Parecer
Processo n. 0143063-35.2013.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Iacanga
Requerida: Câmara Municipal de Iacanga
Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei n. 1.372, de 18 de junho de 2013, do Município de Iacanga. Autorização ao Poder Executivo à colocação de placas indicativas de nomes nas vias públicas. Iniciativa Parlamentar. Atribuições ao Poder Executivo. Separação de poderes. Reserva da Administração. Geração de despesa nova sem fonte de cobertura. Procedência da ação. 1. A iniciativa parlamentar de lei local, que autoriza o Poder Executivo à colocação de placas indicativas de nomes nas vias públicas, é incompatível com o princípio da separação de poderes pela invasão da reserva da Administração (arts. 5º, 47, II, XIV, e XIX, a, CE/89). 2. Criação direta de despesas sem indicação de recursos para sua cobertura (arts. 25 e 176, I, CE/89). 3. Procedência da ação.
Colendo Órgão Especial:
1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade
ajuizada pelo Prefeito do Município de Iacanga impugnando a Lei n. 1.372, de 18
de junho de 2013, do Município de Iacanga, que autoriza o Poder Executivo à
instalação de placas metálicas em partes de sustentação para identificação de
vias públicas, de iniciativa parlamentar, suscitando sua incompatibilidade com
os arts. 5º, 25, 47, XIV e XIX, a,
144, e 176, I, da Constituição Estadual (fls. 02/12).
2. Concedida a liminar (fl. 21), a Câmara Municipal de
Iacanga defendeu a constitucionalidade da lei contestada (fls. 29/33) e a douta
Procuradoria-Geral do Estado declinou de sua defesa (fls. 59/60).
3. É
o relatório.
4. A
ação é procedente.
5. A
lei local padece de inconstitucionalidade em decorrência da iniciativa
parlamentar, agressiva da separação de poderes, porque seu objeto é típico ato
de administração ordinária, reservado exclusivamente ao Poder Executivo e imune
da interferência do Poder Legislativo, como se capta dos arts. 5º e 47, II, XIV
e XIX, a, da Constituição Estadual.
6. Postulado
básico da organização do Estado é o princípio da separação dos poderes,
constante do art. 5º da Constituição do Estado de São Paulo, norma de
observância obrigatória nos Municípios conforme estabelece o art. 144 da mesma
Carta Estadual.
7. Este dispositivo é tradicional pedra fundamental do Estado de Direito assentado na ideia de que as funções estatais são divididas e entregues a órgãos ou poderes que as exercem com independência e harmonia, vedando interferências indevidas de um sobre o outro.
8. A Constituição Estadual, perfilhando as diretrizes da
Constituição Federal, comete a um Poder competências próprias, insuscetíveis de
invasão por outro. Assim, ao Poder Executivo são outorgadas atribuições típicas
e ordinárias da função administrativa. Em essência, a separação ou divisão de
poderes:
“consiste um confiar cada uma das funções governamentais (legislativa, executiva e jurisdicional) a órgãos diferentes (...) A divisão de Poderes fundamenta-se, pois, em dois elementos: (a) especialização funcional, significando que cada órgão é especializado no exercício de uma função (...); (b) independência orgânica, significando que, além da especialização funcional, é necessário que cada órgão seja efetivamente independente dos outros, o que postula ausência de meios de subordinação” (José Afonso da Silva. Comentário contextual à Constituição, São Paulo: Malheiros, 2006, 2ª ed., p. 44).
9. Se, em princípio, a competência normativa é do domínio
do Poder Legislativo, certas matérias por caracterizarem assuntos de natureza
eminentemente administrativa são reservadas ao Poder Executivo (arts. 47, II,
XIV e XIX, a, Constituição Estadual)
em espaço que é denominado reserva da Administração.
10. No caso, foi violentada a reserva
da Administração Pública, pois, compete ao Poder Executivo o exercício de sua
direção superior, a prática de atos de administração típica e ordinária e a
disciplina de sua organização e de seu funcionamento (art. 47, II, XIV e XIX, a, da Constituição Estadual).
11. A decisão sobre o modo de indicação
da denominação de vias e logradouros públicos é da inerência da típica gestão
ordinária da administração, cujas linhas mestras são reservadas privativamente
ao Chefe do Poder Executivo, alforriado da interferência do Poder Legislativo,
no espectro de sua atribuição de governo do Chefe do Poder Executivo.
12. Nem se alegue se tratar de mera lei
autorizativa, pois, essa natureza não desabona a conclusão de sua
inconstitucionalidade.
