Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 0128923-93.2013.8.26.0000

Requerente: TELCOMP – Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas

Requeridos: Prefeito e Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal nº 13.756, de 16 de janeiro de 2004, de São Paulo, que “Dispõe sobre a instalação de Estação Rádio-Base – ERB, no Município de São Paulo, e dá outras providências”.

2)      Preliminar. Legitimidade da entidade associativa de segundo grau (associação de associação, entidade que congrega pessoas jurídicas) para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade. Posicionamento adotado pelo STF a partir do julgamento da ADI 3.153.

3)      Preliminar. Possibilidade jurídica do pedido. Pretensão à declaração de inconstitucionalidade com amparo em parâmetros da Constituição do Estado.

4)      Preliminar. Parcial falta de interesse de agir. Inadequação da via eleita. Descabimento, em sede de processo objetivo, do exame de atos concretos (multas, processos judiciais em andamento, inclusão em cadastros de inadimplentes), cuja análise deve ser realizada caso a caso, na jurisdição comum (processo subjetivo). Precedentes do STF.

5)      Mérito. Usurpação da competência legislativa privativa da União (art. 22, IV), com violação do princípio federativo (CE, art. 1º). O Município não tem competência legislativa para disciplinar a instalação e o funcionamento de Estações de Rádio-Base (ERBs), torres e equipamentos afins de telefonia celular e de televisão (arts. 21, XI, e 22, IV, Constituição Federal).

6)      Mérito. Normas da legislação municipal que, a pretexto de estabelecer a proteção ao meio ambiente e à saúde pública, bem como regular o uso e ocupação do solo urbano, estabelecem critérios de instalação, manutenção, operação e fiscalização das antenas de telecomunicações (Estações Rádio-Base – ERBs) que ostentam, manifestamente, aptidão para interferir, do ponto de vista técnico, no desempenho do serviço prestado pelas operadoras de telefonia.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pela TELCOMP – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS PRESTADORAS DE SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES COMPETITIVAS, tendo como alvo a Lei Municipal nº 13.756, de 16 de janeiro de 2004, de São Paulo, que “Dispõe sobre a instalação de Estação Rádio - Base – ERB, no Município de São Paulo, e dá outras providências”.

Segundo a inicial a inconstitucionalidade decorre do fato de que a legislação local não poderia dispor a respeito da matéria, de sorte a proibir a prestação de um serviço federal (de telecomunicações), ocorrendo ofensa ao art. 144 da Constituição do Estado de São Paulo, pois o Município: (a) legislou sobre telecomunicações, matéria da competência privativa da União (art. 22, IV, da CF); (b) dispôs sobre o uso de bem público da União Federal, que é o espectro radioelétrico, contrariando assim o princípio federativo (art. 18 da CF); (c) ignorou a competência da União para explorar e organizar os serviços de telecomunicações (art. 21, IX, da CF); (d) ofendeu o princípio da proporcionalidade, assentado no art. 111 da Constituição do Estado.

Sustenta ainda ter ocorrido ofensa ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito, por colher a lei situações jurídicas já consolidadas à luz da legislação anterior.

Formula não só o pedido de declaração de inconstitucionalidade, mas também de (a) suspensão de multas aplicadas contra operadoras de telefonia, (b) vedação da inclusão das operadoras, em função das multas já aplicadas, em Cadastro Informativo municipal de Inadimplentes, e (c) suspensão de todas aas ações judiciais em andamento contra as operadoras, relacionadas à lei impugnada.

Foi indeferido o pedido de liminar (fls. 535/538).

Citado, o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou da defesa do ato normativo (fls. 359, 643/644).

