Parecer
Processo nº 0116902-85.2013.8.26.0000
Requerente: Prefeita do Município de Guarujá
Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Guarujá
Ementa:
1) Ação direta de inconstitucionalidade,
movida pela Prefeita, tendo por objeto a Lei n. 3.977, de 12 de novembro de
2012, do Município de Guarujá, que “Dispõe sobre a preservação do patrimônio
cultural e natural do Município de Guarujá, cria o Conselho Municipal do
Patrimônio Histórico, Artístico e Natural e institui o Fundo Municipal de
Proteção do Patrimônio Cultural”, de origem parlamentar.
2) Matéria de inciativa reservada:
criação de órgão público. Inteligência do art. 24, § 2º, 2, da CE. Precedentes
do STF e do TJ/SP. Violação dos arts. 5º, 25, 47, II, XIV e XIX, “a” e 144 da
Constituição Estadual.
3) Parecer pela procedência do pedido.
Colendo Órgão Especial,
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente:
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pela Prefeita Municipal, tendo por objeto a Lei n. 3.977, de 12 de novembro de 2012, do Município de Guarujá, que “Dispõe sobre a preservação do patrimônio cultural e natural do Município de Guarujá, cria o Conselho Municipal do Patrimônio Histórico, Artístico e Natural e institui o Fundo Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural”, sob o argumento de violação aos arts. 5º, 24, § 2º, “4”, 25, 47, II, XI, XIV e XVII, 144 e 174 da Constituição do Estado de São Paulo; art. 149, da Lei Orgânica do Município de Guarujá; e arts. ,2º, 61, § 1º, II, “c” e 167, I e II, da Constituição Federal.
O pedido de medida liminar foi deferido (fl. 96), para suspender a eficácia da lei impugnada.
Citada regularmente, a Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 107/109).
A Câmara Municipal de Guarujá, por meio de seu Presidente, prestou informações às fls. 111/115.
É a síntese do ocorrido nos autos.
Inicialmente insta observar, que eventual compatibilidade da lei local
com dispositivos da Lei Orgânica do Município ou da Constituição Federal não
merece cognição nesta via, pois, o contencioso de
constitucionalidade de lei ou ato normativo municipal tem como exclusivo
parâmetro a Constituição Estadual ainda que remissiva ou reprodutora da
Constituição Federal (art. 125, § 2º, Constituição Federal).
Já se decidiu que é “inviável
a análise de outra norma municipal para aferição da alegada
inconstitucionalidade da lei” (STF, AgR-RE 290.549-RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Dias
Toffoli, 28-02-2012, m.v., DJe 29-03-2012).
Pois bem. A Lei n. 3.977, de 12 de novembro de 2012, do Município de Guarujá, que “Dispõe sobre a preservação do patrimônio cultural e natural do Município de Guarujá, cria o Conselho Municipal do Patrimônio Histórico, Artístico e Natural e institui o Fundo Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural”, apresenta a seguinte redação:
“(....)
CAPÍTULO I
DAS
DEFINIÇÕES
Art. 1º A
preservação do patrimônio cultural do Município de Guarujá é dever de todos os
seus cidadãos.
Parágrafo
Único - O Poder Público Municipal dispensará proteção especial ao patrimônio
cultural do município, segundo os preceitos desta Lei e de sua regulamentação.
Art. 2º O
Patrimônio Cultural do Município de Guarujá é constituído pela paisagem natural
característica, por bens móveis ou imóveis, de natureza material ou imaterial,
tombados preferencialmente em conjunto, existentes em seu território e cuja
preservação seja de interesse público.
Art. 3º O
município procederá ao tombamento dos bens que constituem o seu cultural,
segundo os procedimentos e regulamentos desta lei, através do Conselho
Municipal do Patrimônio Cultural - COMPAC, igualmente criado por esta lei.
Art. 4º Fica
instituído o Livro do Tombo Municipal, destinado à inscrição dos bens que o
COMPAC considerar de interesse de preservação do município e o Livro de
Registro do Patrimônio Imaterial ou Intangível, destinado a registrar os
saberes, celebrações, formas de expressão, e outras manifestações intangíveis de
domínio público.
CAPÍTULO II
DO ÓRGÃO
MUNICIPAL DO PATRIMÔNIO CULTURAL
Art. 5º Fica
criado o Órgão Municipal Baronesa Esther Sant`Anna de Almeida Karwinsky
destinado a cuidar das questões do patrimônio cultural do município,
subordinado à Secretaria Municipal da Cultura ou seu equivalente.
