Parecer
Processo nº 0124298-16.2013.8.26.0000
Requerente: Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica – ABRADEE
Requeridos: Governador do Estado de São Paulo e Presidente da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo
Ementa:
1) Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 2º da Lei Estadual nº 12.635, de 06 de julho de 2007, que impõe às concessionária que exploram o fornecimento de energia elétrica a obrigação de remoção dos postes de sustentação à rede elétrica que estiverem causando transtornos ou impedimentos aos proprietários e aos compromissários compradores de terrenos sem quaisquer ônus para os interessados.
2) Preliminar de ilegitimidade ativa “ad causam”. À entidade de classe de âmbito nacional legitimada para propor ações diretas de inconstitucionalidade de leis perante o colendo Supremo Tribunal Federal não pode ser negada a legitimidade para a propositura de ações do âmbito estadual. Representatividade de empresas concessionárias de distribuição de energia elétrica com sede no Estado de São Paulo. Presença de interesse jurídico.
3) Preliminar. Lei estadual objeto de ADI no STF. Identidade do parâmetro de controle (violação do princípio federativo, por usurpação de competência legislativa). Regra da Constituição Estadual de reprodução obrigatória da Constituição Federal. prejudicialidade lógica. Supremacia da Constituição Federal e de seu controle abstrato. Suspensão do processo para compatibilizar as jurisdições constitucionais, federal e estadual, com o mínimo possível de cerceamento destas e para a preservação máxima da Constituição Federal.
4) Mérito. Usurpação da competência legislativa privativa da União (arts. 21, XII, b e 22, IV, da Constituição Federal), com violação do princípio federativo (art. 1º da Constituição Estadual). Não é o Estado competente para legislar e disciplinar os serviços e instalações de energia elétrica (arts. 21, XII, b, e 22, IV, da Constituição Federal).
Colendo Órgão
Especial,
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Presidente:
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pela Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica – ABRADEE, tendo por objeto o art. 2º da Lei Estadual nº 12.635, de 06 de julho de 2007, que impõe às concessionárias que exploram o fornecimento de energia elétrica a obrigação de remoção dos postes de sustentação à rede elétrica que estiverem causando transtornos ou impedimentos aos proprietários e aos compromissários compradores de terrenos sem quaisquer ônus para os interessados.
Sustenta a autora que o dispositivo legal impugnado é inconstitucional por conter vício de iniciativa, exercer competência vedada pela Constituição Federal, legislar sobre direito civil, violar os princípios da isonomia, impessoalidade, razoabilidade e modicidade tarifária. Daí a alegação de violação dos arts. 1º, 4º, 19, 47, XI e XVIII, 11, 120 e 122 da Constituição Estadual.
O pedido de medida liminar foi indeferido (fls. 459/463).
Citado regularmente (fl. 478), o Procurador Geral do Estado manifestou a fls. 480/491, levantando preliminar de suspensão do processo em razão do trâmite de ação direta de inconstitucionalidade em face do mesmo diploma normativo em curso no Supremo Tribunal Federal. No mérito, afirma a inconstitucionalidade do dispositivo legal impugnado por tratar de matéria de competência legislativa da União.
O Governador do Estado apresentou informações sustentando a inconstitucionalidade do ato normativo impugnado (fls. 505/506).
Devidamente notificado, o Presidente da Assembleia Legislativa apresentou informações a fls. 512/531, levantando preliminares de ilegitimidade de parte e de suspensão do processo em face da existência de ação da mesma natureza em curso no Supremo Tribunal Federal. No mérito, sustentou a constitucionalidade do ato normativo impugnado.
Nestas condições vieram os autos para a manifestação desta Procuradoria-Geral de Justiça.
DAS PRELIMINARES
Da ilegitimidade ativa ad causam
Deve ser afastada a alegação de ilegitimidade ativa da requerente.
O fato da requerente ser entidade de âmbito nacional não é motivo para o reconhecimento da ilegitimidade ativa por não se encontrar prevista expressamente entre os legitimados do rol do art. 90, V, da Constituição Estadual.
A leitura do estatuto social da requerente demonstra que ela é constituída por empresas concessionárias de distribuição de energia elétrica, tendo por objetivos a representação judicial ou extrajudicial de seus associados, para a defesa de seus interesses.
Ainda que não tenha base no Estado de São Paulo, a requerente é integrada por concessionárias que atuam neste estado da federação, tendo assim abrangência estadual, estando ainda presente o interesse jurídico que a legitima propor a presente ação direta de inconstitucionalidade.
