Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade
Processo n. 0125155-62.2013.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de São José do Rio Preto
Requerida: Câmara Municipal de São José do Rio Preto
Ementa:
Constitucional. Urbanístico. Ambiental. Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Lei n. 11.290, de
03 de janeiro de 2013, de iniciativa parlamentar, do Município de São José do
Rio Preto. Intervenção de terceiro. Inadmissibilidade. Inexistência de lei de
efeito concreto ou de exame de questão dependente de prova. Reiteração integral
do parecer anterior pela procedência da ação. 1. É indevida, no modelo de processo objetivo, a intervenção de terceiros subjetivamente interessados no feito. 2. Lei que permite a ampliação de
imóveis construídos em determinada zona urbana não é de efeito concreto, por
preencher os requisitos de abstração, generalidade e indeterminação subjetiva. 3. Lei que possui o caráter de
repetibilidade, essencial para distingui-la de atos administrativos, inclusive
os de natureza geral: além de depender seu efeito de providências
administrativas concretas e diretas (o que reforça o traço de sua abstração), a
lei local não se esgota em si mesma, repetindo-se no porvir quantas vezes forem
necessárias para sua execução individualizada. 5. Matéria que não depende de exame de questão de fato ou de prova.
6. A lei local ofereceu a
tópica ampliação do potencial construtivo de imóveis situados em espaço
territorial especialmente protegido oriundo de desapropriações e outros atos de
aquisição dominial pública, em disposição isolada e desvinculada do
planejamento urbano integral, o que vulnera o bem-estar da população e a
preservação do meio ambiente, e a sua compatibilidade com o plano diretor, e
sua integralidade, e as normas urbanísticas de uso, ocupação e parcelamento do
solo urbano, o que é incompatível com os arts. 180, I, III a V, 181, 191 e 202,
CE/89.
Egrégio Tribunal:
1. Trata-se de ação direta de
inconstitucionalidade promovida pelo Prefeito do Município de São José do Rio
Preto impugnando a Lei n. 11.290, de 03 de janeiro de 2013, do Município de São
José do Rio Preto, de iniciativa parlamentar, que permite a ampliação de
imóveis construídos em determinada zona de seu território desde que mantidas a
taxa de permeabilidade do solo em 70%, a área de preservação permanente sobre
20% e o recuo de 15 metros de curso d’água em toda sua extensão, por
incompatibilidade com os arts. 5º, 202, 205, I, e 210 da Constituição Estadual
(fls. 02/13).
2. Após a oferta do parecer (fls.
85/92) inculcando a procedência da ação pela incompatibilidade da lei local com
os arts. 180, I, III a V, 181, 191 e 202 da Constituição Estadual, Márcio
Marcelo Minikovski, invocando o art. 5º, XXV, XXXIV, a, e LIV da Constituição Federal, assinala que o pedido visa a lhe
causar prejuízo e a liminar não admitia decisão monocrática, bem como salienta
tratar-se de lei de efeito concreto, sem densidade normativa para o contencioso
de constitucionalidade, nega iniciativa legislativa reservada e aduz que a
ofensa ambiental demanda prova insuscetível nesta via (fls. 94/100).
3. Os autos retornaram ao Ministério
Público para análise dessa pretensão (fl. 162).
4. A petição apresentada por Márcio
Marcelo Minikovski deve ser desentranhada.
5. É “indevida, no modelo de processo
objetivo, a intervenção de
terceiros subjetivamente
interessados no feito” (STF, AgR-ED-ADI 3.013-BA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen
Gracie, 31-05-2006, v.u., DJ 04-08-2006, p. 25), como consta do
art. 7º da Lei n. 9.868/99. Neste sentido:
“(...) - O caráter necessariamente estatal do ato suscetível de impugnação em ação direta de inconstitucionalidade exclui a possibilidade de intervenção formal de mera entidade privada no pólo passivo da relação processual. Precedente. O CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO CONSTITUI PROCESSO DE NATUREZA OBJETIVA - A importância de qualificar o controle normativo abstrato de constitucionalidade como processo objetivo - vocacionado, exclusivamente, à defesa, em tese, da harmonia do sistema constitucional - encontra apoio na própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, por mais de uma vez, já enfatizou a objetividade desse instrumento de proteção ‘in abstracto’ da ordem constitucional. Precedentes. Admitido o perfil objetivo que tipifica a fiscalização abstrata de constitucionalidade, torna-se essencial concluir que, em regra, não se deve reconhecer, como pauta usual de comportamento hermenêutico, a possibilidade de aplicação sistemática, em caráter supletivo, das normas concernentes aos processos de índole subjetiva, especialmente daquelas regras meramente legais que disciplinam a intervenção de terceiros na relação processual. Precedentes. NÃO SE DISCUTEM SITUAÇÕES INDIVIDUAIS NO PROCESSO DE CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO - Não se discutem situações individuais no âmbito do controle abstrato de normas, precisamente em face do caráter objetivo de que se reveste o processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade. O círculo de sujeitos processuais legitimados a intervir na ação direta de inconstitucionalidade revela-se extremamente limitado, pois nela só podem atuar aqueles agentes ou instituições referidos no art. 103 da Constituição, além dos órgãos de que emanaram os atos normativos questionados. - A tutela jurisdicional de situações individuais - uma vez suscitada controvérsia de índole constitucional - há de ser obtida na via do controle difuso de constitucionalidade, que, supondo a existência de um caso concreto, revela-se acessível a qualquer pessoa que disponha de legítimo interesse (CPC, art. 3º). (...)” (STF, AgR-ADI 1.254-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 14-08-1996, v.u., DJ 19-09-1997, p. 45.530).
