Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 0142916-09.2013.8.26.0000

Requerente: Federação dos Funcionários Públicos Municipais do Estado de São Paulo - FUPESP

Requeridos: Prefeito e Presidente da Câmara Municipal de Valinhos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Orgânica do Município de Valinhos (§ 3° do art. 130). Servidor público municipal. Afastamento remunerado para desempenho de mandato sindical. Preceito da Lei Orgânica Municipal afinado ao parâmetro constitucional estadual. Improcedência. 1. A norma parâmetro (art. 125, § 1º, CE/89) é aplicável somente aos servidores públicos estaduais. 2. Afastamento de servidor público para exercício de mandato sindical é matéria incluída no regime jurídico dos servidores públicos cuja iniciativa legislativa é reservada ao Chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, c, CF/88; art. 24, § 2º, 4, CE/89). 3. Dispositivo da LOM (§ 3º do art. 130) que não padece de inconstitucionalidade por assegurar o afastamento remunerado ao presidente de entidade sindical na medida em a CF/89 garante o afastamento remunerado nos termos da lei. 5. A parte final do parâmetro constitucional estadual possibilita a instituição de condicionamentos ao afastamento remunerado. 6. Precedentes do STF e do Órgão Especial do TJSP. 7. Improcedência da ação.

 

 

 

Colendo Órgão Especial:

 

 

 

1.                Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade promovida pela Federação dos Funcionários Públicos Municipais do Estado de São Paulo – FUPESP em face do § 3º do art. 130 da Lei Orgânica do Município de Valinhos que assegura ao presidente de entidade sindical de servidores públicos municipais o afastamento remunerado, por alegação de violação do artigo 125, § 1º, da Constituição Estadual (fls. 02/11).

2.                A douta Procuradoria-Geral do Estado absteve-se de manifestar-se (fls. 128/130). A Câmara Municipal prestou informações (fls. 132/145) assim como o Prefeito que noticiou a apresentação de projeto de lei para modificar a norma impugnada (fls. 147/150).

3.                É o relatório.

4.                A simples apresentação de projeto de lei não descredencia o contencioso de constitucionalidade.

5.                A Constituição Federal, no art. 8º, VIII, assegura a associação profissional ou sindical e veda a dispensa do empregado sindicalizado, mas não estabelece direito ao afastamento remunerado, verbis:

“É vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei”.

6.                A Constituição Estadual, de sua parte, preceitua no § 1º do art. 125 que:

“Fica assegurado ao servidor público, eleito para ocupar cargo em sindicato de categoria, o direito de afastar-se de suas funções, durante o tempo em que durar o mandato, recebendo seus vencimentos e vantagens, nos termos da lei”.

7.                A regra, todavia, não é extensiva aos servidores municipais, como explica Wellington Pacheco Barros:

“O afastamento do empregado público para desempenho de mandato classista tem previsão expressa na CLT. Como para o servidor público esta licença não se inclui no rol dos direitos constitucionais, deve ter previsão expressa no estatuto do servidor público municipal. Como a administração se rege pelo princípio da legalidade, não havendo lei regulamentando sua concessão, não pode a administração pública concedê-la, sob pena de responsabilização do Prefeito Municipal ou do Presidente da Câmara, dependendo a que poder municipal o servidor esteja vinculado, por improbidade administrativa, crime de responsabilidade ou por infração político-administrativa” (O município e seus agentes, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 137).

8.                Entendo que se o regime jurídico dos servidores públicos municipais adotado for o celetista, a norma parâmetro da Constituição Estadual é inaplicável porquanto dirigida aos estatutários, até porque a Consolidação das Leis do Trabalho assegura o afastamento para o exercício de mandato classista no art. 543, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho.

9.                Conclusão diversa implicaria, nesse quadro, desafio à competência normativa exclusiva da União sobre direito do trabalho (art. 22, I, Constituição da República). Neste sentido, pronuncia o Supremo Tribunal Federal que não cabe ao legislador estadual, distrital ou municipal disciplinar a relação de emprego público:

“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO. REGIME CELETISTA. REAJUSTE SALARIAL. COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO DO TRABALHO. 1. A competência legislativa atribuída aos municípios se restringe a seus servidores estatutários. Não abrange ela os empregados públicos, porque estes estão submetidos às normas de Direito do Trabalho, que, nos termos do inciso I do art. 22 da Constituição Federal, são de competência privativa da União. 2. Agravo regimental desprovido” (STF, AgR-RE 632.713-MG, 2ª Turma, Rel. Min. Ayres Britto, 17-05-2011, v.u., DJe 26-08-2011).

“AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. PESSOAL CELETISTA DE FUNDAÇÃO DO DISTRITO FEDERAL. DIREITO AO ACRÉSCIMO REMUNERATÓRIO DE 84,32% (PLANO COLLOR). APLICABILIDADE DA LEI DISTRITAL 38/1989. IMPROCEDÊNCIA. 1. Conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ‘a competência legislativa do Distrito Federal restringe-se aos servidores sob regime estatutário, cabendo à União dispor sobre as normas de Direito do Trabalho aplicáveis aos empregados sob o regime da CLT’ (RE 184.791, da relatoria do ministro Moreira Alves). 2. Agravo regimental a que se nega provimento” (STF, AgR-AI 466.131-DF, 2ª Turma, Rel. Min. Ayres Britto, 14-12-2010, v.u., DJe 21-03-2011).

10.              No caso, não há indicação da adoção desse regime na Lei Orgânica Municipal.

11.              Mas, de qualquer sorte, não parece seja o preceito impugnado incompatível com o § 1º do art. 125 da Constituição Estadual.

12.               Em primeiro lugar, a matéria inerente ao afastamento ou a licença remunerada de servidor público para o exercício de mandato sindical é da iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo por se incluir no regime jurídico do servidor público – como afirma o art. 61, § 1º, II, c, da Constituição Federal, reproduzido no art. 24, § 2º, 4, da Constituição Estadual. Neste sentido, já decidiu o Supremo Tribunal Federal:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N.º 9.536/92, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. DISPENSA DE SERVIDORES PARA O EXERCÍCIO DE MANDATO ELETIVO EM ENTIDADES DE CLASSE OU SINDICAIS. OFENSA AO ART. 61, 1.º, II, C, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Tendo o ato normativo sob enfoque resultado de projeto iniciado por membro da Assembleia Legislativa gaúcha, resta configurada violação à regra de iniciativa privada do Chefe do Executivo para leis que disponham sobre regime jurídico dos servidores públicos. Precedentes. Ação julgada procedente” (STF, ADI 895-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, 08-08-2002, v.u., DJ 13-09-2002, p. 62).

13.              Não é demasiado lembrar que a Constituição Estadual no § 1º do art. 125 assegura o afastamento remunerado de servidor público durante o mandato “nos termos da lei”.

14.              A Lei Orgânica do Município de Valinhos não escapa a essa diretriz ao estabelecer o seguinte:

“Art. 130............................................................................

§ 3º. Ao servidor público, eleito para ocupar cargo de presidente da associação sindical, é assegurado o direito de afastar-se de suas funções durante o tempo em que durar o mandato, recebendo sua remuneração e vantagens, nos termos da lei”.

15.              A petição inicial salienta, neste aspecto, que o direito ao afastamento é endereçado a todos os servidores eleitos para mandato diretivo ou representativo, não podendo o Município restringi-lo ao presidente.

16.              A fórmula normativa impugnada assegura ao dirigente sindical o afastamento remunerado de seu cargo público.

17.              O parâmetro constitucional estadual garante o afastamento remunerado (durante o mandato) aos dirigentes sindicais “nos termos da lei”.

18.              Ora, ao assim cunhar sua redação, a norma parâmetro confere liberdade à lei para estabelecimento de condições e requisitos do afastamento, como o concernente à quantidade de associados da entidade sindical ou a um ou mais cargos de sua direção. Quando a Constituição emprega as locuções “nos termos da lei”, “na forma da lei”, “segundo a lei” etc. está delegando a regulação de determinada situação jurídica à instância normativa infraconstitucional, com dose de liberdade para, de acordo com a esfera de competência, ajustar o preceptivo constitucional às exigências que gravitam em torno, sem, no entanto, neutralizá-lo. Está-se diante de autêntica norma constitucional de eficácia limitada, not self executing, e não de eficácia contida (sujeita à limitação ulterior infraconstitucional), por depender sua aplicabilidade da regulação contida em lei.

19.              Neste sentido, por exemplo, a Lei Complementar Estadual n. 343, de 06 de janeiro de 1984, recepcionada pela Constituição vigente, assegura o afastamento se a entidade sindical contar com, no mínimo, 500 (quinhentos) associados servidores públicos (art. 1º).

20.              O Supremo Tribunal Federal pronunciou a constitucionalidade de preceitos similares que limitam o número de dirigentes sindicais afastados em relação proporcional à quantidade de servidores públicos sindicalizados:

“DIREITO CONSTITUCIONAL. ORGANIZAÇÃO SINDICAL: INTERFERÊNCIA NA ATIVIDADE. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO PAR ÁGRAFO ÚNICO DO ART. 34 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, INTRODUZIDO PELA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 8, DE 13 DE JULHO DE 1993, QUE LIMITA O NÚMERO DE SERVIDORES PÚBLICOS, AFASTÁVEIS DO SERVIÇO, PARA EXERCÍCIO DE MANDATO ELETIVO EM DIRETORIA DE ENTIDADE SINDICAL, PROPORCIONALMENTE AO NÚMERO DE FILIADOS A ELA, NESTES TERMOS: ‘Artigo 34 - É garantida a liberação do servidor de entidade sindical de mandato eletivo em diretoria de entidade sindical representativa de servidores públicos, de âmbito estadual, sem prejuízo da remuneração e dos demais direitos e vantagens do seu cargo. Parágrafo Único - Os servidores eleitos para cargos de direção ou de representação serão liberados, na seguinte proporção, para cada sindicato: I - de 1.000 (mil) a 3.000 (três mil) filiados, 1 (um) representante; II - de 3.001 (três mil e um) a 6.000 (seis mil) filiados, 2 (dois) representantes; III - de 6.001 (seis mil e um) a 10.000 (dez mil) filiados, 3 (três) representantes; IV - acima de 10.000 (dez mil) filiados, 4 (quatro) representantes’. (...) 2. Mérito: alegação de ofensa ao inciso I do art. 8°, ao VI do art. 37, ao inciso XXXVI do art. 5°, ao inciso XIX do art. 5°, todos da Constituição Federal, por interferência em entidade sindical. 3. Inocorrência dos vícios apontados. 4. Improcedência da A.D.I. 5. Plenário: decisão unânime” (STF, ADI 990-MG, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sydney Sanches, 06-02-2003, v.u., DJ 11-04-2003, p. 25).

21.              Na relação entre o servidor público e a Administração Pública predomina a supremacia do interesse público abrangente da consideração das necessidades do serviço, influenciando também a gestão dos negócios públicos princípios como os de finalidade, interesse público, razoabilidade e proporcionalidade – explicitamente inscritos no art. 111 da Constituição do Estado de São Paulo.

22.              Se a associação sindical é franqueada ao servidor público, podendo ser incentivada com os institutos da estabilidade sindical e do afastamento ou licença (remunerados) do exercício do cargo público, isso não justifica carrear ao poder público ônus excessivo pela indisponibilidade de seus recursos humanos em detrimento dos serviços que lhe compete prestar à população, gizados por princípios especiais como continuidade, obrigatoriedade, regularidade e eficiência, sob pena de insuportável primazia do interesse particular sobre o público.

23.              A falta de critérios, parâmetros, condições e requisitos, enfim, expõe o poder público a riscos que não podem comprometer os desígnios desses dois valores absolutamente importantes – a supremacia do interesse público e a liberdade de associação sindical – e que se não merecem oposição, impõem conciliação.

24.              Aliás, precedente deste colendo Órgão Especial em hipótese similar julgou improcedente ação direta de inconstitucionalidade que impugnava norma municipal que adstringia o afastamento remunerado ao cargo de presidente da entidade sindical, merecendo apropriação excerto de sua fundamentação por sua inteira pertinência:

“Ocorre que, como bem salientou o douto Subprocurador-Geral de Justiça Jurídico, em seu parecer, neste particular, a ‘Autora desta ação insurge-se contra o fato de a lei ora impugnada prever somente o afastamento remunerado de servidor público municipal eleito para o cargo de presidente do sindicato de categoria (art. 124-C, caput), silenciando, porém, quanto ao afastamento dos servidores eleitos para os demais cargos de direção da entidade sindical (secretário, tesoureiro, etc.), omissão legal que não será sanada com a simples declaração de inconstitucionalidade da previsão legal de afastamento do presidente, visto que a única consequência dessa solução seria eliminar a possibilidade de afastamento do dirigente máximo da organização sindical, sem aptidão para ampliar os efeitos dessa norma de modo a também se autorizar o afastamento dos servidores ocupantes dos demais cargos de direção da entidade sindical. Ou seja, se vingar a tese exposta na inicial (...) a incompletude da norma (ao não prever o afastamento remunerado dos demais dirigentes da entidade sindical) não será solucionada com a técnica da declaração de inconstitucionalidade - que, neste caso, serviria apenas para suprimir o direito ao afastamento remunerado do presidente da entidade sindical, direito este que, prima facie, nada tem de inconstitucional - sem a possibilidade de extensão desse mesmo direito aos servidores ocupantes dos demais cargos de direção da entidade sindical. Vale lembrar, por outro lado, que o simples afastamento da expressão ‘de presidente’ (art. 124-C, caput) não é possível, pois implicaria interferência na vontade do legislador, que não desejou expressamente autorizar o afastamento remunerado dos servidores ocupantes dos demais cargos de direção da entidade sindical, salvo o de presidente, e o Poder Judiciário não pode atuar como legislador positivo’ (fls. 136/137)” (ADI 0186383-09.2011.8.26.0000, Rel. Des. Guilherme G. Strenger, v.u., 25-07-2012).

24.              Face ao exposto, opino pela improcedência da ação.

São Paulo, 20 de setembro de 2013.

 

 

 

 

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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