A propósito o Supremo Tribunal Federal já assentou entendimento que:
“Ação direta de inconstitucionalidade: legitimação ativa: ‘entidade de classe de âmbito nacional’: compreensão da ‘associação de associações’ de classe: revisão da jurisprudência do Supremo Tribunal. 1. O conceito de entidade de classe é dado pelo objetivo institucional classista, pouco importando que a eles diretamente se filiem os membros da respectiva categoria social ou agremiações que os congreguem, com a mesma finalidade, em âmbito territorial mais restrito. 2. É entidade de classe de âmbito nacional - como tal legitimada à propositura da ação direta de inconstitucionalidade (CF, art. 103, IX) - aquela na qual se congregam associações regionais correspondentes a cada unidade da Federação, a fim de perseguirem, em todo o País, o mesmo objetivo institucional de defesa dos interesses de uma determinada classe. 3. Nesse sentido, altera o Supremo Tribunal sua jurisprudência, de modo a admitir a legitimação das ‘associações de associações de classe’, de âmbito nacional, para a ação direta de inconstitucionalidade” (RTJ 194/859).
Guardadas as devidas proporções, esse entendimento pode ser aplicado para os fins do art. 90, V, da Constituição Estadual.
De outro lado, já se decidiu nesse Tribunal de Justiça Paulista que sendo legitimada para propor ações diretas de inconstitucionalidade de leis perante o colendo Supremo Tribunal Federal, não poderia lhe ser negada a mesma legitimidade para a propositura de ações do âmbito estadual. Quem pode o mais, pode o menos (cf. Adin n° 0303328-16.2010 Rel. Des. Roberto Mac Craken).
Da existência de ADI no Supremo Tribunal Federal
Em face do ato normativo impugnado, a douta
Procuradoria-Geral da República propôs ação direta de inconstitucionalidade no
Supremo Tribunal Federal (ADI 4925), alegando exatamente ofensa aos arts. 21,
XII, b, 22, IV e 175 da Constituição Federal. (fls. 493/499 e 541/544)
Um dos parâmetros do controle abstrato elencados na inicial trata da usurpação da competência legislativa privativa da União para legislar sobre águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão (CF, art. 22, IV), o que importaria em violação do princípio federativo (art. 1º e art. 144 da Constituição Paulista), que tem dentre seus fundamentos a repartição constitucional de competências.
O princípio federativo previsto na Constituição Estadual (art. 1º) é reprodução do mesmo princípio previsto no art. 1º e 18 da Constituição Federal.
Verifica-se, portanto, trâmite
simultâneo de ações diretas de inconstitucionalidade em face do diploma normativo, nas
Cortes Estadual e Federal.
Como um dos parâmetros de controle invocados nesta Corte (violação do princípio federativo, por usurpação de competência legislativa), reproduz dispositivo constitucional federal, referente à competência para legislar sobre a matéria, ele tem prejudicialidade lógica.
Antes mesmo de analisar se o ato normativo impugnado contém vício de iniciativa, se viola a autonomia do Poder Executivo, se cria despesas sem fonte de custeio, se disciplina questão urbanística de competência dos Municípios, necessário verificar se o ato legislativo tenha sido produzido em conformidade com as normas de distribuição de competência.
Para tanto, o reconhecimento de violação do princípio federativo, que se manifesta na repartição constitucional de competências (art. 1º e art. 144 da Constituição Paulista), passa necessariamente pela verificação da competência Estadual para legislar sobre a matéria. E, isto, importa em afirmar que se trata ou não a matéria (telecomunicações) a competência privativa da União (CF, art. 22, IV), questão que deverá ser dirimida pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 4925.
Presente, então, prejudicialidade em relação ao referido parâmetro, que também se justifica diante do princípio da supremacia da Constituição Federal e de seu controle, impõe-se a suspensão do processo.
