Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 0142842-52.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Pratânia

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Pratânia

Ementa: 1) Preliminarmente. Necessidade de regularizar a representação. Na ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal, o legitimado ativo é o Prefeito do Município (art. 90, II, da CE/89), e considerando a envergadura política dessa legitimidade ativa ad causam, englobante da capacidade postulatória, é razoável assentar que, embora dispensável a representação por causídico, sua existência, todavia, importa a necessidade de, no mínimo, poderes específicos e subscrição conjunta da petição inicial e consequente inadmissibilidade da forma isolada pelo procurador. 2) Ação direta de inconstitucionalidade. Expressão "e Executivo", contida no art. 1º da Lei nº 521, de 27 de junho de 2013, do Município de Pratânia que "DISCIPLINA A PUBLICAÇÃO IMPRESSA DE MATÉRIAS OFICIAIS, PELOS PODERES LEGISLATIVO E EXECUTIVO, DO MUNICÍPIO DE PRATÂNIA".  Iniciativa parlamentar que está em perfeita harmonia com a publicidade dos atos estatais e também com os pressupostos de moralidade, impessoalidade e transparência. Ação improcedente.

 

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator,

Colendo Órgão Especial:

Cuida-se de ação – movida pelo Prefeito Municipal de Pratânia – na qual se pretende ver declarada a inconstitucionalidade da expressão "e Executivo" contida no art. 1º da Lei nº 521, de 27 de junho de2013, do Município de Pratânia, que "DISCIPLINA A PUBLICAÇÃO IMPRESSA DE MATÉRIAS OFICIAIS, PELOS PODERES LEGISLATIVO E EXECUTIVO, DO MUNICÍPIO DE PRATÂNIA", de origem parlamentar (Projeto de Lei n.º 017/03 – Autores: Vers. Davi Pires Batista, Jozimar Antonio Aníbal, Lucas de Oliveira, Osmir José Felix e Maria Helena Recuchi Quessada - fl. 18/19 -), cuja redação é a seguinte:

                   “Art. 1º - As publicações impressas de matérias oficiais, pelos Poderes Legislativo e Executivo, do Município de Pratânia deverão obedecer as seguintes regras:

                  I - o conteúdo da matéria oficial deverá estar cercado por bordas, delimitando o espaço utilizado;

                   II - deverá ser adotada a fonte tipo 'arial' para todas as impressões;

                   III - no texto da matéria não é permitido a utilização de fonte superior ao tamanho 10 (dez), exceto para o título, quando será permitido o uso de fonte tamanho 14 (catorze); e

                   IV - toda matéria impressa deverá conter em seu bojo o valor cobrado pelo responsável pela publicação.

                   Art. 2º - Ficam revogadas as disposições em contrário.

                  Art. 3º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação."

Segundo consta na inicial, a lei em epígrafe é formalmente inconstitucional porque "há quebra do princípio da harmonia e independência, nos termos do art. 2º da Constituição Federal".

O pedido de medida liminar foi deferido para sustar “ex nunc” a eficácia do dispositivo legal impugnado (fls. 30/31) .

Citado para os fins do art. 90, § 2º, da Constituição do Estado de São Paulo, o Procurador-Geral do Estado declinou de promover a defesa do ato normativo impugnado, pois este trata de matéria exclusivamente local, inexistindo, assim, interesse estadual na sua preservação (fls. 39/40).

Notificada, a Câmara Municipal de Pratânia prestou informações, que se encontram acostadas às fls. 45/47.

Em resumo, é o que consta nos autos.

A petição inicial é subscrita apenas por douto Procurador Municipal (fl. 12).

A legitimidade ativa pertence ao Prefeito do Município (art. 90, II, Constituição Estadual), bem como a capacidade postulatória, como decidido pelo Supremo Tribunal Federal:

“O Governador do Estado de Pernambuco ajuíza ação direta de inconstitucionalidade, na qual alega que a decisão 123/98 do Tribunal de Contas da União, ao exigir autorização prévia e individual do Senado Federal para as operações de crédito entre os Estados e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, teria afrontado as disposições dos artigos 1º e 52, incisos V e VII, da Constituição Federal.

