Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

Autos nº. 0121480-62.2011.8.26.0000

Requerente: Sindicato da Indústria de Material Plástico do Estado de São Paulo

Requeridos: Prefeito do Município de São Paulo e Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

Ementa:

1)   Ação direta de inconstitucionalidade.  Lei Municipal nº 15.374, de 18 de maio de 2011, do Município de São Paulo, que, nos termos da respectiva rubrica, “Dispõe sobre a proibição da distribuição gratuita ou venda de sacolas plásticas a consumidores em todos os estabelecimentos comerciais do Município de São Paulo, e dá outras providências”.

2)   Preliminar. Limites à cognição em sede de ação direta de inconstitucionalidade estadual. Impossibilidade de exame da inconstitucionalidade mediante confronto das normas impugnadas com dispositivos da Constituição Federal ou da legislação infraconstitucional.

3)   Competência concorrente da União e dos Estados para legislar sobre proteção ao meio ambiente e controle da poluição (art. 24, VI da CR). Competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, para cuidar da saúde, proteger o meio ambiente e combater a poluição (art. 23, II, VI e VII). Incumbência do Poder Público, em todas as suas esferas, de controlar a produção, comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente (art. 225, § 1º, V da CR/88). Defesa do consumidor e do Meio ambiente como princípios constitucionais da atividade econômica (art. 170, V e VI da CR). Legislação municipal editada para atender ao interesse local, suplementando a legislação da União e do Estado relativa à proteção do meio ambiente (art. 30, I e II da CR).

4)   Parecer no sentido da improcedência da ação.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Sindicado da Indústria de Material Plástico do Estado de São Paulo, tendo como alvo a Lei Municipal nº 15.374, de 18 de maio de 2011, de São Paulo, que, nos termos da respectiva rubrica, “Dispõe sobre a proibição da distribuição gratuita ou venda de sacolas plásticas a consumidores em todos os estabelecimentos comerciais do Município de São Paulo, e dá outras providências”.

Sustenta a contrariedade aos seguintes dispositivos da Constituição do Estado de São Paulo: art. 5º; art. 47, II e XI; art. 144; art. 152, IV; art. 193, XX e XXI.

Foi deferida a liminar (fls. 185).

Contra tal decisão foi interposto agravo regimental (fls. 190/219), que foi rejeitado pelo Col. Órgão Especial (fls. 395/403).

A Municipalidade prestou informações (fls. 320/386). Alegou inépcia da petição inicial. No mérito, pugnou pela improcedência da ação direta.

A Presidência da Câmara Municipal prestou informações (fls. 587/620). Alegou inépcia da inicial, bem como a impossibilidade de exame da alegação de inconstitucionalidade a partir de parâmetros contidos na Constituição Federal. No mérito, pugnou pela improcedência da ação.

Citado, o Senhor Procurador-Geral do Estado apresentou manifestação favorável à improcedência da ação direta (fls. 544, 538/541).

É o relato do essencial.

Preliminarmente

Não se pode falar em inépcia da inicial.

A petição inicial aponta claramente o ato impugnado, indicando os fundamentos para o reconhecimento da inconstitucionalidade, permitindo amplo debate a respeito da matéria.

Por outro lado, correta se mostra a afirmação de que a alegação de inconstitucionalidade não pode ser examinada a partir de fundamentos infraconstitucionais, ou mesmo de parâmetros inseridos na Constituição Federal.

A eventual declaração de inconstitucionalidade apontada na inicial restringe-se, na ação direta estadual, ao confronto entre o texto normativo impugnado e a Constituição do Estado, sendo inviável a utilização de parâmetros, para fins de reconhecimento da inconstitucionalidade apontada, que estejam assentados na Constituição Federal ou na legislação infraconstitucional.

Nesse sentido, confira-se o entendimento assente do STF nos seguintes precedentes, indicados exemplificativamente: ADI 2.551-MC-QO, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 2-4-2003, Plenário, DJ de 20-4-2006; RE 597.165, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 4-4-2011, DJE de 12-4-2011.

No mérito, a ação deve ser julgada improcedente.

A Lei Municipal nº 15.374, de 18 de maio de 2011, de São Paulo, que, nos termos da respectiva rubrica, “Dispõe sobre a proibição da distribuição gratuita ou venda de sacolas plásticas a consumidores em todos os estabelecimentos comerciais do Estado de São Paulo, e dá outras providências”, tem a seguinte redação:

“(...)