§ 1º Este
órgão será formado por equipe técnica habilitada para as análises e propostas
pertinentes ao desempenho de suas funções.
§ 2º São
funções do referido órgão:
1) Coordenar
as pesquisas e levantamentos do patrimônio cultural do município.
2) Organizar
e cuidar do arquivo que se encarregará de guardar a documentação pertinente ao
que se refere esta lei, em especial, os livros de Registro e Tombo.
3) Elaborar
estudos e pareceres, bem como organizar vistorias ou quaisquer outras medidas
destinadas a instruir e encaminhar os processos de tombamento.
4) Assessorar
a Secretaria Municipal de Cultura ou seu equivalente no estabelecimento de um
projeto de educação patrimonial, em conjunto com a Secretaria Municipal de
Educação ou seu equivalente e a Secretaria Municipal de Meio Ambiente ou seu
equivalente.
5) Propor o
estabelecimento de acordos de cooperação com outras instituições, públicas ou
privadas, em especial com a Coordenadoria do Patrimônio Cultural da Secretaria
de Estado da Cultura.
6) Determinar
a execução de obras imprescindíveis à conservação do bem tombado, bem como
orientar e acompanhar as obras de restauração e/ou adequação do mesmo.
CAPÍTULO III
DO CONSELHO
MUNICIPAL DE PATRIMÔNIO CULTURAL
Art. 6º Fica
criado o Conselho Municipal de Patrimônio Cultural, de caráter consultivo e
deliberativo, integrante da Secretaria Municipal de Cultura.
§ 1º O
Conselho será composto pelo Secretário Municipal da Cultura ou seu equivalente,
na condição de Presidente, pelo Chefe do Órgão Municipal de Patrimônio
Cultural, na condição de Secretário, por um representante da Secretaria
Municipal de Meio Ambiente, por representante da Secretaria Municipal de
Educação, por um representante indicado pela Coordenadoria do Patrimônio Cultural
da Secretaria de Estado da Cultura, por um representante indicado pela
Secretaria do Meio Ambiente do estado de São Paulo, e mais 7 (sete) membros
nomeados pelo Prefeito Municipal, por indicação do Secretário Municipal de
Cultura, que deverão ser escolhidos entre quaisquer pessoas físicas ou
jurídicas legalmente constituídas que tenham atuação reconhecida na proteção do
Patrimônio Cultural.
Contará,
ainda, com 7 (sete) suplentes, cujos poderes e requisitos serão regulamentados
pelo Regimento Interno do COMPAC.
§ 2º Em cada
processo, após a respectiva instrução e encaminhamento pelo Órgão Municipal de
Patrimônio Cultural, a critério de qualquer conselheiro, poderá ser ouvida a
opinião de especialistas que poderão ser técnicos profissionais da área de conhecimento
específico ou representantes da comunidade de interesse do bem em análise.
§ 3º O
exercício das funções de conselheiro é considerado de relevante interesse
público e não poderá ser remunerado.
§ 4º O
Conselho elaborará o seu regimento interno no prazo de 45 (quarenta e cinco)
dias após a posse de seus conselheiros.
CAPÍTULO IV
DO PROCESSO
DE TOMBAMENTO
Art. 7º Para
inscrição em qualquer dos Livros do Tombo será instaurado o processo que se
inicia por iniciativa:
1) de
qualquer pessoa física ou jurídica legalmente constituída;
2) de
entidades organizadas;
3) e da
Secretaria Municipal de Cultura.
§ 1º Caberá
ao Órgão Municipal do Patrimônio Cultural da Secretaria Municipal de Cultura ou
seu equivalente a tarefa de instruir o processo de tombamento para posterior
apreciação e votação do COMPAC.
§ 2º O
requerimento de solicitação de tombamento será dirigido ao Órgão Municipal do
Patrimônio Cultural da Secretaria Municipal de Cultura ou seu equivalente e
será protocolado no Protocolo Geral da Prefeitura Municipal.
Art. 8º O
Conselho Municipal de Patrimônio Cultural - COMPAC poderá propor o tombamento
de bens móveis e imóveis já tombados pelo Estado de São Paulo e/ou pela União.
Art. 9º Os
requerimentos de que trata o § 2º do Art. 7º poderão ser indeferidos pelo Órgão
Municipal do Patrimônio Cultural com fundamento em parecer técnico, caso em que
caberá recurso ao COMPAC.