A Presidência da Câmara Municipal prestou informações (fls. 561/586), sustentando: (a) ilegitimidade da autora, por se tratar de entidade representativa de pessoas jurídicas, e não de pessoas físicas; (b) impossibilidade jurídica do pedido, pela utilização de dispositivos da Constituição Estadual como parâmetro, sem que tenham relação com a questão constitucional, bem como pela remissão, ainda, a dispositivos da Constituição Federal; (c) impossibilidade de declaração de inconstitucionalidade com amparo em dispositivos da Constituição Federal; (d) competência legislativa do Município para tratar de assuntos de interesse local e para disciplinar o uso do solo municipal (art. 30, I e VIII, da CF); (e) competência legislativa concorrente para matéria ambiental (art. 24, VI, da CF; art. 191 da Constituição Paulista).

O Senhor Prefeito Municipal prestou informações (fls. 646/696), que reafirmam, em linhas gerais, os argumentos apresentados pela Presidência da Câmara Municipal, salientando, ademais, que a lei impugnada está em consonância com a lei que cuida do “Plano Diretor Estratégico” (Lei Municipal nº 13.430, de 13 de setembro de 2002), e com a lei que estabelece normas complementares para aquele plano (Lei Municipal nº 13.885, de 25 de agosto de 2004), bem como com o Código de Obras e Edificações vigente (Lei Municipal nº 11.228, de 25 de junho de 1992).

É o relato do essencial.

PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE

A preliminar deve ser afastada.

O Col. STF, nesse ponto, modificou seu entendimento e passou a sustentar que as associações de associações, também denominadas de confederações ou entidades de segundo grau, estão legitimadas à propositura da ação direta de inconstitucionalidade, desde que configurada a classe e existente a pertinência temática entre o objeto social da entidade e a questão constitucional discutida.

Nada impede que entidades que congregam pessoas jurídicas preencham tais requisitos.

Confira-se o entendimento do STF, aplicável à hipótese mutatis mutandis:

“(...)

"Ação direta de inconstitucionalidade: legitimação ativa: ‘entidade de classe de âmbito nacional’: compreensão da ‘associação de associações’ de classe: revisão da jurisprudência do Supremo Tribunal. O conceito de entidade de classe é dado pelo objetivo institucional classista, pouco importando que a eles diretamente se filiem os membros da respectiva categoria social ou agremiações que os congreguem, com a mesma finalidade, em âmbito territorial mais restrito. É entidade de classe de âmbito nacional – como tal legitimada à propositura da ação direta de inconstitucionalidade (CF, art. 103, IX) – aquela na qual se congregam associações regionais correspondentes a cada unidade da Federação, a fim de perseguirem, em todo o País, o mesmo objetivo institucional de defesa dos interesses de uma determinada classe. Nesse sentido, altera o Supremo Tribunal sua jurisprudência, de modo a admitir a legitimação das ‘associações de associações de classe’, de âmbito nacional, para a ação direta de inconstitucionalidade. (ADI 3.153-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 12-8-2004, Plenário, DJ de 9-9-2005.) No mesmo sentido: ADI 2.797 e ADI 2.860, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 15-9-2005, Plenário, DJ de 19-12-2006. Em sentido contrário: ADI 23, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 2-4-1998, Plenário, DJ de 18-5-2001.

(...)”

A requerente, inclusive, é autora de ações diretas de inconstitucionalidade que tramitam no STF, sem que tenha sido negada até o presente momento, ao que se sabe, sua legitimidade (como se infere de consulta realizada ao sítio eletrônico do STF, nesta oportunidade).

Confiram-se, especialmente, os seguintes precedentes, a título de exemplificação: ADI 4649 MC / RJ, rel. Min. DIAS TOFFOLI, j. 28/09/2011; ADI 4533 MC / MG, rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, j. 25/08/2011; ADI 4401 MC / MG, rel. Min. GILMAR MENDES, 23/06/2010.

Afasta-se a preliminar.

PRELIMINAR DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO

A preliminar, com a devida vênia, deve ser afastada.

O pedido de declaração de inconstitucionalidade é expressamente permitido pelo ordenamento jurídico, pois a ação declaratória com tal escopo está prevista tanto na Constituição Federal (art. 125, § 2º) como na Constituição Paulista (art. 74, VI, e art. 90).

