos do patrimônio cultural do município.

2) Organizar e cuidar do arquivo que se encarregará de guardar a documentação pertinente ao que se refere esta lei, em especial, os livros de Registro e Tombo.

3) Elaborar estudos e pareceres, bem como organizar vistorias ou quaisquer outras medidas destinadas a instruir e encaminhar os processos de tombamento.

4) Assessorar a Secretaria Municipal de Cultura ou seu equivalente no estabelecimento de um projeto de educação patrimonial, em conjunto com a Secretaria Municipal de Educação ou seu equivalente e a Secretaria Municipal de Meio Ambiente ou seu equivalente.

5) Propor o estabelecimento de acordos de cooperação com outras instituições, públicas ou privadas, em especial com a Coordenadoria do Patrimônio Cultural da Secretaria de Estado da Cultura.

6) Determinar a execução de obras imprescindíveis à conservação do bem tombado, bem como orientar e acompanhar as obras de restauração e/ou adequação do mesmo.

CAPÍTULO III

DO CONSELHO MUNICIPAL DE PATRIMÔNIO CULTURAL

Art. 6º Fica criado o Conselho Municipal de Patrimônio Cultural, de caráter consultivo e deliberativo, integrante da Secretaria Municipal de Cultura.

§ 1º O Conselho será composto pelo Secretário Municipal da Cultura ou seu equivalente, na condição de Presidente, pelo Chefe do Órgão Municipal de Patrimônio Cultural, na condição de Secretário, por um representante da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, por representante da Secretaria Municipal de Educação, por um representante indicado pela Coordenadoria do Patrimônio Cultural da Secretaria de Estado da Cultura, por um representante indicado pela Secretaria do Meio Ambiente do estado de São Paulo, e mais 7 (sete) membros nomeados pelo Prefeito Municipal, por indicação do Secretário Municipal de Cultura, que deverão ser escolhidos entre quaisquer pessoas físicas ou jurídicas legalmente constituídas que tenham atuação reconhecida na proteção do Patrimônio Cultural.

Contará, ainda, com 7 (sete) suplentes, cujos poderes e requisitos serão regulamentados pelo Regimento Interno do COMPAC.

§ 2º Em cada processo, após a respectiva instrução e encaminhamento pelo Órgão Municipal de Patrimônio Cultural, a critério de qualquer conselheiro, poderá ser ouvida a opinião de especialistas que poderão ser técnicos profissionais da área de conhecimento específico ou representantes da comunidade de interesse do bem em análise.

§ 3º O exercício das funções de conselheiro é considerado de relevante interesse público e não poderá ser remunerado.

§ 4º O Conselho elaborará o seu regimento interno no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias após a posse de seus conselheiros.

CAPÍTULO IV

DO PROCESSO DE TOMBAMENTO

Art. 7º Para inscrição em qualquer dos Livros do Tombo será instaurado o processo que se inicia por iniciativa:

1) de qualquer pessoa física ou jurídica legalmente constituída;

2) de entidades organizadas;

3) e da Secretaria Municipal de Cultura.

§ 1º Caberá ao Órgão Municipal do Patrimônio Cultural da Secretaria Municipal de Cultura ou seu equivalente a tarefa de instruir o processo de tombamento para posterior apreciação e votação do COMPAC.

§ 2º O requerimento de solicitação de tombamento será dirigido ao Órgão Municipal do Patrimônio Cultural da Secretaria Municipal de Cultura ou seu equivalente e será protocolado no Protocolo Geral da Prefeitura Municipal.

Art. 8º O Conselho Municipal de Patrimônio Cultural - COMPAC poderá propor o tombamento de bens móveis e imóveis já tombados pelo Estado de São Paulo e/ou pela União.

Art. 9º Os requerimentos de que trata o § 2º do Art. 7º poderão ser indeferidos pelo Órgão Municipal do Patrimônio Cultural com fundamento em parecer técnico, caso em que caberá recurso ao COMPAC.

Art. 10 - Sendo o requerimento para tombamento, solicitado por qualquer uma das iniciativas descritas no Art. 7º, deferido, o proprietário será notificado pelo Correio, através de aviso de recebimento (A.R.), para, no prazo de 20 (vinte) dias, se assim o quiser, oferecer impugnação.