Art. 10 -
Sendo o requerimento para tombamento, solicitado por qualquer uma das
iniciativas descritas no Art. 7º, deferido, o proprietário será notificado pelo
Correio, através de aviso de recebimento (A.R.), para, no prazo de 20 (vinte)
dias, se assim o quiser, oferecer impugnação.
Parágrafo
Único - Quando ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontra o
proprietário, a notificação far-se-á por edital, publicado uma vez no Diário
Oficial do Município e, pelo menos, duas vezes em jornal de circulação diária
da Região Metropolitana.
Art. 11 -
Todo o tombamento levará em conta o entorno, que deverá estar claramente
delimitado, e a paisagem natural na qual o bem está inserido. Esta situação
deverá ter suas questões ambientais consideradas, tais como o trânsito de
veículos (emissão de gases poluentes, trepidação etc.), estacionamentos, coleta
de resíduos etc.
Art. 12 -
Instaurado o processo de tombamento ou o inventário dos bens de interesse de
preservação, passam a incidir sobre o bem as limitações ou restrições
administrativas próprias do regime de preservação de bem tombado, até a decisão
final.
Art. 13 -
Decorrido o prazo determinado no Artigo 10º, havendo ou não impugnação, o
processo será encaminhado ao COMPAC para julgamento.
Art. 14 - O
COMPAC poderá solicitar ao Órgão Municipal do Patrimônio Cultural da Secretaria
Municipal da Cultura ou seu equivalente novos estudos, pareceres, vistorias ou
qualquer medida que julgue necessária para melhor orientar o julgamento.
Parágrafo
Único - O prazo final para julgamento, a partir da data de entrada do processo
no COMPAC, será de 60 (sessenta) dias, prorrogáveis por mais 60 (sessenta), se
necessárias medidas externas.
Art. 15 - A
sessão de julgamento será pública e poderá ser concedida a palavra a qualquer
pessoa física ou jurídica que queira se manifestar, a critério do COMPAC.
Art. 16 - Na
decisão do COMPAC que determinar o tombamento, deverá constar:
1) Descrição
detalhada e documentação do bem.
2)
Fundamentação das características pelas quais o bem será incluído no Livro do
Tombo, ou Livro de Registro.
3) Definição
e delimitação da preservação e os parâmetros de futuras intervenções: para o
bem natural, um Plano de Manejo, e para o bem arquitetônico, um Plano de Uso e
utilizações.
4) As
limitações impostas ao entorno e à paisagem do bem tombado, quando necessário.
5) No caso de
bens móveis, os procedimentos que deverão instruir a sua saída do Município, e
6) No caso de
tombamento de coleção de bens, relação das peças componentes da coleção e
definição de medidas que garantam sua integridade.
Art. 17 - A
decisão do COMPAC que determina a inscrição definitiva do bem no Livro do Tombo
ou Livro de Registro será publicada no Diário Oficial, oficiada, quando for o
caso, ao Registro de Imóveis para os bens imóveis e ao Registro de Títulos e
Documentos para os bens móveis.
Art. 18 - Se
a decisão do COMPAC for contrária ao tombamento, imediatamente serão suspensas
as limitações impostas pelo Artigo 12 da presente lei.
CAPÍTULO V
DA PROTEÇÃO E
CONSERVAÇÃO DE BENS TOMBADOS
Art. 19 -
Cabe ao proprietário do bem tombado a proteção e conservação do mesmo.
Art. 20 - As
Secretarias Municipais e demais órgãos da Administração Pública Direta ou
Indireta, deverão ser notificados dos tombamentos e, no caso de concessão de
licenças, alvarás e outras autorizações para construção, reforma e utilização,
desmembramento de terrenos, poda ou derrubadas de espécies vegetais, deverão
consultar o Órgão Municipal de Patrimônio Cultural da Secretaria Municipal da
Cultura antes de qualquer deliberação, respeitando ainda as respectivas áreas
envoltórias.
Art. 21 -
Cabe ao poder público municipal a instituição de incentivos legais que
estimulem o proprietário ao cumprimento do Artigo 19 e aqueles que vierem a ser
instituídos mediante a edição desta lei.
Art. 22 - O
bem tombado não poderá ser descaracterizado.
§ 1º A
restauração, reparação ou adequação do bem tombado, somente poderá ser feita em
cumprimento aos parâmetros estabelecidos na decisão do COMPAC, cabendo ao Órgão
Municipal de Patrimônio Cultural da Secretaria Municipal de Cultura a
conveniente orientação e acompanhamento de sua execução.
