Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade
Processo n. 0140770-92.2013.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Suzano
Requerida: Câmara Municipal de Suzano
Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei n. 4.640, de 01 de março de 2013, de iniciativa parlamentar, do Município de Suzano. Implantação de caixas de pronto atendimento adaptados à acessibilidade de portadores de necessidades especiais e mobilidade reduzida. Obrigação imposta a agências bancárias. Inexistência de ofensa à separação de poderes ou à competência normativa alheia. Inocorrência de criação de despesas sem cobertura específica e não previstas no orçamento anual. Improcedência. 1. A lei local impõe obrigação a particulares, estribada na polícia administrativa, tratando de matéria não se insere entre aquelas que são reservadas exclusivamente à iniciativa do Chefe do Poder Executivo (art. 24, § 2º, CE/89) nem a ato normativo de sua alçada imune à interferência do Poder Legislativo (art. 47, II, XIV e XIX, CE/89), de maneira que não se caracteriza violação ao art. 5º, CE/89, pois, a reserva deve ser explícita e interpretada restritivamente, alijando exegese ampliativa ou presunção, tendo em vista que em se tratando de processo legislativo as normas do modelo federal são aplicáveis e extensíveis por simetria às demais órbitas federativas. 2. Inadmissibilidade de alegação de ofensa aos arts. 25 e 176, I, CE/89 porque a lei local não cria obrigações diretamente ao poder público a demandar específica cobertura financeira nem deflagra programa que empenhe novas despesas não previstas no orçamento anual. 3. Ademais, a ausência de recursos financeiro-orçamentários não compromete a validade da lei, impedindo apenas sua execução no exercício respectivo de sua sanção ou promulgação, e não é possível alegar que sua execução gera dispêndios, porque o dever de fiscalização de cumprimento das normas é conatural aos atos normativos e não tem efeito de gerar gastos extraordinários. 4. Além disso, trata-se de questão demanda o exame de fato e de prova, o que é insuscetível nesta via especial. 5. O Município tem competência para edição de norma destinada à acessibilidade de deficiente no autoatendimento bancário (arts. 111 e 144, CE/89 c.c. arts. 23, II, e 30, I, II e VIII, CF/88), sem imolar a competência normativa concorrente alheia (art. 24, XIV, CF/88). 6. Improcedência da ação.
Egrégio Tribunal:
1. Trata-se de ação direta de
inconstitucionalidade promovida pelo Prefeito do Município de Suzano impugnando
a Lei n. 4.640, de 01 de março de 2013, do Município de Suzano e de iniciativa
parlamentar, que obriga agências bancárias à implantação de caixas de
pronto atendimento adaptados à acessibilidade de portadores de necessidades
especiais e mobilidade reduzida, alegando incompatibilidade com os arts. 5º,
25, 111, 144 e 176, I, da Constituição Estadual (fls. 02/13).
2. Concedida liminar (fls. 28/29), a
douta Procuradoria-Geral do Estado se absteve de sua defesa (fls. 41/42) e a
Câmara Municipal de Suzano prestou informações (fls. 45/46).
3. É o relatório.
4. Não há violação à separação de
poderes porque a lei não invadiu a reserva de iniciativa legislativa do Chefe
do Poder Executivo nem a reserva da Administração.
5. A lei local impõe obrigação a
particulares, estribada na polícia administrativa. A matéria não se insere
entre aquelas que são reservadas exclusivamente à iniciativa do Chefe do Poder
Executivo (art. 24, § 2º, Constituição Estadual) nem a ato normativo de sua
alçada imune à interferência do Poder Legislativo (art. 47, II, XIV e XIX,
Constituição Estadual), de maneira que não se caracteriza violação ao art. 5º
da Constituição do Estado, pois, a reserva deve ser explícita e interpretada
restritivamente, alijando exegese ampliativa ou presunção, conforme alvitra a
doutrina (J. H. Meirelles Teixeira. Curso
de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp.
581, 592-593) e enuncia a jurisprudência (STF, ADI-MC 724-RS, Tribunal Pleno,
Rel. Min. Celso de Mello, DJ 27-04-2001; RT 866/112; STF, ADI 3.394, Rel. Min.