Parágrafo Único - Quando ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontra o proprietário, a notificação far-se-á por edital, publicado uma vez no Diário Oficial do Município e, pelo menos, duas vezes em jornal de circulação diária da Região Metropolitana.

Art. 11 - Todo o tombamento levará em conta o entorno, que deverá estar claramente delimitado, e a paisagem natural na qual o bem está inserido. Esta situação deverá ter suas questões ambientais consideradas, tais como o trânsito de veículos (emissão de gases poluentes, trepidação etc.), estacionamentos, coleta de resíduos etc.

Art. 12 - Instaurado o processo de tombamento ou o inventário dos bens de interesse de preservação, passam a incidir sobre o bem as limitações ou restrições administrativas próprias do regime de preservação de bem tombado, até a decisão final.

Art. 13 - Decorrido o prazo determinado no Artigo 10º, havendo ou não impugnação, o processo será encaminhado ao COMPAC para julgamento.

Art. 14 - O COMPAC poderá solicitar ao Órgão Municipal do Patrimônio Cultural da Secretaria Municipal da Cultura ou seu equivalente novos estudos, pareceres, vistorias ou qualquer medida que julgue necessária para melhor orientar o julgamento.

Parágrafo Único - O prazo final para julgamento, a partir da data de entrada do processo no COMPAC, será de 60 (sessenta) dias, prorrogáveis por mais 60 (sessenta), se necessárias medidas externas.

Art. 15 - A sessão de julgamento será pública e poderá ser concedida a palavra a qualquer pessoa física ou jurídica que queira se manifestar, a critério do COMPAC.

Art. 16 - Na decisão do COMPAC que determinar o tombamento, deverá constar:

1) Descrição detalhada e documentação do bem.

2) Fundamentação das características pelas quais o bem será incluído no Livro do Tombo, ou Livro de Registro.

3) Definição e delimitação da preservação e os parâmetros de futuras intervenções: para o bem natural, um Plano de Manejo, e para o bem arquitetônico, um Plano de Uso e utilizações.

4) As limitações impostas ao entorno e à paisagem do bem tombado, quando necessário.

5) No caso de bens móveis, os procedimentos que deverão instruir a sua saída do Município, e

6) No caso de tombamento de coleção de bens, relação das peças componentes da coleção e definição de medidas que garantam sua integridade.

Art. 17 - A decisão do COMPAC que determina a inscrição definitiva do bem no Livro do Tombo ou Livro de Registro será publicada no Diário Oficial, oficiada, quando for o caso, ao Registro de Imóveis para os bens imóveis e ao Registro de Títulos e Documentos para os bens móveis.

Art. 18 - Se a decisão do COMPAC for contrária ao tombamento, imediatamente serão suspensas as limitações impostas pelo Artigo 12 da presente lei.

CAPÍTULO V

DA PROTEÇÃO E CONSERVAÇÃO DE BENS TOMBADOS

Art. 19 - Cabe ao proprietário do bem tombado a proteção e conservação do mesmo.

Art. 20 - As Secretarias Municipais e demais órgãos da Administração Pública Direta ou Indireta, deverão ser notificados dos tombamentos e, no caso de concessão de licenças, alvarás e outras autorizações para construção, reforma e utilização, desmembramento de terrenos, poda ou derrubadas de espécies vegetais, deverão consultar o Órgão Municipal de Patrimônio Cultural da Secretaria Municipal da Cultura antes de qualquer deliberação, respeitando ainda as respectivas áreas envoltórias.

Art. 21 - Cabe ao poder público municipal a instituição de incentivos legais que estimulem o proprietário ao cumprimento do Artigo 19 e aqueles que vierem a ser instituídos mediante a edição desta lei.

Art. 22 - O bem tombado não poderá ser descaracterizado.

§ 1º A restauração, reparação ou adequação do bem tombado, somente poderá ser feita em cumprimento aos parâmetros estabelecidos na decisão do COMPAC, cabendo ao Órgão Municipal de Patrimônio Cultural da Secretaria Municipal de Cultura a conveniente orientação e acompanhamento de sua execução.