§ 2º Havendo
dúvidas em relação às prescrições do COMPAC, haverá novo pronunciamento que, em
caso de urgência, poderá ser feito, ad referendum, pelo Órgão Municipal de
Patrimônio Cultural da Secretaria Municipal de Cultura.
Art. 23 - As
construções, demolições, paisagismo, no entorno ou paisagem do bem tombado
deverão seguir as restrições impostas por ocasião do tombamento. Em caso de
dúvida ou omissão deverá ser ouvido o COMPAC.
Art. 24 -
Ouvido o COMPAC, Órgão Municipal de Patrimônio Cultural da Secretaria Municipal
de Cultura, poderá determinar ao proprietário a execução de obras
imprescindíveis à conservação do bem tombado, fixando prazo para o seu início e
término.
§ 1º Este ato
do Órgão Municipal de Patrimônio Cultural da Secretaria Municipal de Cultura
será de ofício, em função da fiscalização que lhe compete ou por solicitação de
qualquer cidadão.
§ 2º Se o
órgão municipal não determinar as obras solicitadas por qualquer cidadão, no
prazo de 30 (trinta) dias, caberá recurso ao COMPAC que avaliará a sua efetiva
necessidade e decidirá sobre a determinação, no prazo de 15 (quinze) dias.
Art. 25 - Não
cumprindo, o proprietário do bem tombado, o prazo fixado para início das obras
recomendadas, a Prefeitura Municipal as executará, lançando em dívida ativa o
montante expendido, salvo em caso de comprovada incapacidade financeira do
proprietário.
Art. 26 - O
Poder Público Municipal poderá se manifestar quanto ao uso do bem tombado, de
sua vizinhança e da paisagem, quando houver risco de dano, ainda que importe em
cassação de alvarás.
Art. 27 - No
caso de extravio ou furto do bem tombado, o proprietário deverá dar
conhecimento do fato ao COMPAC no prazo de 48 horas, sob pena de não o fazendo
incidir multa de 100 % (cem por cento) do valor do objeto.
Art. 28 - O
deslocamento ou transferência de propriedade do bem móvel tombado deverá ser
comunicado ao Órgão Municipal de Patrimônio Cultural da Secretaria Municipal de
Cultura, pelo proprietário, possuidor, adquirente ou interessado.
Parágrafo
Único - Qualquer venda judicial de bem tombado deverá ser autorizada pelo
município, cabendo a este o direito de preferência.
CAPÍTULO VI
DAS
PENALIDADES
Art. 29 - A
infração a qualquer dispositivo da presente Lei implicará em multa de até 100
(cem) UFG (Valor de Referência Municipal) e se houver como consequência
demolição, destruição ou mutilação do bem tombado, de até 1.000 (mil) UFG.
Parágrafo
Único - A aplicação da multa não desobriga a conservação e/ou a restauração do
bem tombado.
Art. 30 - As
multas terão seus valores fixados através de decreto regulamentar, conforme a
gravidade da infração, e serão fiscalizadas pelo Órgão Municipal de Patrimônio
Cultural da Secretaria Municipal de Cultura, devendo o montante ser recolhido à
Fazenda Municipal, no prazo de até 05 (cinco) dias da notificação, ou no mesmo
prazo ser interposto recurso ao COMPAC.
Art. 31 -
Todas as obras e coisas construídas ou colocadas em desacordo com os parâmetros
estabelecidos no tombamento ou sem observação da ambientação ou visualização do
bem tombado, deverão ser demolidas ou retiradas. Se o responsável não o fizer
no prazo determinado pelo Órgão Municipal de Patrimônio Cultural da Secretaria
Municipal de Cultura, o Poder Público o fará e será ressarcido pelo
responsável.
Art. 32 -
Todo aquele que, por ação ou omissão, causar dano ao bem tombado responderá
pelos custos de restauração ou reconstrução e por perdas e danos, sem prejuízo
da responsabilidade criminal, feita a comunicação ao Ministério Público, com o
envio de documentos, para os casos das infrações previstas.
CAPÍTULO VII
DO FUNDO DE
PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL DE GUARUJÁ
Art. 33 -
Fica instituído o Fundo de Proteção do Patrimônio Cultural do Município de
Guarujá, gerido e representado ativa e passivamente pelo COMPAC, cujos recursos
serão destinados à execução de serviços e obras de manutenção e reparos dos
bens tombados, assim como a sua aquisição na forma a ser estipulada em
regulamento.
