Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 0117845-05.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Catanduva

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Catanduva

 

 

 

Constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 5.404, de 23 de abril de 2013, do Município de Catanduva. Estacionamento em vias públicas. Inconstitucionalidade. Separação de poderes. Reserva de Administração. Procedência da ação. É inconstitucional lei local, de iniciativa parlamentar, que institui nas vias públicas, em frente a drogarias e farmácias, vaga de estacionamento de curta duração, por se situar a matéria no âmbito da reserva de Administração, decorrente do princípio da separação de poderes (arts. 5º e 47, II e XIV, CE), ao refletir o exercício da gestão administrativo-patrimonial sobre a utilização privativa de bens públicos de uso comum do povo. Criação de novas despesas sem a indicação dos recursos disponíveis, próprios para atender aos novos encargos (art. 25 da CE)

 

Colendo Órgão Especial:

 

1.                Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade contestando a Lei n. 5.404, de 23 de abril de 2013, do Município de Catanduva, de iniciativa parlamentar, sob alegação de violação ao princípio da separação de poderes, acarretado pelo vício de iniciativa.

2.                Concedida liminar (fls. 24/25), a Câmara Municipal prestou informações (fls. 33/35) e a douta Procuradoria Geral do Estado declinou de sua intervenção (fls. 55/56).

3.                É o relatório.

4.                A Lei n. 5.404 de 23 de abril de 2013, do Município de Catanduva, assim dispõe:

         "Art. 1º - Fica autorizado o estacionamento gratuito de veículos de clientes em frente às drogarias e farmácias do município de Catanduva durante seu horário de funcionamento.

         § 1º - O estacionamento gratuito de que trata o caput será permitido pelo tempo máximo de 10 (dez) minutos.

         § 2º - Ficam proibidos o estacionamento e a parada de veículos em frente às drogarias e farmácias deste Município a qualquer outro título que não o previsto nesta Lei, salvo nos dias e horários em que os estabelecimentos não estiverem funcionando.

         Art. 3º - Caberá ao Executivo através da Secretaria específica, no prazo de 90 (noventa) dias a partir da publicação da presente Lei, a confecção e colocação das placas de sinalização em frente aos estabelecimentos, bem como a sinalização de solo.

         Art. 4º - As despesas decorrentes da execução da presente Lei, correrão por conta de dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.

         Art. 5º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário."

5.                A disciplina do uso privativo de bem público, como é o estacionamento rotativo por tempo limitado em vias e logradouros públicos, é típico ato de polícia administrativa.

6.                O estacionamento (remunerado ou não) rotativo em vias e logradouros públicos reflete o exercício da gestão administrativo-patrimonial sobre a utilização privativa de bens públicos de uso comum do povo. E sob este ângulo, denota-se a violação ao princípio da separação dos poderes pela usurpação da reserva da administração, perceptível dos incisos II e XIV do art. 47 c.c. o art. 5º, da Constituição Estadual, aplicável aos Municípios por força de seu art. 144.

7.                Julgado deste colendo Órgão Especial ressalta a importância do princípio da reserva de administração no contexto da separação de poderes (TJSP, ADI 172.331-0/1-00, Rel. Des. Walter de Almeida Guilherme, v.u., 22-04-2009), ao acolher acórdão do Supremo Tribunal que está assim ementado:

“RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO E SEPARAÇÃO DE PODERES. - O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo. Precedentes. Não cabe, desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham sido editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas privativas atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultra vires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais” (STF, ADI-MC 2.364-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 01-08-2001, DJ 14-12-2001, p. 23).

8.                E este colendo Órgão Especial assim julgou questão semelhante:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei Municipal n° 7.192 de 17/11/2008, de Jundiaí, de iniciativa de vereador, vetada pelo Prefeito, cujo veto foi rejeitado pela Câmara Municipal, sendo promulgada pelo Presidente desta - Alegação de inconstitucionalidade por violação do principio da independência dos Poderes (artigo 5º, caput, da Constituição Estadual) – Alegação procedente porque a lei disciplina como a responsabilização de empresa operadora de estacionamento rotativo de veículos - Matéria típica de Administração de competência exclusiva do Prefeito – Ação procedente” (TJSP, ADI 176.012-0/5-00, Rel. Des. Antonio C. Malheiros, v.u., 22-09-2009).

9.      Note-se, por fim, que a lei, ao prever em seu art. 3º que o Executivo deverá, no prazo de 90 dias, providenciar a "confecção e colocação das placas de sinalização em frente dos estabelecimentos", acaba por gerar aumento de despesa sem indicação da fonte e, destarte, colide com as disposições do artigo 25, da Constituição Bandeirante.

10. Esse Sodalício, aliás, tem declarado a inconstitucionalidade de leis municipais que infringem esses comandos:

"LEI MUNICIPAL QUE, DEMAIS IMPÕE INDEVIDO AUMENTO DE DESPESA PÚBLICA SEM A INDICAÇÃO DOS RECURSOS DISPONÍVEIS, PRÓPRIOS PARA ATENDER AOS NOVOS ENCARGOS (CE, ART 25). COMPROMETENDO A ATUAÇÃO DO EXECUTIVO NA EXECUÇÃO DO ORÇAMENTO - ARTIGO 176, INCISO I, DA REFERIDA CONSTITUIÇÃO, QUE VEDA O INÍCIO DE PROGRAMAS. PROJETOS E ATIVIDADES NÃO INCLUÍDOS NA LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL (ADIn 142.519-0/5-00, rel. Des. Mohamed Amaro, 15.8.2007).

11.              Não se percebe, contudo, infração ao art. 180 e seguintes da Constituição do Estado de São Paulo, por não refletir a presente Lei qualquer alteração de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, não havendo necessidade, no caso, de participação popular para deliberação a respeito de determinação de local destinado a estacionamento ou parada em via pública.

12.              Opino pela procedência da ação para declaração de inconstitucionalidade da Lei n. 5.404, de 23 de abril de 2013, do Município de Catanduva, por ofensa aos arts. 5º, 25 e 47, II e XIV, da Constituição Estadual.

                   São Paulo, 30 de agosto de 2013.

 

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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