Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 0143072-94.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Iacanga

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Iacanga

 

 

Ementa:

 

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal nº 1.362, de 16 de maio de 2013, de iniciativa parlamentar, que “Dispõe sobre a aplicação de penalidade à prática de assédio moral nas dependências da Administração Pública Municipal e do Município de Iacanga”.

2)      Matéria pertinente ao funcionalismo público municipal. Iniciativa reservada ao Executivo. Caracterizada a violação dos arts. 5º e 24, § 2º, n. 4, da Constituição do Estado de São Paulo. Precedentes do TJ/SP. Ação procedente.

 

 

 

 

 

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator,

 

Colendo Órgão Especial:

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Prefeito Municipal de Iacanga, tendo como alvo a Lei Municipal nº 1.362, de 16 de maio de 2013, de iniciativa parlamentar, que “Dispõe sobre a aplicação de penalidade à prática de assédio moral nas dependências da Administração Pública Municipal e do Município de Iacanga”.

Sustenta o autor, em síntese, que a lei impugnada violou os arts. 5º e 24, § 2º, n. 4 da Constituição Estadual, sob o fundamento de que se trata de matéria cuja iniciativa é exclusiva do Prefeito Municipal. Acrescenta que além do vício formal destacado, a norma não indica precisamente a origem de recursos orçamentários para atender aos novos encargos criados, violando, assim, os artigos 25 e 176, inciso I, da Constituição do Estado de São Paulo. Em síntese, o autor aponta a violação aos seguintes dispositivos constitucionais: 5º, 24, § 2º, 1 e 4, 25, 47,  incisos II, XIV e XIX, “a”, 144 e 176, I (Constituição Bandeirante).

Foi deferida liminar para suspensão da eficácia do ato normativo (fls. 24/25).

Citado regularmente, o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de oferecer defesa para o ato normativo (fls. 64/65).

Notificado, o Presidente da Câmara Municipal apresentou informações defendendo a validade do ato normativo impugnado (fls. 32/36).

É a síntese do ocorrido nos autos.

         O pedido deve ser julgado procedente.

         Nos termos dos arts. 18, 29, caput, e 30, incisos I a VII, da Constituição da República, e do art. 144 da Constituição do Estado de São Paulo, os Municípios foram dotados de autonomia administrativa e normativa, podendo legislar sobre os assuntos que sejam de interesse local, inclusive sobre a organização do funcionalismo, o seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria, etc.

         A autonomia administrativa e normativa não pode ser confundida com soberania, porquanto a própria Constituição – que é a fonte da qual promana todo o poder estatal - impõe limites à atuação dos Municípios, ao exigir deles obediência aos princípios estabelecidos nela própria e na Constituição do respectivo Estado, conforme, aliás, reza o seu art. 29, ‘verbis’: “O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado...”.

         Dentre os princípios constitucionais estaduais cuja observância é obrigatória pelos Municípios destaca-se aquele previsto no art. 24, § 2º, item 4, da Carta Paulista, por força do qual somente o chefe do Poder Executivo detém a iniciativa das leis que disponham sobre “servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria.  

         O dispositivo em comento é simples reprodução de norma de observância obrigatória da Constituição da República, mais precisamente o seu art. 61, § 1º, incisos I e II, alíneas “a” a “f”, que instituiu a reserva de iniciativa sobre determinadas matérias em favor do Presidente da República, cumprindo rememorar que, nos termos da jurisprudência assente no Supremo Tribunal Federal, “as regras básicas do processo legislativo federal são de absorção compulsória pelos Estados-membros (também extensíveis aos Municípios) em tudo aquilo que diga respeito – como ocorre às que enumeram casos de iniciativa legislativa reservada – ao princípio fundamental de independência e harmonia dos poderes, como delineado na Constituição da República.” (ADI 1.434-0/SP, Rel. Min. SEPULVEDA PERTENCE, DJ, Seção I, 3 de fevereiro de 2000, pág. 3)

         Na espécie, resta configurada a violação do princípio da independência e da harmonia entre os poderes, que vem expressamente consagrado no art. 5º da Constituição do Estado de São Paulo.

         Vale ressaltar que tal entendimento tem prevalecido no âmbito desse egrégio Tribunal de Justiça, conforme se verifica das ementas abaixo reproduzidas:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Ação objetivando a desconstituição da Lei n. 2.117, de 25 de abril de 2005, do Município de General Salgado, de iniciativa parlamentar, que, alterando o regime jurídico do funcionalismo e tipificando o assédio moral, dispõe sobre a sua caracterização, nas dependências da Administração Pública Municipal, e aplicação de penalidades à sua prática, inclusive pelo Chefe do Poder Executivo ou Legislativo, e dá outras providências, cujo veto, rejeitado pela Câmara – Violação do princípio da independência e harmonia entre os poderes – Interferindo em atividade tipicamente administrativa, e com evidente invasão de atribuição reservada ao Poder Executivo, a hostilizada lei arrosta com o princípio da independência e harmonia dos Poderes, instituído pelo artigo 5º da Constituição do Estado – Normas legais que tratam da definição de infração, inclusive, de natureza político-administrativa, bem como de seu processo e julgamento, flagrantemente inconstitucionais, porque os municípios não dispõem de competência para legislar sobre essa matéria – Matéria de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo competente – Violação direta do princípio constitucional da competência legislativa (Constituição Estadual, artigo 144, c.c. os artigos 22, I, 24, XI, e 29, da CF) – Inconstitucionalidade da Lei n. 2.117, de 25 de abril de 2005, do Município de General Salgado, por afronta aos artigos 5º e 144, da Constituição do Estado de São Paulo, combinados com os artigos 22, I, 24, XI, e 29, da Constituição Federal – Ação procedente.” (ADI n.º 123.183-0/1-00, Rel. Des. MOHAMED AMARO, j. em 24.05.06, m.v.)