Art. 34 -
Constituirão receita do Fundo de Proteção do Patrimônio Cultural do Município
de Guarujá:
1) Dotações
orçamentárias;
2) Doações e
legados de terceiros;
3) O produto
das multas aplicadas com base nesta lei;
4) Os
rendimentos provenientes da aplicação dos seus recursos; e
5) Quaisquer
outros recursos ou rendas que lhe sejam destinados.
Art. 35 - O
Fundo de Proteção do Patrimônio Cultural poderá justar contrato de
financiamento ativo ou passivo, bem como celebrar convênios ou acordos, com
pessoas físicas ou jurídicas, tendo por objetivo as finalidades do Fundo.
Art. 36 - O
Fundo de Proteção do Patrimônio Cultural funcionará junto à Secretaria
Municipal de Cultura, sob a orientação do COMPAC.
Art. 37 -
Aplicar-se-ão ao Fundo de Proteção do Patrimônio Cultural as normas legais de
controle, prestação e tomadas de contas em geral, sem prejuízo de competência
específica do Tribunal de Contas.
Art. 38 - Os
relatórios de atividades, receitas e despesas do Fundo de Proteção do
Patrimônio Cultural serão apresentados semestralmente à Secretaria Municipal de
Finanças.
CAPÍTULO VIII
DAS
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 39 - O
Poder Público Municipal procederá a regulamentação da presente lei, naquilo que
for necessário, no prazo de 90 (noventa) dias a contar de sua publicação.
Art. 40 -
Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogando-se as
disposições em contrário.
(....)”
Referida legislação de origem parlamentar criou o Conselho Municipal do Patrimônio Histórico, Artístico e Natural, o Órgão Municipal Baronesa Esther Sant’Anna de Almeida Karwinsky e instituiu o Fundo Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural.
Entretanto, a criação de Conselho Municipal e de órgão municipal trata-se evidentemente de matéria referente à Administração Pública, cuja gestão é de competência exclusiva do Prefeito.
Ensina a doutrina que os “conselhos são organismos públicos destinados a assessoramento de alto nível e de orientação e até de deliberação em determinado campo de atuação governamental”.
É ponto pacífico que “as regras do processo
legislativo federal, especialmente as que dizem respeito à iniciativa
reservada, são normas de observância obrigatória pelos Estados-membros” (STF,
ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.).
Como desdobramento particularizado do
princípio da separação dos poderes (art. 5º da Constituição Estadual), a
Constituição do Estado de São Paulo prevê no art. 24, § 2º, 2, iniciativa
legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo (aplicável na órbita
municipal por obra de seu art. 144) para “a criação e extinção das Secretarias
de Estado e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 47,
XIX “a”, o que compreende a fixação ou alteração das atribuições dos órgãos da
Administração Pública direta.
Nesse sentido:
"Processo
legislativo: reserva de iniciativa ao Poder Executivo (CF, art. 61, § 1º, e): regra de absorção compulsória pelos
Estados-membros, violada por lei local de iniciativa parlamentar que criou
órgão da administração pública (Conselho de Transporte da Região Metropolitana
de São Paulo-CTM): inconstitucionalidade." (ADI 1.391, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 9-5-2002, Plenário, DJ de 7-6-2002.)
"Lei do
Estado de São Paulo. Criação de Conselho Estadual de Controle e Fiscalização do
Sangue (COFISAN), órgão auxiliar da Secretaria de Estado da Saúde. Lei de
iniciativa parlamentar. Vício de iniciativa. Inconstitucionalidade reconhecida.
Projeto de lei que visa a criação e estruturação de órgão da administração
pública: iniciativa do chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, e, CF/1988). Princípio da simetria." (ADI 1.275, Rel.Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 16-5-2007, Plenário, DJ de 8-6-2007.) No mesmo sentido: ADI 3.179, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 27-5-2010, Plenário, DJE de 10-9-2010; ADI 2.730, Rel. Cármen Lúcia, julgamento em 5-5-2010, Plenário, DJE de 28-5-2010.
"Lei
9.162/1995 do Estado de São Paulo. Criação e organização do Conselho das
Instituições de Pesquisa do Estado de São Paulo – CONSIP. Estrutura e
atribuições de órgãos e Secretarias da Administração Pública. Matéria de
iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo. Precedentes." (ADI 3.751, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 4-6-2007, Plenário, DJ de 24-8-2007.)
