Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 0138719-11.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeita do Município de Guarujá

Requerido: Presidente da Câmara Municipal do Guarujá

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida pela Prefeita Municipal de Guarujá, em face da Lei nº 3.704, de 28 de novembro de 2008, que “Dispõe sobre a instituição a ‘CRECHE DO VOVÔ’, no âmbito do município de Guarujá, e dá outras providências”. Projeto nascido no Poder Legislativo, com usurpação das atribuições do Prefeito. Violação do princípio da separação dos poderes. Constituição Estadual: arts. 5º, 24, § 2º, n. 2, 47, II, XIV, XIX 'a' e 144. Parecer pela declaração da inconstitucionalidade.

 

 

Colendo Órgão Especial,

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente:

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade promovida pela Prefeita Municipal de Guarujá da Lei nº 3.704, de 28 de novembro de 2008, de iniciativa parlamentar, que “Dispõe sobre a instituição a ‘CRECHE DO VOVÔ’, no âmbito do município de Guarujá, e dá outras providências”.

Sustenta a autora que a lei padece de inconstitucionalidade formal. Foi projetada no âmbito do Poder Legislativo, com vício de iniciativa e ofensa ao princípio da separação dos poderes.

Aponta como violados os artigos 5º, 24, 25, 47, II e 144, da Constituição Estadual.

A Lei não teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, desatendendo-se ao pedido liminar (fls. 35/36).

O Presidente da Câmara Municipal prestou informações às fls. 50/54, em defesa da norma impugnada.

  A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa das normas questionadas, consignando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 46/48).

É a síntese do necessário.

O pedido deve ser examinado pelo cotejo da lei em análise com os arts. 5º, 24, § 2º, n. 2, 47, II, XIV e XIX, ‘a’, e 144, da Constituição Estadual, a seguir reproduzidos:

“Art. 5.º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

(...)

Art. 24 - A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão da Assembleia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

(...)

§ 2º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:

(...)

2 - criação e extinção das Secretarias de Estado e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 47, XIX;

Art. 47 – Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:

(...)

II – exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;

(...)

XIV – praticar os demais atos de administração, nos limites da competência do Executivo;

(...)

XIX - dispor, mediante decreto, sobre:

a) organização e funcionamento da administração estadual, quando não implicar em aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos;

Art. 144 – Os Municípios, com autonomia, política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”

A Lei nº 3.704, de 28 de novembro de 2008, do Município de Guarujá, objeto desta ação direta, cria obrigações e fixa condutas para a Administração Municipal, ao instituir a obrigatoriedade de instituir a "Creche do Vovô" no município.

Neste sentido, considerada a iniciativa parlamentar que culminou na edição do ato normativo em epígrafe (o projeto é de autoria do Vereador Marcelo Gaspar Pinto – cf. fls. 18 e 29), é visível que o Poder Legislativo municipal invadiu a esfera de atribuições do Chefe do Poder Executivo.

Ao Poder Legislativo cabe a função de editar atos normativos de caráter geral e abstrato. Ao Executivo cabe o exercício da função de gestão administrativa, que envolve atos de planejamento, direção, organização e execução.

Atos que, na prática, representam invasão da esfera executiva pelo legislador, devem ser invalidados em sede de controle concentrado de normas, na medida em que representam quebra do equilíbrio assentado nos arts. 5º, 37 e 47, II, XIV e XIX, ‘a’, da Constituição do Estado de São Paulo, aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144.

Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que:

“A Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante (...) todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito Municipal Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2006, 15ª ed., pp. 708, 712, atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva).

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis de efeitos concretos, ou que equivalem, na prática, a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os Poderes. Essa é exatamente a hipótese verificada nos autos.

Neste sentido, já proclamou esse Egrégio Tribunal que:

“Ao executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito”  (ADI n. 53.583-0, Rel. Des. Fonseca Tavares).

E nesta linha, verificando a inconstitucionalidade por ruptura do princípio da separação de poderes, este Egrégio Tribunal de Justiça vem declarando a inconstitucionalidade de leis similares (ADI 117.556-0/5-00, Rel. Des. Canguçu de Almeida, v.u., 02-02-2006; ADI 124.857-0/5-00, Rel. Des. Reis Kuntz, v.u., 19-04-2006; ADI 126.596-0/8-00, Rel. Des. Jarbas Mazzoni, v.u., 12-12-2007; ADI 127.526-0/7-00, Rel. Des. Renato Nalini, v.u., 01-08-2007; ADI 132.624-0/6-00, Rel. Des. Mohamed Amaro, m.v., 24-10-2007; ADI 142.130-0/0-00, Rel. Des. Ivan Sartori, 07-05-2008).

O vício de iniciativa conduz à declaração de inconstitucionalidade da lei, que não se convalida com a sanção ou a promulgação de quem deveria ter apresentado o projeto. É da jurisprudência que “o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer em que o Legislativo as exerça” (ADIn 13.798-0, rel. Dês. Garrigós Vinhares, j. 11.12.1991, v.u.).

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 3.704, de 28 de novembro de 2008, do Município de Guarujá, que “Dispõe sobre a instituição a CRECHE DO VOVÔ, no âmbito do município de Guarujá e dá outras providências.”

São Paulo, 14 de outubro de 2013.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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