Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 0118819-42.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Santo André

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Santo André

 

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 9.443, de 12 de dezembro de 2012, do Município de Santo André, de iniciativa parlamentar, que “Dispõe sobre a implantação e monitoramento de Gestão Ambiental. Coleta seletiva de lixo residencial, industrial e de óleo de cozinha”.

2)      Inconstitucionalidade parcial. Encontra-se na reserva da Administração e na iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo a instituição de programas, campanhas e serviços administrativos, sendo ainda inconstitucional a lei de iniciativa parlamentar pela ausência de fonte para cobertura de novos gastos públicos (art. 25 da Constituição Estadual).  Violação do princípio da separação de poderes (arts. 5º, 24, § 2º, 2, 47, II, XIV e XIX, e 144 da Constituição do Estado).

3)      Obrigatoriedade de observância nos projetos da área de construção civil de percentual equivalente a 30% (trinta por cento) de utilização de fontes energéticas renováveis (energia solar ou eólica) bem como o mesmo percentual na reutilização de água (chuva água de reuso). Questão atinente às posturas municipais, impondo obrigação positiva, não caracterizando a iniciativa parlamentar violação à separação dos poderes porque não respeita à reserva de iniciativa legislativa nem a de Administração.

 

Colendo Órgão Especial,

Senhor Desembargador Relator:

 

Tratam estes autos de ação direta de inconstitucionalidade, tendo como alvo a Lei nº 9.443, de 12 de dezembro de 2012, do Município de Santo André, de iniciativa parlamentar, que “Dispõe sobre a implantação e monitoramento de Gestão Ambiental. Coleta seletiva de lixo residencial, industrial e de óleo de cozinha”.

Sustenta o requerente que a lei é inconstitucional por apresentar vício de iniciativa, violar o princípio da separação dos poderes e criar despesa sem indicação fonte de recurso. Daí, a afirmação de violação do art. 5º da Constituição Estadual.

Foi indeferida a liminar para a suspensão da eficácia do ato normativo impugnado (fl. 87)

Citado regularmente (fl. 95), o Procurador-Geral do Estado declinou de realizar a defesa do ato normativo impugnado, afirmando tratar de matéria de interesse exclusivamente local (fls. 98/99).

Devidamente notificado (fl. 96), o Presidente da Câmara Municipal apresentou informações às fls. 101/107, requerendo a revogação da liminar por entender ter sido violada a cláusula de reserva de plenário. Levantou preliminar de inadequação da via eleita por pretender confrontar a lei municipal com a Constituição Federal. No mérito defendeu a validade do ato normativo impugnado.

Nestas condições vieram os autos para manifestação desta Procuradoria-Geral de Justiça.

DAS PRELIMINARES

1.   Da Alegação de violação à cláusula de reserva de plenário

Nos termos da Súmula Vinculante nº 10 do Supremo Tribunal Federal a obrigatoriedade de observância da cláusula de reserva de plenário aplica-se apenas a decisão de órgão fracionário de tribunal, turma, câmara ou seção.

A decisão foi proferida em sede cautelar, razão pela qual não se faz necessária a aplicação da cláusula de reserva de plenário estabelecida no art. 97 da Constituição da República.

A cláusula constitucional de reserva de plenário, insculpida no art. 97 da CF, fundada na presunção de constitucionalidade das leis, não impede que os órgãos fracionários ou os membros julgadores dos tribunais, quando atuem monocraticamente, possam acolher pedido liminar para suspensão da eficácia do ato normativo impugnado em sede de ação direta de inconstitucionalidade.

O art. 97 objetiva que a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público seja declarada apenas pelo voto da maioria absoluta dos membros de um Tribunal ou dos membros do seu respectivo órgão especial. Desta forma, o conteúdo da declaração a que se refere o art. 97 da Constituição da República é a que se dá em sede de decisão definitiva de mérito, e não em decisão cautelar na qual, precariamente, se analisa apenas a presença dos requisitos da fumaça do bom direito e do perigo da demora para fins de seu deferimento, conforme se deu na espécie vertente.

Desta forma, a precariedade da decisão proferida na ação direta de inconstitucionalidade impede seja reconhecido o alegado desrespeito ao art. 97 da Constituição da República e à Súmula Vinculante nº 10 do Supremo Tribunal.

2.   Da alegação de inadequação da via eleita

Não se pretende confrontar a Lei Municipal impugnada com a Constituição Federal.