Também prevê no art. 47 (aplicável na
órbita municipal por obra de seu art. 144) competência privativa do Chefe do
Poder Executivo. O dispositivo consagra a atribuição de governo do Chefe do
Poder Executivo, traçando suas competências próprias de administração e gestão
que compõem a denominada reserva de Administração, pois, veiculam matérias de
sua alçada exclusiva, imunes à interferência do Poder Legislativo.
A
alínea a do inciso XIX desse art. 47
fornece ao Chefe do Poder Executivo a prerrogativa de dispor mediante decreto
sobre “organização e funcionamento da administração estadual, quando não
implicar aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos”, em
preceito semelhante ao art. 84, VI, a,
da Constituição Federal. Por sua vez, os incisos II e XIV estabelecem
competir-lhe o exercício da direção superior da administração e a prática dos
demais atos de administração, nos limites da competência do Poder Executivo.
A
inconstitucionalidade transparece exatamente pelo divórcio da iniciativa
parlamentar da lei local com esses preceitos da Constituição Estadual.
Pois,
ao disciplinar serviços administrativos, de um lado, ela viola o art. 47, II,
XIV e XIX, a, no estabelecimento de
regras que respeitam à direção da Administração e à organização e ao
funcionamento do Poder Executivo, matéria essa que é da alçada da reserva da
Administração, e de outro, ela ofende o art. 24, § 2º, 2, na medida em que
impõe atribuição ao Poder Executivo, assunto cuja iniciativa legislativa lhe é
reservada.
Neste sentido, a jurisprudência:
“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. LEI QUE ATRIBUI TAREFAS AO DETRAN/ES, DE
INICIATIVA PARLAMENTAR: INCONSTITUCIONALIDADE. COMPETÊNCIA DO CHEFE DO PODER
EXECUTIVO. C.F, art. 61, § 1°, n,
e, art. 84, II e VI. Lei
7.157, de 2002, do Espírito Santo.
I. - É de iniciativa do Chefe do Poder Executivo a proposta de lei que vise
a criação, estruturação e atribuição de órgãos da administração pública:
C.F, art. 61, § 1°, II, e, art.
84, II e VI.
II. - As regras do processo legislativo federal, especialmente as que dizem
respeito à iniciativa reservada, são normas de observância obrigatória pelos
Estados-membros.
III. - Precedentes do STF.
IV - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente” (STF, ADI
2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.).
“É indispensável a iniciativa do Chefe do Poder Executivo (mediante projeto de lei ou mesmo, após a EC 32/01, por meio de decreto) na elaboração de normas que de alguma forma remodelem as atribuições de órgão pertencente à estrutura administrativa de determinada unidade da Federação” (STF, ADI 3.254-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 16-11-2005, v.u., DJ 02-12-2005, p. 02).
“Ação direta de inconstitucionalidade - Ajuizamento pelo Prefeito de São José do Rio Preto - Lei Municipal n°10.241/08 cria o serviço de fisioterapia e terapia ocupacional nas unidades básicas de saúde e determina que as despesas decorrentes 'correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário' - Matéria afeta à administração pública, cuja gestão é de competência do Prefeito - Vício de iniciativa configurado - Criação, ademais, de despesas sem a devida previsão de recursos - Inadmissibilidade - Violação dos artigos 5° e 25, ambos da Constituição Estadual - Inconstitucionalidade da lei configurada - Ação procedente” (ADI 172.331-0/1-00, Órgão Especial, Rel. Des. Walter de Almeida Guilherme, v.u., 22-04-2009).
Conclui-se,
assim, à vista dos precedentes jurisprudenciais ora colacionados, que a Câmara Municipal
de Guarujá não poderia legislar sobre a criação de Conselho Municipal e outros
órgãos públicos porquanto essa matéria – a criação de órgão municipal – é de
iniciativa reservada ao chefe do Poder Executivo.
Por fim, a arguição de ofensa ao art. 25 da
Constituição Estadual, igualmente merece acolhida. A aferição da perspectiva de
geração de nova despesa sem cobertura financeiro-orçamentária é evidente, dado
o teor do art. 34 da legislação ora analisada.
Diante do exposto, o pedido deve ser julgado procedente
para seja declarada a inconstitucionalidade em face da Lei n. 3.977, de 12 de
novembro de 2012, do Município de Guarujá, que “Dispõe sobre a preservação do
patrimônio cultural e natural do Município de Guarujá, cria o Conselho
Municipal do Patrimônio Histórico, Artístico e Natural e institui o Fundo Municipal
de Proteção do Patrimônio Cultural”.
São Paulo, 9 de setembro de 2013.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
vlcb