Nesse particular, não se pode aceitar a alegação de impossibilidade jurídica do pedido, e consequentemente carência de ação.

PRELIMINAR DE IMPOSSIBILIDADE DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE COM AMPARO EM DISPOSITIVOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Efetivamente, não é viável a declaração de inconstitucionalidade de norma local (municipal ou estadual), por parte do Tribunal de Justiça, com amparo em parâmetros constitucionais federais.

Entretanto, não foi isso o que postulou o requerente, que pretende o reconhecimento da inconstitucionalidade com amparo na violação do princípio federativo e no princípio da razoabilidade, como veremos adiante, na parte desta manifestação reservada ao exame do mérito.

Afasta-se, destarte, a preliminar.

PRELIMINAR DE PARCIAL AUSÊNCIA DE INTERESSE

Mas há outro aspecto a ser examinado, que ora se suscita.

Além do pedido de declaração de inconstitucionalidade, a requerente formulou pedidos no sentido de que: (a) sejam suspensas multas aplicadas às operadoras de telefonia, suas filiadas; (b) sejam anuladas tais multas; (c) sejam suspensos todos os processos instaurados em decorrência ou em função da lei impugnada; (d) seja obstada a inclusão de empresas autuadas em cadastro municipal de inadimplentes.

Em outras palavras, a requerente efetuou cumulação de pedidos, pois postula ao Tribunal que, além de examinar a alegação de inconstitucionalidade da lei (processo objetivo), vá além, e examine relações jurídicas concretas, cujo surgimento e existência estão relacionados com a aplicação da lei, por meio da dedução de pedidos de condenação, anulação, ou imposição de tutela específica (obrigações de fazer e de não fazer).

Essa cumulação é inviável na via eleita (ação direta de inconstitucionalidade), na medida em que o escopo do processo objetivo é, exclusivamente, o exame da incompatibilidade entre a lei e o parâmetro constitucional de controle indicado pelo requerente ou identificado pelo Tribunal.

Claro que o ordenamento jurídico brasileiro admite que sejam impugnados atos administrativos de aplicação de multa, inclusão em cadastros de inadimplentes, ou mesmo decisões judiciais em processos instaurados em função da existência e vigência do ato normativo impugnado.

Mas essas impugnações, que se referem a litígios concretamente considerados, devem ser realizadas na via da jurisdição comum, e não na jurisdição constitucional.

A ação direta de inconstitucionalidade é a via inadequada, em outras palavras, para o exame de pretensões individuais, o que revela, quanto a tais específicos pedidos, ausência de interesse de agir (inadequação da via eleita).

É a lição há muito assentada pela jurisprudência do STF:

“(...)

"Além disso, acentue-se, desde logo, que, no direito brasileiro, jamais se aceitou a idéia de que a nulidade da lei importaria na eventual nulidade de todos os atos que com base nela viessem a ser praticados. Embora a ordem jurídica brasileira não disponha de preceitos semelhantes aos constantes do § 79 da Lei do Bundesverfassungsgericht, que prescreve a intangibilidade dos atos não mais suscetíveis de impugnação, não se deve supor que a declaração de nulidade afete, entre nós, todos os atos praticados com fundamento na lei inconstitucional. É verdade que o nosso ordenamento não contém regra expressa sobre o assunto, aceitando-se, genericamente, a idéia de que o ato fundado em lei inconstitucional está eivado, igualmente, de iliceidade (Cf., a propósito, RMS 17.976, Rel. Amaral Santos, RTJ 55, p. 744). Concede-se, porém, proteção ao ato singular, em homenagem ao princípio da segurança jurídica, procedendo-se à diferenciação entre o efeito da decisão no plano normativo (Normebene) e no plano do ato singular (Einzelaktebene) mediante a utilização das chamadas fórmulas de preclusão (cf. Ipsen, Jörn, Rechtsfolgen der Verfassungswidrigkeit von Norm und Einzelakt, Baden-Baden, 1980, p. 266 e s. Ver, também, Mendes, Gilmar, Jurisdição Constitucional, 5ª ed., São Paulo: Saraiva, 2005, p. 334)." (RE 217.141-AgR, voto do Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 13-6-2006, Segunda Turma, DJ de 4-8-2006.)