Eros Grau, 02-04-2007, DJe 15-08-2008; STF, ADI 3.205, Rel. Min. Sepúlveda
Pertence, 19-10-2006, DJ 17-11-2006), tendo em vista que em se tratando de processo
legislativo as normas do modelo federal são aplicáveis e extensíveis por
simetria às demais órbitas federativas (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal
Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.; STF, ADI 2.731-ES, Tribunal
Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 02-03-2003, v.u., DJ 25-04-2003, p. 33; STF,
ADI 1.594-RN, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 04-06-2008, v.u., DJe
22-08-2008; RT 850/180; RTJ 193/832).
6. Tampouco é admissível sustentar
violação aos arts. 25 e 176, I, da Constituição Estadual, porque a lei local em
foco não cria obrigações diretamente ao poder público a demandar específica
cobertura financeira nem deflagra programa que empenhe novas despesas não
previstas no orçamento anual.
7. Ademais, a ausência de recursos
financeiro-orçamentários não compromete a validade da lei, impedindo apenas sua
execução no exercício respectivo de sua sanção ou promulgação (STF, ADI
1.585-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 19-12-1997, v.u., DJ
03-04-1998, p. 01), e não é possível
alegar que sua execução gera dispêndios, porque “o dever de fiscalização de
cumprimento das normas é conatural aos atos normativos e não tem efeito de
gerar gastos extraordinários” (TJSP, ADI 0006249-50.2012.8.26.0000, Rel. Des.
Paulo Dimas Mascaretti, m.v., 12-09-2012). A lei não contém obrigações ao poder
público, impondo deveres e sanções aos particulares.
9. Além
disso, essa questão demanda o exame de fato e de prova, o que é insuscetível
nesta via especial.
10. Examino a alegação de ofensa à legalidade
(art. 111, Constituição Estadual) consistente na invasão da competência
normativa federal e estadual sobre proteção e integração social das pessoas
portadoras de deficiência (art. 24, XIV, da Constituição Federal).
11. O art. 144 da Constituição Estadual, que
determina a observância na esfera municipal, além das regras da Constituição
Estadual, dos princípios da Constituição Federal, é denominado “norma estadual
de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites da
autonomia municipal, remete para as disposições constantes da Constituição
Federal”, como averbou o Supremo Tribunal Federal ao credenciar o controle
concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl
10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl
10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).
12. Daí
decorre a possibilidade de contraste da lei local com o art. 144 da
Constituição Estadual, por sua remissão à Constituição Federal e a seu art. 24,
XVI, que expressa a competência normativa concorrente entre União, Distrito
Federal e Estados para “proteção e integração social das pessoas portadoras de
deficiência”, como técnica elementar de repartição de competências no plano do
pacto federativo inerente ao federalismo.
13. Por
isso, não
há espaço para se cogitar de contraste direto de lei municipal com a
Constituição Federal, como pronuncia a jurisprudência (STF, Rcl-MC 13.383-SP,
Rel. Min. Joaquim Barbosa, 23-05-2012, DJe 28-05-2012).
14. A matéria debatida guarda
semelhança com o tratamento dispensado pela Suprema Corte a leis municipais que
disciplinam o tempo de atendimento ao público, a instalação de equipamentos de
segurança ou de conforto nas agências bancárias, e cuja constitucionalidade foi
proclamada:
“3. Firmou-se a jurisprudência, tanto no STF (v.g.: AgReg no RExt 427.463, RExt 432.789, AgReg no RExt 367.192-PB), quanto do STJ (v.g.: REsp 747.382; REsp 467.451), no sentido de que é da competência dos Municípios (e, portanto, do Distrito Federal, no âmbito do seu território - CF, art. 32, § 1º) legislar sobre tempo de atendimento em prazo razoável do público usuário de instituições bancárias, já que se trata de assunto de interesse local (CF, art. 30, I). Assim, eventual antinomia ou incompatibilidade entre a lei municipal e a lei federal no trato da matéria determina a prevalência daquela em relação a essa, e não o contrário” (STJ, REsp 598.183-DF, 1ª Seção, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 08-11-2006, v.u., DJ 27-11-2006, p. 236).
“CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA. AGÊNCIAS BANCÁRIAS. TEMPO DE ATENDIMENTO AO PÚBLICO. LEI MUNICIPAL. INTERESSE LOCAL. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. O Município tem competência para legislar sobre o tempo de atendimento ao público nas agências bancárias” (STF, AI-AgR 472.373-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Carmen Lúcia, 13-12-2006, v.u., DJ 09-02-2007, p. 23).
“ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS - COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO PARA, MEDIANTE LEI, OBRIGAR AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS A INSTALAR, EM SUAS AGÊNCIAS, DISPOSITIVOS DE SEGURANÇA - INOCORRÊNCIA DE USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA FEDERAL - RECURSO IMPROVIDO.- O Município dispõe de competência, para, com apoio no poder autônomo que lhe confere a Constituição da República, exigir, mediante lei formal, a instalação, em estabelecimentos bancários, dos pertinentes equipamentos de segurança, tais como portas eletrônicas ou câmaras filmadoras, sem que o exercício dessa atribuição institucional, fundada em título constitucional específico (CF, art. 30, I), importe em conflito com as prerrogativas fiscalizadoras do Banco Central do Brasil. Precedentes” (RTJ 194/693).
“ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS - COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO PARA, MEDIANTE LEI, OBRIGAR AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS A INSTALAR, EM SUAS AGÊNCIAS, DISPOSITIVOS DE SEGURANÇA - INOCORRÊNCIA DE USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA FEDERAL - ALEGAÇÃO TARDIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 144, § 8º, DA CONSTITUIÇÃO - MATÉRIA QUE, POR SER ESTRANHA À PRESENTE CAUSA, NÃO FOI EXAMINADA NA DECISÃO OBJETO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO - INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO ‘JURA NOVIT CURIA’ - RECURSO IMPROVIDO.- O Município pode editar legislação própria, com fundamento na autonomia constitucional que lhe é inerente (CF, art. 30, I), com o objetivo de determinar, às instituições financeiras, que instalem, em suas agências, em favor dos usuários dos serviços bancários (clientes ou não), equipamentos destinados a proporcionar-lhes segurança (tais como portas eletrônicas e câmaras filmadoras) ou a propiciar-lhes conforto, mediante oferecimento de instalações sanitárias, ou fornecimento de cadeiras de espera, ou, ainda, colocação de bebedouros. Precedentes” (STF, AgR-AI 347.717-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, 31-05-2005, v.u., DJ 05-08-2005, p. 92).
“(...) 3. Os
Municípios possuem competência para legislar sobre assuntos de interesse local
(artigo 30, I, da CF), tais como medidas que propiciem segurança, conforto e
rapidez aos usuários de serviços bancários. (Precedentes: RE n. 610.221-RG,
Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJe de 20.08.10; AI n. 347.717-AgR, Relator o
Ministro Celso de Mello, 2ª Turma, DJ de 05.08.05; AC n. 1.124-MC, Relator o
Ministro Marco Aurélio, 1ª Turma, DJ de 04.08.06; AI n. 491.420-AgR, Relator o
Ministro Cezar Peluso, 1ªTurma, DJ de 24.03.06; AI n. 574.296-AgR, Relator o
Ministro Gilmar Mendes, 2ª Turma, DJ 16.06.06; AI n. 709.974-AgR, Relatora a
Ministra Cármen Lucia, 1ª Turma, DJe de 26.11.09; AI n. 747.245-AgR, Relator o
Ministro Eros Grau, 2ª Turma, DJe 06.08.09; RE n. 254.172-AgR, Relator o
Ministro Ayres Britto, 2ª Turma, DJe de 23.09.11, entre outros). (...)” (STF,
AgR-RE 694.298-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 0409-2012, v.u., DJe
21-09-2012).