“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Municipal n° 10.195/2008, de São José do Rio Preto, emanada de proposição do legislativo. Proibição da prática de assédio moral por agentes públicos, nas dependências da Administração Pública Local, com cominação de penalidades. Vício de iniciativa. Matéria relativa ao regime jurídico dos servidores públicos e de iniciativa reservada ao chefe do Poder Executivo. Violação dos arts. 5.o, caput, 24, §2.°, n° 4, e 144, da Constituição do Estado. Inconstitucionalidade declarada. Ação procedente.” (ADI n.° 994.08.014483-2, Rel. Des. JOSÉ ROBERTO BEDRAN, j . em 11.2.2009)

 

“Ação Direta de Inconstitucionalidade - Ajuizamento pelo Prefeito de Presidente Prudente - Lei Municipal n° 6.123/03, que dispõe sobre a aplicação de penalidades à prática de "assédio moral" nas dependências da Administração Pública municipal direta e indireta por servidores públicos municipais - Matéria cuja iniciativa é reservada ao Chefe do Executivo – Vício de iniciativa configurado - Violação nos artigos 5.o e 144, da Constituição do Estado de São Paulo - Inconstitucionalidade configurada - Ação procedente.” (ADI n.° 994.06.013802-0, Rel. Des. WALTER DE ALMEIDA GUILHERME, j. em 19.9.2007)

“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei de iniciativa de vereador, que dispõe sobre a aplicação de penalidade à prática de "assédio moral" nas dependências da administração pública municipal por servidores públicos municipais. Inadmissibilidade. Ato normativo que viola os princípios da separação de poderes e o da iniciativa reservada de lei a Prefeito Municipal, afrontando artigos da Constituição Estadual Paulista. Pedido procedente.” (ADI n° 994.06.011419-9, Rel. Des. CANELLAS DE GODOY, reg. 7.8.2007).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONAUDADE - Lei n° 3.600, de 18 de abril de 2008, do Município de Guarujá – Lei de iniciativa parlamentar, que dispõe sobre configuração do que define "assedio moral" e prevê aplicação de penalidades à sua prática por servidores públicos no âmbito do Poder Executivo e Legislativo do Município - Vício de iniciativa caracterizado - Matéria que se insere no denominado "regime jurídico do servidor", reservada ao Chefe do Poder Executivo - Entendimento assentado em julgados do E. Supremo Tribunal Federal - Inteligência do artigo 61, § 1o, inciso II, letra "c", da Constituição Federal e artigo 24, §2°, n° 4 da Constituição do Estado de São Paulo, dispositivos aplicáveis aos municípios por força do artigo 144 da Constituição Paulista - Usurpação de competência privativa - Violação do princípio da separação de poderes consagrado no artigo 5o da Constituição do Estado de São Paulo - Precedentes deste C. Órgão Especial a respeito do tema - Ação procedente - Inconstitucionalidade declarada.” (ADI n.º 0212042-54.2010.8.26.0000, Rel. Des. JOSÉ REYNALDO, j. em 3/2/2011, v.u.)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. VÍCIO DE INICIATIVA. Lei municipal, de autoria de membro do Poder Legislativo, que dispõe sobre a prática de assédio moral no âmbito da administração pública direta e indireta. Matéria relativa a exercício da administração direta municipal. Matéria de iniciativa do chefe do Poder Executivo. Ofensa aos arts. 5o, "caput", da CESP e art. 2 o da CF/88. Caracterização de vício de iniciativa. Inconstitucionalidade formal subjetiva. Ação julgada procedente. (ADI nº 0327889-07.2010.8.26.0000, Rel. Des. Roberto Mac Cracken, j. em 24/08/2011) 

Contudo, há que se fazer uma ressalva quanto à alegação feita pelo autor de que a legislação ora guerreada ofenderia também os arts. 25 e 176, I, da Constituição Estadual.

O art. 176, I, que proíbe o início de programas, projetos e atividades não incluídos na lei orçamentária anual, demandaria o exame desta, o que não foi trazido à baila e, além disso, seria controverso por ter a potencialidade de exibir crise de legalidade. De fato, não se patenteia o contencioso de constitucionalidade quando a afronta constitucional é indireta por exigir o exame do conteúdo de outras normas infraconstitucionais (RTJ 205/1107). Por sua vez, o art. 25 condiciona a sanção de projeto de lei que implicar criação ou aumento de despesa pública à indicação dos recursos disponíveis, próprios para atendimento dos novos encargos.

Além de a lei não criar nem aumentar despesa pública, seu exame demandaria discussão de matéria de fato insuscetível na estreita e especial via do contencioso de constitucionalidade. Logo, nesse aspecto, não se vislumbra a inconstitucionalidade.

Diante do exposto, aguarda seja dada procedência ao pedido para declarar a inconstitucionalidade formal da Lei Municipal nº 1.362, de 16 de maio de 2013, do Município de Iacanga.

 

São Paulo, 12 de setembro de 2013.

 

                  

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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