Embora mencionados alguns dispositivos da Constituição Federal, o requerente afirmou existência de vício de iniciativa e violação do princípio constitucional da independência e da harmonia entre os poderes, fazendo menção expressa ao art. 5º da Constituição Estadual.   

De qualquer forma a ação direta estadual é processo objetivo de verificação da incompatibilidade entre a lei e a Constituição do Estado. Por essa razão é possível aferir-se a ilegitimidade constitucional do ato normativo impugnado à luz de preceitos e fundamentos constitucionais estaduais não mencionados na petição inicial.

A causa de pedir consiste na violação a Constituição Estadual, razão pela qual tem sido denominada como causa de pedir aberta possibilitando no controle concentrado de constitucionalidade o acolhimento por fundamento ou parâmetro não apontado na inicial.

A propósito, anota Juliano Taveira Bernardes que no processo objetivo, “Segundo o STF, o âmbito de cognoscibilidade da questão constitucional não se adstringe aos fundamentos constitucionais invocados pelo requerente, pois abarca todas as normas que compõe a Constituição Federal. Daí, a fundamentação dada pelo requerente pode ser desconsiderada e suprida por outra encontrada pela Corte” (Controle abstrato de constitucionalidade, São Paulo, Saraiva, 2004, p. 436).

Assim vem decidindo o Col. STF:

“(...)

Ementa: constitucional. (...). 'Causa petendi' aberta, que permite examinar a questão por fundamento diverso daquele alegado pelo requerente. (...) (ADI 1749/DF, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI, Rel. p. acórdão Min. NELSON JOBIM, j. 25/11/1999, Tribunal Pleno , DJ 15-04-2005, PP-00005, EMENT VOL-02187-01, PP-00094, g.n.).

(...)”

Confira-se ainda, nesse mesmo sentido: ADI 3576/RS, Rel. Min. ELLEN GRACIE, j. 22/11/2006, Tribunal Pleno, DJ 02-02-2007, PP-00071, EMENT VOL-02262-02, PP-00376.

NO MÉRITO

Procede em parte o pedido.

A Lei nº 9.443, de 12 de dezembro de 2012, do Município de Santo André, de iniciativa parlamentar, que “Dispõe sobre a implantação e monitoramento de Gestão Ambiental. Coleta seletiva de lixo residencial, industrial e de óleo de cozinha”, promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal, após rejeição do veto do Executivo, tem a seguinte redação:

“Art. 1º Fica instituída a coleta seletiva de lixo residencial municipal, que será disciplinada, regida e monitorada pela Gestão Municipal, para atender às questões ambientais e relacionadas ao cuidado e à preservação da natureza.

I – A primeira fase consiste em ações de marketing institucional (panfletagem, divulgação via Web, através de site e e-mail, telemarketing, outdoors e quaisquer outros mecanismos de divulgação que contemplem o plano de mídia municipal) voltadas à conscientização da população na pré-seleção do resíduo doméstico, informando os tipos de resíduos, sua destinação e datas de recolhimento.

§ 1º Às segundas e quartas-feiras serão recolhidos os resíduos orgânicos e não passíveis de reciclagem ou reutilização, os mesmos serão destinados aos aterros devidamente cadastrados e regularizados de utilização do município.

§ 2º Às sextas-feiras, a coleta de lixo recolherá apenas os resíduos recicláveis como papel, papelão, plástico, metal e similares, que serão destinados às usinas de reciclagem instaladas no município.

II – Após 6 (seis) meses do início das ações de marketing (1ª fase), as empresas de coleta de lixo municipal iniciarão as coletas, uma vez por semana, apenas os resíduos recicláveis, restando os dias seguintes de coleta para os detritos orgânicos, denominando-se esta como a 2ª fase.

Durante 1 (um) ano, as diligências da fiscalização realizadas pelo departamento competente da Prefeitura, que serão feitas por amostragem, apenas atuarão na manutenção da informação e instrução junto à população, constituindo este módulo como a segunda fase.

III – Após o período da 2ª fase, instrutivo e informativo, a Gestão Municipal realizará um segundo período de ações de marketing nos mesmos canais da 1ª fase, este contemplando 1 (um) mês, informando a data a partir da qual serão aplicadas multas às residências que forem flagradas dispensando resíduos fora da especificação da pré-seleção ou fora da data.

IV – As multas terão o valor de R$.10,00 (dez reais), sendo gradativas em caso de reincidência, acrescidas de 20% (vinte por cento).