§ 2º Havendo dúvidas em relação às prescrições do COMPAC, haverá novo pronunciamento que, em caso de urgência, poderá ser feito, ad referendum, pelo Órgão Municipal de Patrimônio Cultural da Secretaria Municipal de Cultura.

Art. 23 - As construções, demolições, paisagismo, no entorno ou paisagem do bem tombado deverão seguir as restrições impostas por ocasião do tombamento. Em caso de dúvida ou omissão deverá ser ouvido o COMPAC.

Art. 24 - Ouvido o COMPAC, Órgão Municipal de Patrimônio Cultural da Secretaria Municipal de Cultura, poderá determinar ao proprietário a execução de obras imprescindíveis à conservação do bem tombado, fixando prazo para o seu início e término.

§ 1º Este ato do Órgão Municipal de Patrimônio Cultural da Secretaria Municipal de Cultura será de ofício, em função da fiscalização que lhe compete ou por solicitação de qualquer cidadão.

§ 2º Se o órgão municipal não determinar as obras solicitadas por qualquer cidadão, no prazo de 30 (trinta) dias, caberá recurso ao COMPAC que avaliará a sua efetiva necessidade e decidirá sobre a determinação, no prazo de 15 (quinze) dias.

Art. 25 - Não cumprindo, o proprietário do bem tombado, o prazo fixado para início das obras recomendadas, a Prefeitura Municipal as executará, lançando em dívida ativa o montante expendido, salvo em caso de comprovada incapacidade financeira do proprietário.

Art. 26 - O Poder Público Municipal poderá se manifestar quanto ao uso do bem tombado, de sua vizinhança e da paisagem, quando houver risco de dano, ainda que importe em cassação de alvarás.

Art. 27 - No caso de extravio ou furto do bem tombado, o proprietário deverá dar conhecimento do fato ao COMPAC no prazo de 48 horas, sob pena de não o fazendo incidir multa de 100 % (cem por cento) do valor do objeto.

Art. 28 - O deslocamento ou transferência de propriedade do bem móvel tombado deverá ser comunicado ao Órgão Municipal de Patrimônio Cultural da Secretaria Municipal de Cultura, pelo proprietário, possuidor, adquirente ou interessado.

Parágrafo Único - Qualquer venda judicial de bem tombado deverá ser autorizada pelo município, cabendo a este o direito de preferência.

CAPÍTULO VI

DAS PENALIDADES

Art. 29 - A infração a qualquer dispositivo da presente Lei implicará em multa de até 100 (cem) UFG (Valor de Referência Municipal) e se houver como consequência demolição, destruição ou mutilação do bem tombado, de até 1.000 (mil) UFG.

Parágrafo Único - A aplicação da multa não desobriga a conservação e/ou a restauração do bem tombado.

Art. 30 - As multas terão seus valores fixados através de decreto regulamentar, conforme a gravidade da infração, e serão fiscalizadas pelo Órgão Municipal de Patrimônio Cultural da Secretaria Municipal de Cultura, devendo o montante ser recolhido à Fazenda Municipal, no prazo de até 05 (cinco) dias da notificação, ou no mesmo prazo ser interposto recurso ao COMPAC.

Art. 31 - Todas as obras e coisas construídas ou colocadas em desacordo com os parâmetros estabelecidos no tombamento ou sem observação da ambientação ou visualização do bem tombado, deverão ser demolidas ou retiradas. Se o responsável não o fizer no prazo determinado pelo Órgão Municipal de Patrimônio Cultural da Secretaria Municipal de Cultura, o Poder Público o fará e será ressarcido pelo responsável.

Art. 32 - Todo aquele que, por ação ou omissão, causar dano ao bem tombado responderá pelos custos de restauração ou reconstrução e por perdas e danos, sem prejuízo da responsabilidade criminal, feita a comunicação ao Ministério Público, com o envio de documentos, para os casos das infrações previstas.

CAPÍTULO VII

DO FUNDO DE PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL DE GUARUJÁ

Art. 33 - Fica instituído o Fundo de Proteção do Patrimônio Cultural do Município de Guarujá, gerido e representado ativa e passivamente pelo COMPAC, cujos recursos serão destinados à execução de serviços e obras de manutenção e reparos dos bens tombados, assim como a sua aquisição na forma a ser estipulada em regulamento.