Art. 1º Fica proibida a distribuição gratuita ou a venda de sacolas plásticas para os consumidores para o acondicionamento e transporte de mercadorias adquiridas em estabelecimentos comerciais no Município de São Paulo.

Parágrafo único. Os estabelecimentos comerciais devem estimular o uso de sacolas reutilizáveis, assim consideradas aquelas que sejam confeccionadas com material resistente e que suportem o acondicionamento e transporte de produtos e mercadorias em geral.

Art. 2º Os estabelecimentos comerciais de que trata o art. 1º ficam obrigados a afixar placas informativas, com as dimensões de 40 cm x 40 cm, junto aos locais de embalagem de produtos e caixas registradoras, com o seguinte teor:

"POUPE RECURSOS NATURAIS! USE SACOLAS REUTILIZÁVEIS".

Art. 3º O disposto nos arts. 1º e 2º desta lei deverá ser implementado até 31 de dezembro de 2011.

Art. 4º O disposto nesta lei não se aplica:

I - às embalagens originais das mercadorias;

II - às embalagens de produtos alimentícios vendidos a granel; e

III - às embalagens de produtos alimentícios que vertam água.

Art. 5º Os fabricantes, distribuidores e estabelecimentos comerciais ficam proibidos de inserir em sacolas plásticas para o acondicionamento e transporte de mercadorias a rotulagem degradáveis, assim como as terminologias oxidegradáveis, oxibiodegradáveis, fotodegradáveis e biodegradáveis, e mensagens que indiquem suposta vantagem ecológica de tais produtos.

Art. 6º O descumprimento das disposições contidas nesta lei sujeitará o infrator às penalidades previstas na Lei Federal nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998.

Art. 7º A fiscalização da aplicação desta lei será realizada pela Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente.

Art. 8º As despesas com a execução desta lei correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.

Art. 9º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

(...)”

O argumento utilizado na inicial, em sua essência, é no sentido de que o Município não teria competência para legislar a respeito do tema.

É por essa razão, fundamentalmente, que a autora aponta ocorrência de contrariedade a vários dispositivos da Constituição do Estado de São Paulo.

Entretanto, com a devida vênia, tal contrariedade não se verifica.

O art. 152, IV da Constituição Paulista apenas estabelece, genericamente, que a finalidade da organização regional do Estado é promover “a integração do planejamento e da execução de funções públicas de interesse comum aos entes públicos atuantes na região”.

De outro lado, o art. 193 da Carta Paulista, ao tratar, de forma programática, sobre a possibilidade da edição de lei estadual para criação de um “sistema de administração da qualidade ambiental, proteção, controle de desenvolvimento do meio ambiente e uso adequado dos recursos naturais”, prevê, nos incisos XX e XXI, a finalidade de “controlar e fiscalizar obras, atividades, processos produtivos e empreendimentos” que possam causar degradação ambiental, bem ainda “realizar o planejamento e o zoneamento ambientais”.

Ou seja, trata-se de dispositivos constitucionais que, se por um lado, estimulam a atuação do Estado de São Paulo na proteção do meio ambiente, de outro não vedam que o Município também o faça.

Mas não é só.

Não há qualquer espaço para dúvida quanto ao fato de que o Município também tem competência administrativa e legislativa para fins de promover a defesa do meio ambiente, bem como zelar pela saúde dos munícipes.

Nesse sentido o que dispõe o art. 23, II, VI, VII, da CR/88, que atribui competência concorrente à União, aos Estados, ao Distrito Federal, e aos Municípios para, respectivamente: (a) cuidar da saúde; (b) proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; (c) preservar as florestas, a fauna e a flora.

Do mesmo modo, a competência dos Municípios, em temas relacionados ao meio ambiente, pode ser extraída da previsão contida no art. 30, I e II da CR, por força dos quais o legislador municipal pode regular temas de interesse local, e ainda suplementar a legislação federal no que couber.

Nesse mesmo sentido, o art. 225, § 1º da CR/88 impõe ao Poder Público de forma geral – ou seja, à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios – inúmeras diretrizes, todas destinadas à preservação do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Entre elas está, especialmente, nos termos do inciso V, a de “controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente”.