6. Reafirmo a inexistência de reserva de iniciativa
legislativa do Chefe do Poder Executivo, mas, insisto na procedência da ação
pelos fundamentos constantes de mencionado pronunciamento.
7. Não compartilho da existência de lei de efeito concreto. Se “só constitui ato normativo idôneo a submeter-se ao controle abstrato da ação direta aquele dotado de um coeficiente mínimo de abstração ou, pelo menos, de generalidade” (STF, ADI-MC-QO 1937-PI, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 20-06-2007, v.u., DJ 31-08-2007, p. 29), o Supremo Tribunal Federal tem decidido que:
“(...) 4. Preliminar de não-cabimento rejeitada: o Supremo Tribunal Federal deve exercer sua função precípua de fiscalização da constitucionalidade das leis e dos atos normativos quando houver um tema ou uma controvérsia constitucional suscitada em abstrato, independente do caráter geral ou específico, concreto ou abstrato de seu objeto. Possibilidade de submissão das normas de diretrizes orçamentárias ao controle abstrato de constitucionalidade. Precedentes. (...)” (RTJ 212/372).
“(...) 1. A lei não precisa de densidade normativa para se expor ao controle abstrato de constitucionalidade, devido a que se trata de ato de aplicação primária da Constituição. Para esse tipo de controle, exige-se densidade normativa apenas para o ato de natureza infralegal. (...)” (RTJ 211/247).
“(...) 1. Preliminar de inviabilidade do controle de constitucionalidade abstrato. Alegação de que os atos impugnados seriam dotados de efeito concreto, em razão da possibilidade de determinação de seus destinatários. Preliminar rejeitada. Esta Corte fixou que ‘a determinabilidade dos destinatários da norma não se confunde com a sua individualização, que, esta sim, poderia convertê-lo em ato de efeitos concretos, embora plúrimos’ [ADI n. 2.135, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 12.5.00]. 2. A lei estadual impugnada consubstancia lei-norma. Possui generalidade e abstração suficientes. Seus destinatários são determináveis, e não determinados, sendo possível a análise desse texto normativo pela via da ação direta. Conhecimento da ação direta. (...)” (STF, ADI 820-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 15-03-2007, v.u., DJe 29-02-2008).
8. A
lei local impugnada nesta via preenche as condições enunciadas na
jurisprudência para habilitação do contencioso de constitucionalidade, pois, é
genérica e abstrata e não têm destinatários determinados ao permitir a
ampliação de imóveis construídos em determinada zona urbana. Ela possui,
ademais, o caráter de repetibilidade que é essencial para distingui-la de atos
administrativos, inclusive os de natureza geral. Com efeito, além de depender
seu efeito de providências administrativas concretas e diretas (o que reforça o
traço de sua abstração), a lei local não se esgota em si mesma, repetindo-se no
porvir quantas vezes forem necessárias para sua execução individualizada.
9. No parecer oferecido registrei a possibilidade do contencioso
de constitucionalidade, sem que se configure contraste entre a lei impugnada e
o plano diretor, estimando desafio direto e frontal à Constituição:
“(...) Plausibilidade da alegação de que a Lei
Complementar distrital 710/05, ao permitir a criação de projetos urbanísticos
‘de forma isolada e desvinculada’ do plano diretor, violou diretamente a
Constituição Republicana. (...)” (STF, QO-MC-AC 2.383-DF, 2ª Turma, Rel. Min.
Ayres Britto, 27-03-2012, v.u., 28-06-2012).
10. A matéria não depende de exame de questão de fato ou de
prova. No ponto, reitero o quanto exposto no parecer já apresentado:
“12. É fato – e não prognose – decorrente diretamente do processo legislativo que a lei local de iniciativa parlamentar ofereceu a tópica ampliação do potencial construtivo de imóveis situados em espaço territorial especialmente protegido oriundo de desapropriações e outros atos de aquisição dominial pública, em disposição isolada e desvinculada do planejamento urbano integral, o que vulnera o bem-estar da população e a preservação do meio ambiente, e a sua compatibilidade com o plano diretor, e sua integralidade, e as normas urbanísticas de uso, ocupação e parcelamento do solo urbano.
13. Essas medidas tópicas e casuísticas, isoladas e individualizadas, que excepcionam e se desvinculam do planejamento urbano e da proteção ambiental, violam os parâmetros contidos nos arts. 180, I, III a V, 181, 191 e 202, da Constituição Estadual” (fl. 92).
11. Face ao exposto,
opino pelo desentranhamento da petição de Márcio Marcelo Minikovski (fls. 94/100), e dos documentos que
a acompanham (fls. 101/161), reiterando o parecer oferecido e adicionando a
presença do interesse de agir.
São Paulo, 17 de outubro de
2013.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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