Art. 34 - Constituirão receita do Fundo de Proteção do Patrimônio Cultural do Município de Guarujá:

1) Dotações orçamentárias;

2) Doações e legados de terceiros;

3) O produto das multas aplicadas com base nesta lei;

4) Os rendimentos provenientes da aplicação dos seus recursos; e

5) Quaisquer outros recursos ou rendas que lhe sejam destinados.

Art. 35 - O Fundo de Proteção do Patrimônio Cultural poderá justar contrato de financiamento ativo ou passivo, bem como celebrar convênios ou acordos, com pessoas físicas ou jurídicas, tendo por objetivo as finalidades do Fundo.

Art. 36 - O Fundo de Proteção do Patrimônio Cultural funcionará junto à Secretaria Municipal de Cultura, sob a orientação do COMPAC.

Art. 37 - Aplicar-se-ão ao Fundo de Proteção do Patrimônio Cultural as normas legais de controle, prestação e tomadas de contas em geral, sem prejuízo de competência específica do Tribunal de Contas.

Art. 38 - Os relatórios de atividades, receitas e despesas do Fundo de Proteção do Patrimônio Cultural serão apresentados semestralmente à Secretaria Municipal de Finanças.

CAPÍTULO VIII

DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 39 - O Poder Público Municipal procederá a regulamentação da presente lei, naquilo que for necessário, no prazo de 90 (noventa) dias a contar de sua publicação.

Art. 40 - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogando-se as disposições em contrário.

(....)”

Referida legislação de origem parlamentar criou o Conselho Municipal do Patrimônio Histórico, Artístico e Natural, o Órgão Municipal Baronesa Esther Sant’Anna de Almeida Karwinsky e instituiu o Fundo Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural.

Entretanto, a criação de Conselho Municipal e de órgão municipal trata-se evidentemente de matéria referente à Administração Pública, cuja gestão é de competência exclusiva do Prefeito.

Ensina a doutrina que os “conselhos são organismos públicos destinados a assessoramento de alto nível e de orientação e até de deliberação em determinado campo de atuação governamental”.  

        É ponto pacífico que “as regras do processo legislativo federal, especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas de observância obrigatória pelos Estados-membros” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.).

        Como desdobramento particularizado do princípio da separação dos poderes (art. 5º da Constituição Estadual), a Constituição do Estado de São Paulo prevê no art. 24, § 2º, 2, iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo (aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144) para “a criação e extinção das Secretarias de Estado e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 47, XIX “a”, o que compreende a fixação ou alteração das atribuições dos órgãos da Administração Pública direta.

Nesse sentido:

"Processo legislativo: reserva de iniciativa ao Poder Executivo (CF, art. 61, § 1º, e): regra de absorção compulsória pelos Estados-membros, violada por lei local de iniciativa parlamentar que criou órgão da administração pública (Conselho de Transporte da Região Metropolitana de São Paulo-CTM): inconstitucionalidade." (ADI 1.391, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 9-5-2002, Plenário, DJ de 7-6-2002.)

"Lei do Estado de São Paulo. Criação de Conselho Estadual de Controle e Fiscalização do Sangue (COFISAN), órgão auxiliar da Secretaria de Estado da Saúde. Lei de iniciativa parlamentar. Vício de iniciativa. Inconstitucionalidade reconhecida. Projeto de lei que visa a criação e estruturação de órgão da administração pública: iniciativa do chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, e, CF/1988). Princípio da simetria." (ADI 1.275, Rel.Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 16-5-2007, Plenário, DJ de 8-6-2007.) No mesmo sentido: ADI 3.179, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 27-5-2010, Plenário, DJE de 10-9-2010; ADI 2.730, Rel. Cármen Lúcia, julgamento em 5-5-2010, Plenário, DJE de 28-5-2010.

"Lei 9.162/1995 do Estado de São Paulo. Criação e organização do Conselho das Instituições de Pesquisa do Estado de São Paulo – CONSIP. Estrutura e atribuições de órgãos e Secretarias da Administração Pública. Matéria de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo. Precedentes." (ADI 3.751, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 4-6-2007, Plenário, DJ de 24-8-2007.)