Sobre a matéria, no julgamento da Reclamação e Agravo
Regimental nº 425 (Rel. Ministro Néri da Silveira, j. 27.5.93), embora não
cuidasse do trâmite simultâneo de ações direta de inconstitucionalidade do
mesmo diploma normativo junto a Tribunal Estadual e ao Supremo Tribunal Federal,
a partir do voto do Ministro Moreira Alves, ficou traçada diretriz, a seguir
reproduzida, que se aplica a hipótese trazida nesses autos:
“Em se tratando, no caso, de Lei Estadual, esta poderá, também, ser simultaneamente, impugnada no STF, em ação direta de inconstitucionalidade, com base no art. 102, i, letra "a", da lei magna federal. Se isso ocorrer, dar-se-á a suspensão do processo de representação no Tribunal de Justiça, até a decisão final do STF. A interpretação pelo STF da norma constitucional federal reproduzida na carta estadual vincula, "erga omnes", restando, no Tribunal local, prejudicada a representação de inconstitucionalidade nele ajuizada, por ofensa a regra constitucional estadual que reproduza dispositivo constitucional federal. Julgada procedente a ação de inconstitucionalidade, "ut" art. 102, i, letra "a", da Constituição Federal, por ofensa a regra reproduzida no âmbito estadual, prejudicada ficará a representação no Tribunal de Justiça, por esse fundamento. Se, entretanto, a representação de inconstitucionalidade, no âmbito do tribunal local, estiver baseada em outros fundamentos, além da alegação de ofensa de norma reproduzida e a decisão do STF, na ação perante ele ajuizada, simultaneamente, por ofensa a regra constitucional reproduzida, der pela improcedência da demanda, a ação, no tribunal de justiça, prosseguirá por esses outros fundamentos.
Importante destacar o trecho do voto do Ministro
Moreira Alves naquele julgamento, que foi acolhido como diretriz:
“Não pedi vista para reiterar a
fundamentação que expus amplamente no citado voto e que, agora – como sucedera
quando do julgamento da Reclamação 383 -, é acolhida pelo eminente relator, mas
para apreciar um aspecto que pode ocorrer apenas com relação às normas
estaduais objeto de ações diretas de inconstitucionalidade no âmbito estadual: o da
possibilidade de paralelamente tramitarem ações diretas de
inconstitucionalidade perante este Supremo Tribunal Federal e o Tribunal de
Justiça com relação à mesma lei estadual, impugnada, perante aquele, em face da
Constituição Federal, e perante este em face da Constituição Estadual, e,
portanto, também em face dos preceitos desta que são de origem federal de
reprodução obrigatória indispensável por dizerem respeito, inequivocamente, à
organização político-administrativa dos Estados.
(...)
Também não apresenta maior dificuldade a solução do problema da tramitação paralela de ações diretas de inconstitucionalidade, nesta Corte e na Estadual, da mesma norma estadual impugnada. Para tanto, basta fazer-se uma construção com base em dois princípios jurídicos aplicáveis à hipótese: o da primazia da Constituição Federal (e consequentemente o da primazia de sua guarda) e o da prejudicialidade total ou parcial do julgamento desta Corte em relação ao dos Tribunais de Justiça.
Com
efeito, se não houver tramitação paralela, sendo a ação direta proposta apenas
perante o Tribunal estadual, a aplicação de preceito de reprodução obrigatória
contido na Constituição do Estado-membro, pra declarar constitucional ou não a
norma estadual impugnada, dará margem a recurso extraordinário para que, nesta
Corte, se examine se a interpretação dada ao preceito de reprodução obrigatória
condiz com a exegese que ela dá ao preceito constitucional federal reproduzido
– trata-se, nesse caso, de controle a posteriori, por meio de recurso
extraordinário.
Se,
porém, houver a tramitação paralela, esse controle se fará a priori, acarretando
a propositura da ação direta perante esta Corte o impedimento ou a suspensão do
processamento da ação direta perante o Tribunal local – e suspensão que se
justifica porque a decisão do Supremo Tribunal Federal, qualquer que seja,
prejudicará a do Tribunal local no âmbito das normas constitucionais estaduais
que reproduzem as federais. De feito, se a lei estadual for declarada
inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal , a eficácia erga omnes dessa
declaração se imporá ao Tribunal loca,
ficando a ação direta proposta perante ele sem objeto, já que inconstitucional
em face da Constituição Federal que tem primazia quanto às Constituições
Estaduais; se a norma estadual for declarada, por esta Corte, constitucional,
essa mesma eficácia erga omnes de sua
decisão se imporá ao Tribunal local quanto às normas constitucionais estaduais
reproduzidas obrigatoriamente da Constituição Federal, porquanto o Supremo para
declarar constitucional a norma estadual a teve como compatível com os
preceitos constitucionais federais reproduzidos obrigatoriamente pela
Constituição do Estado-membro, os quais não podem ser interpretados
diferentemente por ser inconstitucional essa interpretação diversa. Note-se
que, nessa segunda hipótese – a de o Supremo Tribunal Federal ter a norma
estadual como constitucional em face da Constituição Federal -, a ação direta
proposta perante o Tribunal de Justiça local não perde o seu objeto, mas o
exame de constitucionalidade por parte deste fica restrito, apenas, aos
preceitos constitucionais estaduais que não são reproduzidos obrigatoriamente
da Constituição Federal.”