2.      Entende possuir legitimidade para a ação, em face dos reflexos do ato impugnado sobre o Estado.

3.      É a síntese do necessário.

4.      Decido.

5.        Verifico que a ação, embora aparentemente proposta pelo Chefe do Poder Executivo estadual, está apenas assinada pelo Procurador-Geral do Estado. De plano, resulta claro que o signatário da inicial atuou na estrita condição de representante legal do ente federado (CPC, artigo 12, I), e não do Governador, pessoas que não se confundem.

6.      A medida constitucional utilizada revela instituto de natureza excepcional, em que se pede ao Supremo Tribunal Federal que examine a lei ou ato normativo federal ou estadual, em tese, para que se proceda ao controle normativo abstrato do ato impugnado em face da Constituição.

7.      Com efeito, cuida ela de processo objetivo sujeito à disciplina processual própria, traçada pela Carta Federal e pela legislação específica - Lei 9.896/99. Inaplicáveis, assim, as regras instrumentais destinadas aos procedimentos de natureza subjetiva.

8.      O Governador de Estado é detentor de capacidade postulatória intuitu personae para propor ação direta, segundo a definição prevista no artigo 103 da Constituição Federal. A legitimação é, assim, destinada exclusivamente à pessoa do Chefe do Poder Executivo estadual, e não ao Estado enquanto pessoa jurídica de direito público interno, que sequer pode intervir em feitos da espécie (ADI(AgRg)1.797-PE, DJ de 23.2.01; ADI (AgRg) 2.130-SC, Celso de Mello, j. de 3.10.01, Informativo 244; ADI (EMBS.) 1.105-DF, Maurício Corrêa, j. de 23.8.01).

9.     Por essa razão, inclusive, reconhece-se à referida autoridade, independentemente de sua formação, aptidão processual plena ordinariamente destinada apenas aos advogados (ADIMC 127-AL, Celso de Mello, DJ 04.12.92), constituindo-se verdadeira hipótese excepcional de jus postulandi.

10.     No caso concreto, em que pese a invocação do nome do Governador como sendo autor da ação (fl.2), a alegada representação pelo signatário não restou demonstrada. Indiscutível, é que a medida foi efetivamente ajuizada pelo Estado, na pessoa de seu Procurador-Geral, que nesta condição assinou a peça inicial.

11.     Ante essas circunstâncias, com fundamento no artigo 21, § 1º do RISTF, bem como nos artigos 3º, parágrafo único e 4º da Lei 9.868/99, não conheço da ação” (STF, ADI 1814-DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, 13-11-2001, DJ 12-12-2001, p. 40).

Consoante explica a doutrina, “os legitimados para a ação direta referidos nos itens I a VII do art. 103 da CF dispõem de capacidade postulatória plena, podendo atuar no âmbito da ação direta sem o concurso de advogado” (Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes. Controle concentrado de constitucionalidade, São Paulo: Saraiva, 2007, 2ª ed., p. 246).

Logo, considerando a envergadura política dessa legitimidade ativa ad causam, englobante da capacidade postulatória, é razoável assentar que, embora dispensável a representação por causídico, sua existência, todavia, importa a necessidade de, no mínimo, subscrição conjunta da petição inicial e consequente inadmissibilidade da forma isolada pelo advogado.

Ademais, há decisão registrando que:

“É de exigir-se, em ação direta de inconstitucionalidade, a apresentação, pelo proponente, de instrumento de procuração ao advogado subscritor da inicial, com poderes específicos para atacar a norma impugnada” (STF, ADI-QO 2187-BA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 24-05-2000, m.v., DJ 12-12-2003, p. 62).

Esse entendimento foi direcionado também para os integrantes da advocacia pública.

Assim sendo, opino, preliminarmente, pela intimação do autor para subscrição da petição inicial e regularização da representação processual (mandato com poderes específicos), no prazo legal, sob pena de indeferimento, aviando, desde já, nas hipóteses de inércia ou recusa, a extinção sem resolução do mérito.

No mérito, a ação deve ser julgada improcedente, malgrado a argumentação jurídica trazida na inicial.

Como se pode denotar pelo desenhar da inicial, a mens legis, assim como a preocupação do autor é com a fiscalização imposta ao Poder Executivo.