15. O Município tem competência normativa para, no campo da polícia administrativa, disciplinar as condições de segurança e conforto de estabelecimentos destinados ao atendimento público, como as instituições bancárias, sem molestar a competência normativa federal para regular matéria financeira, cambial e monetária, instituições financeiras e suas operações, como é pacífico na jurisprudência (STF, AgR-RE 427.463-RO, 1ª Turma, Rel. Min. Eros Grau, j. 14-03-2006, DJ 19-05-2006, p. 15; STF, AI-AgR 472.373-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Carmen Lúcia, 13-12-2006, v.u., DJ 09-02-2007, p. 23; STF, AI-AgR 491.420-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Cezar Peluso, 21-02-2006, v.u., DJ 24-03-2006, p. 26, RTJ 203/409; STF, AI-AgR 341.717-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, 31-05-2005, v.u., DJ 05-08-2005, p. 92).
16. Se a Constituição da República assina competência normativa concorrente entre União, Distrito Federal e Estados para proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência (art. 24, XIV), insere na competência administrativa comum de União, Distrito Federal Estados e Municípios cuidar da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência (art. 23, II).
17. O Município tem competência para, dentro de seu círculo de atribuições, legislar sobre assunto de interesse local e suplementar a legislação federal e estadual, nos termos dos incisos I e II do art. 30 da Constituição Federal.
18. A autonomia municipal é condicionada
pelo art. 29 da Constituição da República. O preceito estabelece que a Lei
Orgânica Municipal e sua legislação deve observância ao disposto na
Constituição Federal e na respectiva Constituição Estadual, sendo reproduzido
pelo art. 144 da Constituição do Estado. Eventual ressalva à aplicabilidade das
Constituições federal e estadual só teria, ad
argumentandum tantum, espaço naquilo que a própria Constituição da
República reservou como privativo do Município, não podendo alcançar matéria
não inserida nessa reserva nem em assunto sujeito aos parâmetros limitadores da
auto-organização municipal ou aqueles que contém remissão expressa ao direito
estadual.
19. O princípio federativo, estruturante da organização política e administrativa brasileira (arts. 1º e 18, Constituição Federal), albergado como cláusula pétrea (art. 60, § 4º, I, Constituição Federal), assenta-se na repartição de competências, tendo a Constituição Federal de 1988 arrolado na esfera de competência normativa concorrente federal e estadual a proteção e a integração social da pessoa com deficiência (art. 24, XIV).
20. Ora, a inscrição de norma de polícia, contendo exigência para o acesso de minorias a estabelecimentos bancários sujeitos em suas relações com o público à fiscalização municipal, é matéria da competência normativa local desde que não contrarie a legislação federal ou estadual, até porque a Constituição Federal inclui o Município no exercício da competência administrativa comum (art. 23, II), o que se concilia à competência normativa concorrente federal e estadual sobre proteção da pessoa com deficiência (art. 24, XIV).
21. Segundo o Supremo Tribunal Federal só “é inconstitucional lei municipal que, na competência legislativa concorrente, utilize-se do argumento do interesse local para restringir ou ampliar as determinações contidas em texto normativo de âmbito nacional” (RT 892/119).
22.
A lei local é afinada ao § 2º
do art. 227 da Constituição da República cuja redação estabelece que:
“A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência”.
23.
E também ao traçado da
Constituição do Estado de São Paulo:
“Artigo 280 - É assegurado, na forma da lei, aos portadores de deficiências e aos idosos, acesso adequado aos logradouros e edifícios de uso público, bem como aos veículos de transporte coletivo urbano”.
24. E tem sintonia com o
tratamento prioritário e adequado à pessoa com deficiência na área de
edificações pela remoção de óbices (art. 2º, V, a, Lei n. 7.853/89), o que é especificado com maior profundidade na
Lei n. 10.098, de 19
de dezembro de 2000, que fixa normas gerais e
critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de
deficiência ou com mobilidade reduzida, mediante a supressão de barreiras e de
obstáculos nas vias e espaços públicos, no mobiliário urbano, na construção e
reforma de edifícios e nos meios de transporte e de comunicação. Esse diploma
ao fornecer conceitos como acessibilidade e barreira arquitetônica, assim
prescreve:
“Art. 5º. O projeto e o traçado dos elementos de urbanização públicos e privados de uso comunitário, nestes compreendidos os itinerários e as passagens de pedestres, os percursos de entrada e de saída de veículos, as escadas e rampas, deverão observar os parâmetros estabelecidos pelas normas técnicas de acessibilidade da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT”.