A importância da proteção ao meio ambiente, como é cediço, é tão intensa, que até mesmo no âmbito da atividade econômica a Constituição da República impõe como princípios gerais a serem obsequiados, a “defesa do consumidor”, bem como a “defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação” (art. 170, V e VI da CR/88).

Essa ideia foi assentada pelo Col. STF, em decisão relatada pelo Min. Celso de Mello, quando do julgamento da ADI 3540 MC/DF (j. 01/09/2005, Tribunal Pleno, DJ 03-02-2006), de cuja ementa se extrai o seguinte excerto:

“(...)

A ATIVIDADE ECONÔMICA NÃO PODE SER EXERCIDA EM DESARMONIA COM OS PRINCÍPIOS DESTINADOS A TORNAR EFETIVA A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. - A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a ‘defesa do meio ambiente’ (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural. A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL (CF, ART. 3º, II) E A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225): O PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO FATOR DE OBTENÇÃO DO JUSTO EQUILÍBRIO ENTRE AS EXIGÊNCIAS DA ECONOMIA E AS DA ECOLOGIA. - O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações.

(...)“

Acrescente-se que a competência do Município para legislar sobre o meio ambiente já foi reconhecida por esse Col. Órgão Especial, como se infere dos precedentes indicados a seguir:

“(...)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei n. 4.253, de 06.03.2008, do Município de Valinhos – ‘Instituição de compensação às emissões de Gases de Efeitos Estufa (GEE) e o manejo adequado dos resíduos gerados por empresas que vierem a se instalar no Município’ - Atendimento a peculiar interesse do Município no controle, preservação e recuperação do meio-ambiente - Permissibilidade do art. 191 da Constituição do Estado de São Paulo - Descabimento de se cogitar infringência à norma da Constituição Federal ou Lei Orgânica do Município na esfera da presente ação direta de inconstitucionalidade improcedente. (ADIN 164.487-0/9-00, rel. des. Oscarlino Moeller, j. 04.02.2009).

(...)”

No mesmo sentido, a título de exemplificação, a decisão proferida na ADI 129.132.0/3, rel. des. Jacobina Rabello, j. 21.03.2007, entre outros julgados.

Por outro lado, a alegação de que teria havido violação à regra da separação de poderes – pela suposta ocorrência da invasão da reserva de administração -, não pode ser acolhida.

Anote-se, nesse passo, que por um lado a lei não trata de matéria a respeito da qual haja reserva de iniciativa legislativa do Poder Executivo, cuja interpretação deve ser restritiva, como reiteradamente tem entendido o STF.

Nesse sentido: ADI 3.205, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 19-10-2006, Plenário, DJ de 17-11-2006; RE 328.896, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 9-10-2009, DJE de 5-11-2009; ADI 2.392-MC, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 28-3-2001, Plenário, DJ de 1º-8-2003; ADI 2.474, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 19-3-2003, Plenário, DJ de 25-4-2003; ADI 2.638, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 15-2-2006, Plenário, DJ de 9-6-2006; ADI 2.464, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 11-4-2007, Plenário, DJ de 25-5-2007.

Por outro lado, a lei também não trata de disciplinar a atividade da Administração Pública, mas sim aquela de determinado seguimento da atividade empresarial (utilização de sacolas plásticas no comércio local).

A previsão de que o cumprimento da lei ficará a cargo da Municipalidade (art. 7º da Lei Municipal nº 15.374, de 18 de maio de 2011) não altera tal conclusão, visto que a fiscalização ao cumprimento de leis, mesmo aquelas de iniciativa parlamentar, é atividade que naturalmente está inserida no exercício do Poder de Polícia, a cargo da Administração Pública.

Adotar-se entendimento contrário significaria, na prática, eliminar por completo a iniciativa legislativa parlamentar, contrariando inclusive o art. 61 “caput” da Constituição Federal.

Daí não ser possível aceitar-se a ideia de que teria sido invadida a área reservada exclusivamente à gestão administrativa da cidade.

Diante de todo o exposto, nosso parecer é no sentido da improcedência desta ação direta, reconhecendo-se a constitucionalidade da Lei Municipal nº 15.374, de 18 de maio de 2011, de São Paulo.

São Paulo, 30 de junho de 2014.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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