         Também prevê no art. 47 (aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144) competência privativa do Chefe do Poder Executivo. O dispositivo consagra a atribuição de governo do Chefe do Poder Executivo, traçando suas competências próprias de administração e gestão que compõem a denominada reserva de Administração, pois, veiculam matérias de sua alçada exclusiva, imunes à interferência do Poder Legislativo.

         A alínea a do inciso XIX desse art. 47 fornece ao Chefe do Poder Executivo a prerrogativa de dispor mediante decreto sobre “organização e funcionamento da administração estadual, quando não implicar aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos”, em preceito semelhante ao art. 84, VI, a, da Constituição Federal. Por sua vez, os incisos II e XIV estabelecem competir-lhe o exercício da direção superior da administração e a prática dos demais atos de administração, nos limites da competência do Poder Executivo.

         A inconstitucionalidade transparece exatamente pelo divórcio da iniciativa parlamentar da lei local com esses preceitos da Constituição Estadual.

         Pois, ao disciplinar serviços administrativos, de um lado, ela viola o art. 47, II, XIV e XIX, a, no estabelecimento de regras que respeitam à direção da Administração e à organização e ao funcionamento do Poder Executivo, matéria essa que é da alçada da reserva da Administração, e de outro, ela ofende o art. 24, § 2º, 2, na medida em que impõe atribuição ao Poder Executivo, assunto cuja iniciativa legislativa lhe é reservada.

                   Neste sentido, a jurisprudência:

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. LEI QUE ATRIBUI TAREFAS AO DETRAN/ES, DE INICIATIVA PARLAMENTAR: INCONSTITUCIONALIDADE. COMPETÊNCIA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. C.F, art. 61, § 1°, n, e, art. 84, II e VI. Lei 7.157, de 2002, do Espírito Santo.

I. - É de iniciativa do Chefe do Poder Executivo a proposta de lei que vise a criação, estruturação e atribuição de órgãos da administração pública: C.F, art. 61, § 1°, II, e, art. 84, II e VI.

II. - As regras do processo legislativo federal, especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas de observância obrigatória pelos Estados-membros.

III. - Precedentes do STF.

IV - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.).

“É indispensável a iniciativa do Chefe do Poder Executivo (mediante projeto de lei ou mesmo, após a EC 32/01, por meio de decreto) na elaboração de normas que de alguma forma remodelem as atribuições de órgão pertencente à estrutura administrativa de determinada unidade da Federação” (STF, ADI 3.254-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 16-11-2005, v.u., DJ 02-12-2005, p. 02).

“Ação direta de inconstitucionalidade - Ajuizamento pelo Prefeito de São José do Rio Preto - Lei Municipal n°10.241/08 cria o serviço de fisioterapia e terapia ocupacional nas unidades básicas de saúde e determina que as despesas decorrentes 'correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário' - Matéria afeta à administração pública, cuja gestão é de competência do Prefeito - Vício de iniciativa configurado - Criação, ademais, de despesas sem a devida previsão de recursos - Inadmissibilidade - Violação dos artigos 5° e 25, ambos da Constituição Estadual - Inconstitucionalidade da lei configurada - Ação procedente” (ADI 172.331-0/1-00, Órgão Especial, Rel. Des. Walter de Almeida Guilherme, v.u., 22-04-2009).

Conclui-se, assim, à vista dos precedentes jurisprudenciais ora colacionados, que a Câmara Municipal de Guarujá não poderia legislar sobre a criação de Conselho Municipal e outros órgãos públicos porquanto essa matéria – a criação de órgão municipal – é de iniciativa reservada ao chefe do Poder Executivo.

Por fim, a arguição de ofensa ao art. 25 da Constituição Estadual, igualmente merece acolhida. A aferição da perspectiva de geração de nova despesa sem cobertura financeiro-orçamentária é evidente, dado o teor do art. 34 da legislação ora analisada.

Diante do exposto, o pedido deve ser julgado procedente para seja declarada a inconstitucionalidade em face da Lei n. 3.977, de 12 de novembro de 2012, do Município de Guarujá, que “Dispõe sobre a preservação do patrimônio cultural e natural do Município de Guarujá, cria o Conselho Municipal do Patrimônio Histórico, Artístico e Natural e institui o Fundo Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural”.

São Paulo, 9 de setembro de 2013.

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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