(...)”

Dessa forma, por inadequação da via eleita (ausência de interesse processual), não deverão ser conhecidos os pedidos de suspensão das multas aplicadas, não inclusão em cadastros de inadimplentes, e suspensão de processos subjetivos que tenham sido instaurados em função da aplicação da lei.

Tais atos, decisões ou feitos judiciais devem ser impugnados nas vias próprias, e não no plano do processo objetivo e concentrado, limitado ao controle abstrato da constitucionalidade da lei.

MÉRITO

A Lei Municipal nº 13.756, de 16 de janeiro de 2004, que “Dispõe sobre a instalação de Estação Rádio Base – ERB, no Município de São Paulo, e dá outras providências”, com trinta e seis artigos, disciplina, como estabelece o seu artigo 1º, a “instalação e o funcionamento, no Município de São Paulo, de postes, torres, antenas, contêineres e demais equipamentos que compõem as Estações Rádio-Base, destinadas à operação de serviços de telecomunicações”.

A lei estabelece: vedações de ordem geral à instalação de Estações Rádio-Base (art. 6º); cuida de limitações relativas à instalação em áreas públicas (art. 7º, 8º e 9º); fixa parâmetros práticos e técnicos relativamente aos imóveis nos quais as antenas serão instaladas (art. 10, 11, 12); cuida dos procedimentos de instalação (art. 14, 15, 16); estabelece a possibilidade de fiscalização, por parte do Município, inclusive com relação à parte técnica do serviço prestado (art. 17 a 28); cuida de parâmetros para a regularização, em consonância com os critérios da própria lei (art. 29 a 31); disciplina aspectos relativos às centrais telefônicas (art. 32).

Não há como negar, com a devida vênia em relação à profunda e ponderável argumentação em sentido contrário, apresentada tanto pelo Senhor Prefeito Municipal como pela Presidência da Câmara Municipal, que todas as diretrizes estabelecidas pela lei impugnada interferem, direta e indiretamente, em aspectos técnicos da prestação de serviços de telefonia.

Observe-se, nessa linha de raciocínio que indicações relativas, por exemplo, à distância entre antenas, altura e características dos imóveis e das antenas, necessidade de autorização de moradores da rua na qual ocorrerá a instalação, restrições à instalação em determinados tipos de imóveis, e assim por diante - apenas para ficar em algumas situações que podem ser extraídas da lei em exame -, interferem, necessariamente, na forma como os serviços são estruturados e prestados, guardando relação com aspectos essencialmente técnicos dos serviços de telecomunicações.

Encontra apoio na percepção daquilo que se revela como situação notória, a compreensão de que insuficiências decorrentes de limitações dessa natureza repercutirão na qualidade dos serviços.

Por outro lado, envolvendo o sistema de telefonia celular um complexo e intrincado conjunto de estações e pontos de transmissão, que repercutem não apenas nos moradores de determinada cidade, mas também das que lhe são contíguas, e, em última análise, até mesmo em outras longínquas, é razoável supor que esse sistema deva funcionar com padrões mínimos que guardem similaridade ou equivalência em todo o território nacional.

Mesmo sem o domínio da informação técnica relacionada à telefonia, o conhecimento daquilo que ordinariamente ocorre (id quod plerumque accidit) evidencia que os padrões técnicos desse serviço (seja no que diz respeito ao funcionamento do sistema, seja no que se refere à preservação do meio ambiente bem como da saúde das pessoas que habitam os centros urbanos e os locais onde há estações repetidoras) devem ser uniformes.

Em outros termos: para que o sistema de telefonia seja seguro e apresente padrões apropriados de qualidade, ele deve guardar estrutura material e técnica que lhe confira possibilidade de funcionar de modo equalizado não apenas dentro da cidade.