V – A Gestão Municipal deverá, durante o processo da 1ª fase, instalar uma ou mais usinas de reciclagem no município ou mesmo dar condições de operação às já existentes, que trabalharão no manuseio e seleção final dos resíduos residenciais, gerando empregos para a população de baixa renda, não podendo ter fins lucrativos, atuando como filantropia ou cooperativa. A verba excedente à remuneração dos trabalhadores dessas usinas será aplicada em projetos voltados ao Meio Ambiente e que tenham votação exercida na Câmara de Vereadores.

VI – Os valores referentes às autuações serão cobrados no final do carnê do IPTU do ano seguinte.

VII – Em relação aos resíduos orgânicos, o Município deverá encaminhar, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) para usinas de transformação em implementos agrícolas (adubos) pré-instaladas durante a primeira fase do projeto (6 meses), o restante deve ser encaminhado a aterros credenciados preferencialmente ecologicamente corretos.

Art. 2º Fica instituída a coleta seletiva de lixo industrial, comercial e em instituições públicas municipais, que serão disciplinadas, regidas e monitoradas pela Gestão Municipal para atender às questões ambientais e relacionadas ao cuidado e preservação da natureza.

§ 1º Acompanhando do “PNR”, Plano Nacional de Resíduos, toda indústria será responsável pelo resíduo sólido que gerar, sendo obrigada a coletar nas vias públicas e terrenos do Município, resíduos relacionados ao bem que produzem bem como informar o destino dos mesmos, sujeito às penas previstas na lei.

§ 2º As diretrizes de ações de marketing institucional bem como as fases da aplicação da lei para indústrias, comércios e instituições públicas obedecerão  às mesmas regras citadas no Art. 1º deste documento, tendo inclusive, a mesma data inicial.

§ 3º O comércio fica obrigado a realizar todas as rotinas de pré-seleção e dispensa de seus resíduos, conforme o Art. 1º deste documento, seguindo as mesmas diretrizes da coleta de resíduos residenciais.

§ 4º Padarias, supermercados, açougues e outros comércios do setor varejista direto ficam obrigados a suspender, em prazo gradual, não superior a 6 (seis) meses da publicação desta lei, o fornecimento das sacolas plásticas, estimulando a população a adotar o uso de sacolas plásticas de sua propriedade.

§ 5º As instituições públicas e autarquias ficarão obrigadas a realizar todas as rotinas de pré-seleção e dispensa de seus resíduos, conforme artigo 1º deste documento, seguindo as mesmas diretrizes da coleta de resíduos residenciais.

§ 6º Ficam obrigada, ainda, todas as instituições públicas e autarquias municipais a possuir lixeiras para seleção de resíduos à disposição dos funcionários e da população.

§ 7º Ficam sujeitas às penas e multas na forma da lei, os estabelecimentos comerciais, indústrias e empresas de todos os segmentos que infringirem estas regras.

Art. 3º Fica instituída a utilização de material reciclável em instituições públicas.

I – As instituições públicas e autarquias municipais, a partir da publicação desta lei, terão o prazo de 120 (cento e vinte) dias para adequar-se à utilização de materiais recicláveis de escritório como papel, plástico e insumos do dia-a-dia.

Art. 4º Fica instituída a coleta de óleo de cozinha residencial municipal, que será disciplinada, regida e monitorada pela Gestão Municipal para atender às questões ambientais e relacionadas ao cuidado e preservação da natureza.

I – A população e comércios deverão recolher o óleo de cozinha em recipientes plásticos ou metálicos, recicláveis e dispensá-los nos mesmos dias da coleta dos resíduos pré-selecionados e, para tal, as empresas de coleta de lixo deverão adequar-se, em sua frota, para receber esses vasilhames.

II – Todo o óleo recolhido no município será enviado para usinas de processamento que o transformarão em biocombustível (álcool), que por sua vez abastecerá toda a frota municipal, veículos oficiais e viaturas da Guarda Civil Municipal. Já existem parcerias neste formato em outros municípios brasileiros e usinas abertas ao recebimento de novos projetos.

Art. 5º A construção de novos projetos da área da construção civil terá normatização percentual equivalente a 30% (trinta por cento) do total, na utilização de fontes energéticas renováveis, tanto na utilização de água pluvial como na utilização de energia elétrica de origem solar e/ou eólica.