13. A
autorização legislativa não se confunde com lei autorizativa, devendo aquela
primar pela observância da reserva de iniciativa. Ainda que a lei contenha
autorização (lei autorizativa) ou permissão (norma permissiva), padece de
inconstitucionalidade. Em essência, houve invasão manifesta da gestão pública,
assunto da alçada exclusiva do Chefe do Poder Executivo, violando sua
prerrogativa de análise da conveniência e da oportunidade das providências
previstas na lei.
14. Lição
doutrinária abalizada, analisando a natureza das intrigantes
leis autorizativas, especialmente quando votadas contra a vontade de quem
poderia solicitar a autorização, ensina que:
“(...) insistente na prática legislativa brasileira, a ‘lei’ autorizativa constitui um expediente, usado por parlamentares, para granjear o crédito político pela realização de obras ou serviços em campos materiais nos quais não têm iniciativa das leis, em geral matérias administrativas. Mediante esse tipo de ‘leis’, passam eles, de autores do projeto de lei, a co-autores da obra ou serviço autorizado. Os constituintes consideraram tais obras e serviços como estranhos aos legisladores e, por isso, os subtraíram da iniciativa parlamentar das leis. Para compensar essa perda, realmente exagerada, surgiu ‘lei’ autorizativa, praticada cada vez mais exageradamente autorizativa é a ‘lei’ que - por não poder determinar - limita-se a autorizar o Poder Executivo a executar atos que já lhe estão autorizados pela Constituição, pois estão dentro da competência constitucional desse Poder. O texto da ‘lei’ começa por uma expressão que se tornou padrão: ‘Fica o Poder Executivo autorizado a...’ O objeto da autorização - por já ser de competência constitucional do Executivo - não poderia ser ‘determinado’, mas é apenas ‘autorizado’ pelo Legislativo, tais ‘leis’, óbvio, são sempre de iniciativa parlamentar, pois jamais teria cabimento o Executivo se autorizar a si próprio, muito menos onde já o autoriza a própria Constituição. Elas constituem um vício patente" (Sérgio Resende de Barros. “Leis Autorizativas”, in Revista da Instituição Toledo de Ensino, Bauru, ago/nov 2000, p. 262).
15. A lei que autoriza o Poder Executivo
a agir em matérias de sua iniciativa privada implica, em verdade, uma
determinação, sendo, portanto, inconstitucional.
16. Neste sentido, vem julgando este
egrégio Tribunal, afirmando a inconstitucionalidade das leis autorizativas,
forte no entendimento de que essas “autorizações” são mero eufemismo de
“determinações” e, por isso, usurpam a competência material do Poder Executivo:
“LEIS AUTORIZATIVAS – INCONSTITUCIONALIDADE - Se uma lei fixa o que é próprio da Constituição fixar, pretendendo determinar ou autorizar um Poder constituído no âmbito de sua competência constitucional, essa lei e inconstitucional. — não só inócua ou rebarbativa, — porque estatui o que só o Constituinte pode estatuir O poder de autorizar implica o de não autorizar, sendo, ambos, frente e verso da mesma competência - As leis autorizativas são inconstitucionais por vicio formal de iniciativa, por usurparem a competência material do Poder Executivo e por ferirem o principio constitucional da separação de poderes.
VÍCIO DE INICIATIVA QUE NÃO MAIS PODE SER CONSIDERADO SANADO PELA SANÇÃO DO PREFEITO - Cancelamento da Súmula 5, do Colendo Supremo Tribunal Federal.
LEI MUNICIPAL QUE, DEMAIS IMPÕE INDEVIDO AUMENTO DE DESPESA PÚBLICA SEM A INDICAÇÃO DOS RECURSOS DISPONÍVEIS, PRÓPRIOS PARA ATENDER AOS NOVOS ENCARGOS (CE, ART 25). COMPROMETENDO A ATUAÇÃO DO EXECUTIVO NA EXECUÇÃO DO ORÇAMENTO - ARTIGO 176, INCISO I, DA REFERIDA CONSTITUIÇÃO, QUE VEDA O INÍCIO DE PROGRAMAS. PROJETOS E ATIVIDADES NÃO INCLUÍDOS NA LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL (TJSP, ADI 142.519-0/5-00, Rel. Des. Mohamed Amaro, 15-08-2007).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALÍDADE -
LEI N° 2.057/09, DO MUNICÍPIO DE LOUVEIRA - AUTORIZA O PODER EXECUTIVO A
COMUNICAR O CONTRIBUINTE DEVEDOR DAS CONTAS VENCIDAS E NÃO PAGAS DE ÁGUA, IPTU,
ALVARÁ A ISS, NO PRAZO MÁXIMO DE 60 DIAS APÓS O VENCIMENTO –
INCONSTITUCIONALÍDADE FORMAL E MATERIAL - VÍCIO DE INICIATIVA E VIOLAÇÃO DO
PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES - INVASÃO DE COMPETÊNCIA DO PODER EXECUTIVO
- AÇÃO PROCEDENTE.