Isso revela o acerto da conclusão de que o tratamento legislativo dado ao tema deve ser uniforme em todo o território nacional.

A partir dessa afirmação é possível concluir que a lei viola o princípio federativo, que se manifesta na repartição constitucional de competências, (arts. 1º e 144 da Constituição Paulista).

O esquema de repartição de competências entre os entes federados – expressão do princípio federativo – conferiu à União, sem espaço para Estados e Municípios, tanto a competência material dos serviços de telecomunicações e radiodifusão (art. 21, XI e XII, a), qualificado, assim, como serviço público federal, quanto a competência legislativa revelada duplamente no art. 22, IV, e na expressão “nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de órgão regulador e outros aspectos institucionais”, constante da segunda parte do inciso XI do art. 21.

O trato da matéria, visualizada numa perspectiva abrangente e múltipla, envolve não só as telecomunicações, mas, sua conexão com as relações e os efeitos direta ou indiretamente dela derivados, ou seja, o impacto e a interferência em questões colaterais à execução da atividade, como segurança, meio-ambiente, saúde, tranquilidade, privacidade, proteção ao consumidor etc., demandando, por isso mesmo, uma disciplina normativa unificada para todo o país.

O estado de probabilidade (prevenção) ou de incerteza (precaução) de riscos, perigos ou danos decorrentes dos serviços de telecomunicações é unitariamente concebível e estimável para qualquer Estado ou Município da Federação, motivo que inspira a uniformidade e a centralidade normativa (não bastasse a titularidade federal do serviço), pois, os efeitos serão os mesmos em bens e pessoas situados em qualquer parte do território nacional.

Sobre a matéria, a União no uso de sua competência privativa de legislar (CF, art. 22, IV), editou a Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, estabelecendo que a ela, através do órgão regulador, cabe organizar a exploração dos serviços de telecomunicações. Dispôs que a organização inclui, entre outros aspectos, a disciplina e a fiscalização da execução, comercialização e uso dos serviços e da implantação e funcionamento de redes de telecomunicações, bem como da utilização dos recursos de órbita e espectro de radiofrequências (art.1º e parágrafo único).

A Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), por sua vez, a quem a lei conferiu as atribuições de órgão regulador (art. 8º), com competência para adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras (dentre elas a expedição de normas e padrões a serem cumpridos pelas prestadoras de serviços de telecomunicações quanto aos equipamentos que utilizarem - art. 19, XII), já disciplinou, ainda que parcialmente, a matéria objeto da lei estadual impugnada, através da Resolução nº 303/2002 que aprovou o Regulamento sobre limitação da exposição a campos elétricos, Magnético e eletromagnéticos na faixa de radiofrequências entre 9khz e 300 GHz.

Por outro lado, o Congresso Nacional também cuidou do tema aqui debatido ao editar a Lei nº 11.934, de 05 de maio de 2009, que “Dispõe sobre limites à exposição humana a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos; altera a Lei no 4.771, de 15 de setembro de 1965; e dá outras providências”.

Nem se alegue a existência de interesse local ou autonomia municipal para simples disciplina do uso e ocupação do solo urbano, bem como a competência concorrente, ou mesmo complementar ou suplementar, do Município, para a proteção do meio ambiente e da saúde dos munícipes.

A questão, como exposta, demonstra a inocorrência da predominância – chave-mestra para delimitação da autonomia local – na medida em que não se cinge às peculiaridades de cada comuna o estabelecimento de posturas edilícias para evitar riscos ou perigos à vida, à saúde, à segurança, decorrentes de instalações de telecomunicações.

Em outros termos, em qualquer espaço do território nacional prevalece, ao contrário, a identidade de causas e efeitos. Deste modo, normas que contém ou indicam padrões ou parâmetros para uso de instalações e equipamentos dos serviços de telecomunicações, inclusive relativamente a seus reflexos a terceiros, são da órbita de competência normativa federal.

Como anota Fernanda Menezes Dias de Almeida, a colisão de competências resolve-se pela prevalência das “determinações emanadas do titular da competência legislativa privativa” (Competências na Constituição de 1988, São Paulo: Atlas, 2ª ed., p. 159).