Neste passo, a lei local impugnada cuida de elevado, basilar e radical assunto na senda da organização político-administrativa municipal: a transparência administrativa que se articula por um de seus subprincípios (a publicidade), ajustando à modernidade tecnológica o cumprimento da diretriz de diafanidade da gestão dos negócios públicos.

Não é matéria que mereça trato normativo por impulsão exclusiva do Chefe do Poder Executivo.  Com efeito, a lei local cuida, por excelência, da concretização do princípio da transparência, inscrito no art. 37 da Constituição Federal e no art. 111 da Constituição Estadual sob o nome de publicidade, como afirma a doutrina (Wallace Paiva Martins Junior. Transparência administrativa, São Paulo: Saraiva, 2004), fornecendo maior grau de visibilidade à res publica, tendo como baliza que, como salientou o eminente Ministro Celso de Mello em histórico julgamento, “o novo estatuto político brasileiro – que rejeita o poder que oculta e não tolera o poder que se oculta – consagrou a publicidade dos atos e das atividades estatais como valor constitucionalmente assegurado” (RTJ 139/712).

De fato, a iniciativa em análise não é incompatível com a Constituição, que, no § 1º de seu art. 37, reza o seguinte: “A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.

Acerca de tal dispositivo constitucional, o jurista ALEXANDRE DE MORAES (Cf. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional, Atlas, São Paulo, 2.ª edição, comentário ao § 1.º do art. 37, p. 893) anotou que:

“O legislador constituinte, ao definir a presente regra, visou à finalidade moralizadora, vedando o desgaste e o uso de dinheiro público em propagandas conducentes à promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos, seja por meio da menção de nomes, seja por meio de símbolos ou imagens que possam de qualquer forma estabelecer alguma conexão pessoal entre estes e o próprio objeto divulgado.

Ressalte-se que o móvel para essa determinação constitucional foi a exorbitância de verbas públicas gastas com publicidade indevida.

Note-se, portanto, que a publicidade não está vedada constitucionalmente, pois o princípio da publicidade dos atos estatais, e mais restritamente dos atos da Administração, inserido no caput do art. 37, é indispensável para imprimir e dar um aspecto de moralidade à Administração Pública ou à atuação administrativa (g.n.), visando ao referido princípio, essencialmente, proteger tanto os interesses individuais, como defender os interesses da coletividade mediante o exercício do controle sobre os atos administrativos (g.n.).

Está condicionada, porém, à plena satisfação dos requisitos constitucionais, que lhe imprimem determinados fins: caráter educativo, informativo ou de orientação social; e ausência de nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.

Não poderá, portanto, as autoridades públicas utilizar-se de seus nomes, de seus símbolos ou imagens para, no bojo de alguma atividade publicitária, patrocinada por dinheiro público, obterem ou simplesmente pretenderem obter promoção pessoal, devendo a matéria veiculada pela mídia ter caráter eminentemente objetivo para que atinja sua finalidade constitucional de educar, informar ou orientar, e não sirva, simplesmente, como autêntico marketing político.”

Assim, em linha de princípio, e tomando-se por base a abalizada doutrina acima reproduzida, não me parece que a lei em exame mereça ser censurada, visto que a vigente Constituição não veda a publicidade com caráter informativo, que propicie à população o exercício do controle sobre os atos administrativos, iniciativa essa que é perfeitamente afinada com a publicidade, transparência, moralidade e impessoalidade.

A matéria em questão, vale ressaltar, não é de iniciativa reservada ao Prefeito, tampouco o legislador de Pratânia usurpou prerrogativa própria da função executiva, tratando-se, sim, de ato legislativo a versar sobre assunto de interesse local (publicidade dos atos estatais) e sobre o qual inexiste restrição ao pleno exercício pela Câmara de sua função normativa.

Urge que se repise o fato de que a transparência visa exatamente fazer valer os princípios insculpidos no art. 111 da Constituição Estadual, posto que a fiscalização dos gastos públicos com a publicidade dos custos de sua exposição à mídia, da forma como previsto traz, com certeza, maior eficácia no seu controle.

Em tais circunstâncias, o parecer é pela improcedência da presente ação.

São Paulo, 9 de outubro de 2013.

 

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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