No mesmo julgamento, o Ministro Celso de Mello em seu
voto aderiu à proposta de construção do Ministro Moreira Alves destacando que:
“Tal
como S. Exa., entendo que a instauração do
controle normativo abstrato perante o Supremo Tribunal Federal, tendo
por objeto ato estatal que já está sendo questionado no âmbito do Tribunal de
Justiça em face da alegada contrariedade a princípio inscrito na Constituição
estadual, que reproduz norma constitucional federal de observância compulsória
pelos Estados-membros, torna impositiva a suspensão prejudicial da ação direta que tramita na Corte local.”
Em aparte ao Min. Celso de Mello, o Ministro Moreira
Alves sintetizou que:
“O ajuizamento da ação direta que impedirá que
prossiga o curso da ação proposta no Estado-membro, até que julguemos aquela.
Se julgarmos inconstitucional a norma em causa, a ação proposta perante o
Tribunal local perde seu objeto; se, porém, a julgarmos constitucional em face
da Constituição Federal, a Corte local não poderá tê-la por inconstitucional
com base em qualquer dos dispositivos constitucionais estaduais que reproduzam
obrigatoriamente princípios constitucionais federais, o que implica dizer que o
Tribunal local prosseguirá no exame da constitucionalidade, ou não, da norma
impugnada em face dos textos constitucionais estaduais que não os referidos.”
A diretriz proposta pelo Min Moreira Alves e reproduzida passou a servir de parâmetro e entendimento consolidado do Pretório Excelso, senão vejamos:
“Ação direta de inconstitucionalidade. Pedido de liminar. Lei nº 9332, de 27 de dezembro de 1995, do Estado de São Paulo. Rejeição das preliminares de litispendência e de continência , porquanto, quando tramitam paralelamente duas ações diretas de inconstitucionalidade, uma no Tribunal de Justiça local e outra no Supremo Tribunal Federal, contra a mesma lei estadual impugnada em face de princípios constitucionais estaduais que são reprodução de princípios da Constituição Federal, suspende-se o curso da ação direta proposta perante o Tribunal estadual até o julgamento final da ação direta proposta perante o Supremo Tribunal Federal, conforme sustentou o relator da presente ação direta de constitucionalidade em voto que proferiu , em pedido de vista, na Reclamação 425.” (ADI nº 1.423, Rel. Min. Moreira Alves, j. 20/06/1996)
Desta forma, diante da prejudicialidade lógica verificada, o processo deve ser suspenso para que se aguarde o pronunciamento final do Supremo Tribunal Federal nos autos da ação direta de inconstitucionalidade, compatibilizando assim as jurisdições constitucionais, federal e estadual, com o mínimo possível de cerceamento destas para a preservação máxima da Constituição Federal.
NO MÉRITO
Procede o pedido.
O art. 2º da Lei Estadual nº 12.635, de 07 de julho de 2007, fruto de iniciativa parlamentar, promulgada pelo Presidente da Assembleia Legislativa, após derrubada do veto do Governador, tem a seguinte redação:
“(...)
Artigo
2º - Os postes de sustentação à rede elétrica, que estejam causando
transtornos ou impedimentos aos proprietários e aos compromissários compradores
de terrenos, serão removidos, sem quaisquer ônus para os interessados, desde
que não tenham sofrido remoção anterior.
(...)”
O ato normativo acima transcrito viola o princípio federativo que se manifesta na repartição constitucional de competências (arts. 1º e 144 da Constituição Paulista).
Dispor sobre forma de prestação dos serviços públicos de energia elétrica pelas concessionárias é matéria de competência da União, estando sujeito a normatização federal.