Enfim, e corroborando a tese aqui exposta, decidiu essa colenda Corte Paulista:

“(...)

“Ação direta de inconstitucionalidade. Emenda n ° 12, de 12.05.2004, que acrescenta o artigo 163-A à Lei Orgânica Municipal de Estiva Gerbi. Proibição de instalação de antenas ou torres de telefonia celular no perímetro urbano do Município. Inconstitucionalidade reconhecida por ingerência do Parlamento Municipal em assunto de competência legislativa da União. Art. 22, IV, da Constituição Federal e arts. 1º, 111 e 144, da Constituição Estadual. Ação procedente” (TJSP, ADI 114.569-0/2-00, Órgão Especial, Rel. Des. Roberto Stucchi, m.v., 08-11-2006).

(...)

“EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO- ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEIS ESTADUAL E MUNICIPAL - SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES - ESTABELECIMENTO DE CONDIÇÕES - USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DA UNIÃO - PRESENÇA - INCONSTITUCIONALIDADE – EXISTÊNCIA - São inconstitucionais a Lei Estadual 10.995, de 21 de dezembro de 2001, e o art. 10 da Lei Municipal de Campinas 11.024, de 9 de novembro de 2001, que estabelecem condições às empresas prestadoras de serviços de telecomunicações para a instalação de antenas e estações de radiotransmissão em geral, por invadirem competência legislativa e material privativa da União, afrontando o disposto nos arts. 22, inciso IV, combinado com o art. 21, inciso XI, da Constituição Federal - Leis de outros entes federativos não podem impor alterações, direta ou indiretamente, nos contratos celebrados com a União - Jurisprudência do STF – Acolhe-se a arguição de inconstitucionalidade.” (TJSP, Órgão Especial, Incidente de Inconstitucionalidade nº 0265129-22.2010.8.26.0000).

(...)”

Não pode o legislador Estadual ou Municipal, a pretexto de legislar concorrentemente ou suplementar a legislação Federal ordem geral, invadir a competência legislativa deste ente federativo superior (RE 313.060, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 29-11-2005, Segunda Turma, DJ de 24-2-2006).

A autonomia das entidades federativas pressupõe repartição de competências legislativas, administrativas e tributárias. Trata-se de um dos pontos caracterizadores e asseguradores da existência e da harmonia do Estado Federal.

A base do conceito do Estado Federal reside exatamente na repartição de competências entre os entes federativos autônomos, ou seja, União, Estado e Município. É por meio desta distribuição de competências que a Constituição Federal garante o princípio federativo. O respeito à autonomia dos entes federativos é imprescindível para a manutenção do Estado Federal.

Finalmente, a tese adotada pela autora e acolhida nesta manifestação tem encontrado apoio no Col. STF, como se infere dos precedentes coligidos a seguir, aplicáveis ao caso mutatis mutandis:

“(...)

“Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 14.150, de 20/12/2012, do Estado do Rio Grande do Sul. Vedação da cobrança de assinatura básica pelas concessionárias de telefonias fixa e móvel. Serviço público de telecomunicações. Invasão da competência legislativa privativa da União. Violação dos artigos 21, XI, 22, IV, e 175, parágrafo único, da Constituição Federal. Precedentes. Medida cautelar deferida. I – A competência para legislar sobre a disciplina e a prestação dos serviços públicos de telecomunicações é privativa da União, nos termos dos artigos 21, XI, 22, IV, e 175, parágrafo único, todos da Constituição Federal. II – Medida cautelar deferida.” (ADI 4907 MC / DF, Pleno, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Julgamento:  07/02/2013)

(...)