I – As novas construções realizadas no município quer sejam iniciativas privadas (pessoa jurídica ou física) ou públicas (esferas Federal, Estadual e Municipal) que derem início à aprovação de suas plantas após a aprovação desta lei, devem, obrigatoriamente, conter em seus projetos, percentual equivalente a 30% (trinta por cento) de utilização de fontes energéticas renováveis (energia solar ou eólica) bem como o mesmo percentual na reutilização de água (chuva água de reuso).

Art. 6º As despesas decorrentes com a presente lei correrão por conta das dotações consignadas no orçamento, suplementadas, se necessário.

Art. 7º O Poder Executivo regulamentará a presente lei, no que couber, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, contados da data de sua publicação.”

O ato normativo impugnado, de iniciativa parlamentar, é verticalmente incompatível com nosso ordenamento constitucional por violar o princípio federativo e o da separação de poderes, previstos nos arts. 5º e 47, II, XIV e XIX, a, da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da Carta Paulista, os quais dispõem o seguinte:

(...)

Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

(...)

Art. 47 – Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:

(...)

II – exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;

(...)

XIV – praticar os demais atos de administração, nos limites da competência do Executivo;

(...)

XIX - dispor, mediante decreto, sobre:

a) organização e funcionamento da administração estadual, quando não implicar em aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos;

(...)

Art. 144 – Os Municípios, com autonomia, política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”

A matéria disciplinada pela lei impugnada encontra-se no âmbito da atividade administrativa do município, cuja organização, funcionamento e direção superior cabe ao Prefeito Municipal, com auxílio dos Secretários Municipais.

A instituição no município de coleta seletiva de lixo residencial, industrial, comercial e em instituições públicas municipais, de coleta de óleo de cozinha residencial municipal, a obrigatoriedade de utilização de material reciclável em instituições públicas é matéria exclusivamente relacionada à Administração Pública, a cargo do Chefe do Executivo, porque disciplina a forma e condições de prestação de serviço público referentes à coleta e à destinação de resíduos.

Trata-se de atividade nitidamente administrativa, representativa de atos de gestão, de escolha política para a satisfação das necessidades essenciais coletivas, vinculadas aos direitos fundamentais. Assim, privativa do Poder Executivo e inserida na esfera do poder discricionário da administração.

Não se trata, evidentemente, de atividade sujeita a disciplina legislativa. Logo, o Poder Legislativo não pode por meio de lei ocupar-se da administração, sob pena de se permitir que o legislador administre invadindo área privativa do Poder Executivo.

Quando o Poder Legislativo do Município edita lei disciplinando atuação administrativa, como ocorre, no caso em exame, em função da instituição no município de coleta seletiva de lixo residencial, industrial, comercial e em instituições públicas municipais, de coleta de óleo de cozinha residencial municipal, e da obrigatoriedade de utilização de material reciclável em instituições públicas, invade, indevidamente, esfera que é própria da atividade do administrador público, violando o princípio da separação de poderes.

Cabe essencialmente à Administração Pública, e não ao legislador, deliberar a respeito da conveniência e da oportunidade da criação e implantação de programas e disciplina dos serviços públicos em benefício dos cidadãos. Trata-se de atuação administrativa que fundada em escolha política de gestão, na qual é vedada intromissão de qualquer outro poder.

A inconstitucionalidade, portanto, decorre da violação da regra da separação de poderes, prevista na Constituição Paulista e aplicável aos Municípios (arts. 5º, 47, II, XIV e XIX, a e 144).

É pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público. De outro lado, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.

Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. (...) O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15. ed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 708 e 712).

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e a independência que deve existir entre os poderes estatais.

A matéria tratada na lei encontra-se na órbita da chamada reserva da Administração, que reúne as competências próprias de administração e gestão, imunes a interferência de outro poder (art. 47, II e IX da Constituição Estadual - aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144), pois privativas do Chefe do Poder Executivo.

Ainda que se imagine que houvesse necessidade de disciplinar por lei alguma matéria típica de gestão municipal, a iniciativa seria privativa do Chefe do Poder Executivo, mesmo quando ele não possa discipliná-la por decreto nos termos do art. 47, XIX, da Constituição Estadual.

Assim, a Lei, ao regulamentar, ainda que parcialmente um serviço público, de um lado, viola o art. 47, II e XIV, no estabelecimento de regras que respeitam à direção da administração e à organização e ao funcionamento do Poder Executivo, matéria essa que é da alçada da reserva da Administração, e de outro, ela ofende o art. 24, § 2º, 2, na medida em que impõe atribuição ao Poder Executivo.