O esquema de repartição de competências entre os entes
federados – expressão do princípio federativo – conferiu à União, sem espaço para
os Estados e aos Municípios, tanto a competência material para a exploração,
direta ou mediante autorização, concessão ou permissão dos serviços e
instalações de energia elétrica, quanto à competência legislativa revelada
duplamente no art. 22, IV, da Constituição Federal, e na expressão “nos termos da lei, que disporá sobre a
organização dos serviços, a criação de órgão regulador e outros aspectos
institucionais”.
O trato da matéria, visualizada numa perspectiva
abrangente e múltipla, envolve não só os serviços de energia elétrica, mas suas
instalações e conexão com relações e efeitos direta ou indiretamente dela
derivados, ou seja, o impacto e a interferência em questões colaterais à
execução da atividade, como segurança, meio ambiente, saúde, tranquilidade,
privacidade, proteção ao consumidor etc., demandando, por isso mesmo, uma
disciplina normativa uniforme para todo território nacional e aplicável a todas
as coisas e pessoas físicas ou jurídicas.
A essencialidade, o estado de probabilidade (prevenção)
ou de incerteza (precaução) de riscos, perigos ou danos decorrentes dos
serviços de distribuição de energia elétrica é unitariamente concebível e
estimável para qualquer Estado ou Município da Federação, motivo que inspira a
uniformidade e a centralidade normativa (não bastasse a titularidade federal do
serviço), pois os efeitos serão os mesmos em bens e pessoas situados no
território nacional.
Sobre
a matéria, a União, no uso de sua competência privativa de legislar (CF,
art. 22, IV), editou a Lei nº 9.427/96, estabelecendo que a ela, por meio do
órgão regulador, Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, cabe regular e
fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia
elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do governo federal.
Disciplinou ainda o regime das concessões de serviços públicos de energia
elétrica.
A Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, a quem a lei conferiu as atribuições de órgão regulador (art. 2º), já disciplinou, ainda que parcialmente, a matéria objeto do ato normativo impugnado, através da Resolução nº 414/2010, que no art. 102, XIII, elencou dentre os serviços cobráveis, realizados mediante solicitação do consumidor, o deslocamento ou remoção de poste. (Redação dada pela REN ANEEL 479, de 03.04.2012).
Nem se alegue a existência de competência complementar
estadual, fundada na articulação prevista para o aproveitamento energético dos
cursos de água e a compatibilização com a política nacional de recursos
hídricos. A questão, como exposta, demonstra a inocorrência dos motivos que
justificariam a articulação, na medida em que a matéria não se cinge ao o
aproveitamento energético dos cursos de água e a compatibilização com a
política nacional de recursos hídricos, mas ao estabelecimento de regras para
todo o país relacionados com a prestação dos serviços de distribuição de
energia elétrica, posto que em qualquer espaço do território nacional
prevalece, ao contrário, a identidade de causas e de efeitos. Deste modo,
normas que invadem o campo da disciplina dos serviços e instalações de energia,
inclusive relativamente a seus reflexos a terceiros, são da órbita de
competência normativa federal.
Ainda que assim não fosse, o assunto, em termos
acadêmicos, foi bem examinado por
A autonomia das entidades federativas pressupõe repartição de competências legislativas, administrativas e tributárias. Trata-se de um dos pontos caracterizadores e asseguradores da existência e de harmonia do Estado Federal.
A base do conceito do Estado Federal reside exatamente na repartição de poderes autônomos, que, na concepção tridimensional do Estado Federal Brasileiro, se dá entre a União, os Estado e os Municípios. É através desta distribuição de competências que a Constituição Federal garante o princípio federativo. O respeito à autonomia dos entes federativos é imprescindível para a manutenção do Estado Federal.
Dessa forma, no conflito normativo aqui analisado, conclui-se que o art. 2º da Lei Estadual nº 12.635, de 06 de julho de 2007, viola o princípio da repartição constitucional de competências, que é a manifestação mais contundente do princípio federativo, operando, por consequência, desrespeito a princípios constitucionais estabelecidos.
Essa é a razão pela qual restou configurada, no caso, a ofensa ao disposto nos arts. 1º, 5º e 144 da Constituição do Estado de São Paulo.
Diante do exposto, afastando-se a preliminar de
ilegitimidade de parte, o processo deve ser suspenso para aguardar o desfecho
da ADI nº 4.925 em curso no STF, e caso venha ser analisado o mérito o pedido
deve ser julgado procedente reconhecendo-se a inconstitucionalidade do o art.
2º da Lei Estadual nº 12.635, de 06 de julho de 2007.
São Paulo, 25 de outubro de 2013.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
aca