“EMENTA Medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade. Artigo 1º, caput e § 1º, da Lei nº 5.934, de 29 de março de 2011, do Estado do Rio de Janeiro, o qual dispõe sobre a possibilidade de acúmulo das franquias de minutos mensais ofertados pelas operadoras de telefonia, determinando a transferência dos minutos não utilizados no mês de sua aquisição, enquanto não forem utilizados, para os meses subsequentes. Competência privativa da União para legislar sobre telecomunicações. Violação do art. 22, IV, da Constituição Federal. Precedentes. Medida cautelar deferida para suspender a eficácia do art. 1º, caput e § 1º, da Lei nº 5.934, de 29 de março de 2011, do Estado do Rio de Janeiro.” (ADI 4649 MC / RJ, Pleno, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Julgamento:  28/09/2011)

(...)

 “Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 1º E 2ª DA LEI 18.403/2009, DO ESTADO DE MINAS GERAIS. OBRIGAÇÃO DE O FORNECEDOR INFORMAR, NO INSTRUMENTO DE COBRAÇA ENVIADO AO CONSUMIDOR, A QUITAÇÃO DE DÉBITOS ANTERIORES. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE TELECOMUNICAÇÕES. OFENSA AOS ARTIGOS 21, XI, 22, IV, e 175, PARÁGRAFO ÚNICO, I e II, TODOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LIMINAR DEFERIDA. I – Norma estadual que imponha obrigações e sanções para empresas, dentre as quais as prestadoras de serviços de telecomunicações, não previstas nos contratos previamente firmados com a União, a qual detém a competência privativa para legislar em tais casos, viola, à primeira vista, o Texto Constitucional, conforme pacífica jurisprudência deste Tribunal. II – Medida cautelar deferida para suspender, até o julgamento final desta ação, a aplicação dos artigos 1º e 2º da Lei 18.403, de 28/9/2009, do Estado de Minas Gerais, tão somente em relação às empresas prestadoras de serviços de telecomunicações delegados pela União.” (ADI 4533 MC / MG, Pleno, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Julgamento:  25/08/2011)

(...)”

É dispensável, ao contrário do que sustentou a requerente, estabelecer reflexões a respeito da possível violação do princípio da razoabilidade com relação a algumas imposições previstas na lei, especialmente relativamente às multas administrativas, nela previstas.

É que a análise dessa alegação só se mostraria relevante se não fosse o caso de acolhimento da alegação de inconstitucionalidade total da lei, pelos motivos acima expostos, dada a evidência de contrariedade ao princípio federativo.

Finalmente, a questão da compatibilidade ou não da lei impugnada com outros atos normativos infraconstitucionais transcende os limites da cognição possível em sede de ação direta de inconstitucionalidade, em que o exame se limita à alegação de conflito entre a lei e o parâmetro constitucional estadual.

Dessa forma, no conflito normativo aqui analisado, conclui-se que a Lei Municipal nº 13.756, de 16 de janeiro de 2004, de São Paulo, violou a repartição constitucional de competências, que é a manifestação mais contundente do princípio federativo, operando, por consequência, desrespeito a princípio constitucional estabelecido.

Essa é a razão pela qual restou configurada, no caso, a ofensa ao disposto nos arts. 1º e 144, da Constituição do Estado de São Paulo. Frise-se: é apenas com base nestes dispositivos, e não em disposições da CF, que deverá ser declarada a inconstitucionalidade da lei.

Observe-se, por último e não menos importante, que a Municipalidade e a Presidência da Câmara procuraram apresentar argumentos técnicos em suas manifestações, com o escopo de sinalizar que a solução contida na lei municipal impugnada seria a melhor do ponto de vista da saúde pública e da defesa do meio ambiente.

Esse aspecto, entretanto, não está em discussão, por uma razão objetiva: ainda que as soluções e parâmetros oferecidos pelo ato normativo impugnado sejam adequados, na referida perspectiva, a questão se resolve pela falta de competência do Município para regular aspectos de um serviço que compete à União prestar, diretamente ou mediante concessão.

Diante do exposto, superadas as preliminares, a ação deve ser julgada procedente, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 13.756, de 16 de janeiro de 2004, de São Paulo.

São Paulo, 10 de setembro de 2013.

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

 

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