Criar programas e disciplinar serviços públicos – precisamente o que se verifica na hipótese em exame - é matéria exclusivamente relacionada à Administração Pública, a cargo do Chefe do Executivo.

Nem se chegaria à conclusão diversa a partir da afirmação de que a lei apenas confiou à Gestão Ambiental a disciplina das medidas ambientais criadas, uma vez que detalhou de forma específica diversas atividades administrativas impondo ações de marketing, disciplinou a periodicidade e modalidade do serviço de coleta seletiva e criou encargos aos órgãos públicos municipais.

De outro lado, e não menos importante, a lei impugnada cria, evidentemente, novas despesas por parte da Municipalidade, sem que tenha havido a indicação das fontes específicas de receita para tanto e a inclusão do programa na lei orçamentária anual.

A norma combatida ao institui no Município a coleta seletiva, não indicou especificamente os recursos orçamentários necessários para a cobertura dos gastos advindos que, no caso, são evidentes porquanto ordenam atividades novas na Administração Pública, cuja instalação e desenvolvimento demandam meios financeiros que não foram previstos, não servindo a tanto a genérica menção a dotações orçamentárias próprias de determinada secretaria.

Isso implica contrariedade ao disposto no art. 25 e 176, I, da Constituição do Estado de São Paulo.

Não se constata inconstitucionalidade no que se refere à obrigatoriedade de observância nos projetos edilícios realizados no município quer sejam pela iniciativa privada (pessoa jurídica ou física) ou pública (esferas Federal, Estadual e Municipal) de percentual equivalente a 30% (trinta por cento) de utilização de fontes energéticas renováveis (energia solar ou eólica) bem como o mesmo percentual na reutilização de água (chuva água de reuso).

Trata-se de questão atinente às posturas municipais, impondo restrições ao direito de construir, não caracterizando a iniciativa parlamentar violação à separação dos poderes porque não respeita à reserva de iniciativa legislativa nem a de Administração.

A matéria, embora tenha relação como o uso e ocupação do solo, não demanda realização de planejamento e estudos técnicos, haja vista que não está relacionada com o crescimento ordenado da cidade, este sim reclama aquelas providências prévias.

A previsão de medidas ambientais de utilização de fontes energéticas em projetos edilícios, trata-se de medida que tem por objetivo a tutela do meio ambiente e de seus recursos. Refere-se à disciplina do direito de construir, porém não em proporção que possa interferir no ordenamento urbanístico da cidade que exige prévio planejamento e estudo técnico.

Assim, não há violação aos arts. 180, II e V e 181 da Constituição Estadual.

Resta o exame de ofensa ao art. 5º da Constituição do Estado em razão da iniciativa parlamentar referente a tal dispositivo legal.

No ponto, não parece que a matéria objeto deste dispositivo constitua algo contido na reserva de iniciativa legislativa – que deve ser explícita – nem na denominada reserva da Administração que são decorrências do princípio da separação de poderes.

Trata-se de questão atinente às posturas municipais, impondo obrigação positiva aos projetos edilícios.

A iniciativa reservada, como se sabe, constitui exceção à regra da iniciativa geral ou concorrente e, consoante lição básica de hermenêutica, as normas que estabelecem exceções às regras gerais só admitem interpretação restritiva.

Logo, os casos de iniciativa reservada são apenas aqueles expressamente previstos na Constituição Estadual (art. 24, § 2º, 1 a 6, e 174, I a III), mas nenhum deles prevê que as leis de polícia ou de posturas municipais devam ser iniciadas pelo Executivo, entendimento esse que, aliás, significa limitar a função normativa da Câmara, que seria transformada em mera chanceladora das proposituras do Executivo, situação inconcebível num Estado Democrático do Direito inaugurado pela Constituição de 1988.

O dispositivo legal encontra amparo na competência comum conferida a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para protegerem o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas (art. 23, VI, da Constituição Federal).

Diante do exposto, aguarda-se seja o pedido julgado parcialmente procedente para declarar a inconstitucionalidade dos artigos 1º, 2º, 3º e 4º e respectivos incisos e parágrafos da Lei nº 9.443, de 12 de dezembro de 2012, do Município de Santo André.

 

              São Paulo, 28 de novembro de 2013.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

 

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