A lei inquinada originou-se de projeto
de autoria de vereador e procura criar, a pretexto de ser meramente
autorizativa, obrigações e deveres para a Administração Municipal, o que
redunda em vício de iniciativa e usurpação de competência do Poder Executivo.
Ademais, a Administração Pública não necessita de autorização para desempenhar
funções das quais já está imbuída por força de mandamentos constitucionais”
(TJSP, ADI 994.09.223993-1, Rel. Des. Artur Marques, v.u., 19-05-2010).
“Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Lei Municipal n° 2.531, de 25 de novembro de 2009, do Município de Andradina,
'autorizando' o Poder Executivo Municipal a conceder a todos os alunos das
escolas municipais auxílio pecuniário para aquisição de material escolar,
através de vale-educação no comércio local. Lei de iniciativa da edilidade, mas
que versa sobre matéria reservada à iniciativa do Chefe do Executivo. Violação
aos arts. 5º, 25 e 144 da Constituição do Estado. Não obstante com caráter
apenas 'autorizativo', lei da espécie usurpa a competência material do Chefe do
Executivo. Ação procedente” (TJSP, ADI 994.09.229479-7, Rel. Des. José Santana,
v.u., 14-07-2010).
17. A
argumentação da natureza autorizativa da norma e da inércia na execução da lei
não elide a conclusão de sua inconstitucionalidade, como já decidido:
“5. Não é tolerável, com efeito, que, como está prestes a ocorrer neste caso, o Governador do Estado, à mercê das veleidades legislativas, permaneça durante tempo imprevisível com uma lei inconstitucional a tiracolo, ou, o que o seria ainda pior, seja compelido a transmiti-la a seu sucessor, com as consequências de ordem política daí derivadas” (STF, ADI-MC 2.367-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, 05-04-2001, v.u., DJ 05-03-2004, p. 13).
18. A
Administração Pública está vinculada positivamente ao princípio da legalidade
(art. 37, Constituição Federal; art. 111, Constituição Estadual) e, atento à
consideração (essencial) do cancelamento da Súmula 05 do Supremo Tribunal
Federal, afigura-se impossível ao Chefe do Poder Executivo (vetando ou não a
lei de iniciativa parlamentar que disciplina a matéria) cumpri-la (ou seja,
atender à autorização nela contida), pois, a inconstitucionalidade a tisna
desde seu nascedouro, e a dimensão do princípio da legalidade (rectius: juridicidade) requer a
conformidade dos atos da Administração com o ordenamento jurídico inteiro –
inclusive as normas constitucionais.
19. Concorre
à inconstitucionalidade, de outra parte, a violação aos arts. 25 e 176, I, da
Constituição do Estado, porquanto da lei há geração direta de novas despesas,
não previstas no orçamento em curso, estando desprovida da indicação dos
recursos necessários para sua cobertura, e que não satisfaz com a tradicional
cláusula de remissão “a conta de dotação orçamentária própria, suplementadas se
necessário”.
20. Essa,
aliás, foi a convicção externada em parecer emitido em ação direta de
inconstitucionalidade combatendo norma assemelhada e que foi julgada procedente
pelo colendo Órgão Especial deste egrégio Tribunal de Justiça em venerando
acórdão assim ementado:
“Ação direta de inconstitucionalidade - Lei do Município de Suzano, de iniciativa parlamentar, que dispõe sobre colocação de placas indicativas de nomes no perímetro urbano. Vício de iniciativa - Violação ao princípio da separação de Poderes (art. 5º, e art. 144 da Constituição Estadual) - Ingerência na competência do Executivo, por tratar de matéria que envolve plano de atuação governamental elaborado pelo Executivo - Lei, ademais, que não indica a fonte de custeio para a execução das obras e serviços relativos à colocação de placas indicativas (art. 25 da Constituição Bandeirante) - Ação procedente” (ADI 0076090-98.2013.8.26.0000, Rel. Des. Ênio Zuliani, v.u., 24-07-2013).
21. Opino
pela procedência da ação para declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 1.372,
de 18 de junho de 2013, do Município de Iacanga, por sua incompatibilidade com
os arts. 5º, 25, 47, II, XIV e XIX, a,
144, e 176, I, da Constituição Estadual.
São
Paulo, 07 de outubro de 2013.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
wpmj