25.
Essa especial proteção [que
também implica a adaptação dos meios ventilados § 2º do art. 227 da
Constituição da República (art. 244, Constituição Federal)] promove uma
verdadeira interseção entre normas federais (gerais), estaduais (regionais) e
municipais (locais), em atenção, no tocante à polícia das construções e
edificações, à competência normativa dos Municípios arrimada no inciso VIII do
art. 30 da Constituição Federal.
26.
No ponto, é apropriada a
invocação da literatura especializada explicando que:
“A ausência do Município neste rol não lhe retira autonomia ou o coloca em um segundo plano legislativo, pois tem ele autonomia político-constitucional, com poderes de auto-organização e auto-administração (embora às vezes com a restrição de uma normatividade superior), podendo legislar sobre assuntos de interesse local e de maneira suplementar à legislação federal e estadual (para suprir omissões e sem as violentar), no que se refira a peculiaridades locais (arts. 29 e 30, I e II), contando com poderoso instrumento legislativo que é a lei orgânica municipal e toda a legislação periférica necessária à sua implementação” (Lauro Luiz Gomes Ribeiro. Manual dos Direitos da Pessoa com Deficiência, São Paulo: Verbatim, 2010, p. 51).
27.
Longe de promover contraste
entre as leis federais acima transcritas e a lei local vergastada nesta
demanda, demonstra-se que, em realidade, esta não foi além dos limites da
competência municipal, o que afasta, na espécie, a alegação de
incompatibilidade com o art. 24, XIV, da Constituição Federal, c.c. os arts. 111
e 144 da Constituição Estadual.
28.
Se, ad argumentandum tantum, houvesse espaço para se cogitar de invasão
da esfera normativa alheia em face de eventual omissão ou lacuna legislativa
federal ou estadual, não seria possível, de
per si, concluir-se imediatamente pelo vício de lei local à vista da
necessidade de análise da competência municipal sedimentada no art. 30 da Carta
Magna de 1988.
29.
Da mesma maneira, havendo o
exercício da competência normativa federal nem por isso é possível concluir-se
antecipadamente pelo vício, ainda mais sopesando que a competência legislativa
da União é relativa a normas gerais (art. 24, § 1º, Constituição Federal) e,
assim mesmo, não autoriza a rejeição do reconhecimento de algum espaço à
competência legislativa municipal nos domínios que lhe franqueiam o art. 30 da
Carta Magna – ainda que para isso, e sem receio de heresia, se examine a
eventual exorbitância da legislação federal (ou estadual) e da municipal para
fins de controle objetivo de constitucionalidade de lei municipal.
30. A
lei impugnada, por sinal, remete à norma técnica referida no art. 5º da Lei n.
10.098/00, e traçou regras de polícia das construções e das edificações,
refletindo o exercício de competência normativa daquilo que lhe é próprio, sem
ofensa a competências alheias, obrigando estabelecimentos particulares de
acesso público à promoção da acessibilidade nos caixas de autoatendimento
bancário nos limites da predominância do interesse local (art. 30, I,
Constituição Federal) ou, se assim aprouver, da competência suplementar cujo
desempenho deve, outrossim, observar a predominância do interesse local (art.
30, II, Constituição Federal) e não contrariar legislação superior.
31.
Não obstante, consigno que a polícia de
construções e edificações está inserida na competência normativa municipal por
revelar o uso e a ocupação do solo urbano (art. 30, VIII, Constituição
Federal), e que, na espécie, foi mecanizada na lei local sem exorbitância do
espaço normativo municipal ou invasão no domínio legislativo federal ou
estadual.
32. Destarte, não se configura violação do art. 24, XIV, da Constituição Federal, c.c. os arts. 111 e 144 da Constituição Estadual.
33. Face ao exposto, opino pela
improcedência da ação.
São Paulo, 18 de outubro de
2013.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
wpmj