Parecer
Processo nº 0143073-79.2013.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Iacanga
Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Iacanga
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito. Lei nº 1.370, de 18 de junho de 2013, do Município de Iacanga, que “Dispõe sobre a criação da CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes)”. Projeto de autoria de Vereador. Matéria reservada ao Chefe do Poder Executivo. Violação do princípio da separação dos poderes. Ofensa aos artigos 5º; 24, § 2º, n. 2; 25; 47, incs. II, XIV e XIX, “a”; 144; e 176, I, da CE. Parecer pela procedência da ação.
Colendo
Órgão Especial,
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Presidente:
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade
movida pelo Prefeito Municipal de Iacanga, tendo por objeto a Lei nº 1.370, de 18 de junho de
2013, do Município de Iacanga, que “Dispõe sobre a criação da CIPA (Comissão
Interna de Prevenção de Acidentes)”.
O
autor noticia que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e
que, depois de aprovado, foi inteiramente vetado pelo Poder Executivo. O veto
foi derrubado e, ao final, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara
Municipal.
Sustenta
que a lei em questão cria obrigações para a Administração Pública, havendo
usurpação por parte do Poder Legislativo de atribuições pertinentes a
atividades próprias do Poder Executivo e aponta transgressão ao arts. 5º, 24, §
2º, ns. 1 e 4; 25; 47, incs. II, XIV e XIX, "a"; 144; e 176, I, da
Constituição Estadual.
A
lei teve a vigência e eficácia suspensas ex
nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 32/33).
O
Presidente da Câmara Municipal prestou as devidas informações, em defesa da
norma impugnada (fls. 40/44).
A
Procuradoria Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando
que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 71/72).
Este
é o breve resumo do que consta dos autos.
A
lei impugnada do Município de Iacanga assim dispõe:
De fato, dita lei é verticalmente incompatível com a Constituição do Estado de São Paulo, especialmente com os seus arts. 5º; 24, § 2º, ns. 2 e 4; 25; 47, incs. II, XIV e XIX, “a”; 144; e 176, I, os quais dispõem o seguinte:
“Art. 5.º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
(...)
Art. 24 - A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão da Assembleia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.
(...)
§ 2º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:
(...)
2 - criação e extinção das Secretarias de Estado e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 47, XIX;
4- servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e apoosentadoria;
Art. 25 - Nenhum projeto de lei que implique a criação ou o aumento de despesa pública será sancionado sem que dele conste a indicação dos recursos disponíveis, próprios para atender aos novos encargos.
Art. 47 – Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:
(...)
II – exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;
(...)
XIV – praticar os demais atos de administração, nos limites da competência do Executivo;
(...)
XIX - dispor, mediante decreto, sobre:
a) organização e funcionamento da administração estadual, quando não implicar em aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos;
Art. 144 – Os Municípios, com autonomia, política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.
Art. 176 - São vedados:
I - o início de programas, projetos e atividades não incluídos na lei orçamentária anual;”
Como visto, a impugnada norma, ao determinar a criação da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes - CIPA, gera obrigações para a Administração, nela interferindo diretamente, e ainda dispõe sobre os servidores públicos municipais.
Como se não bastasse, para o cumprimento da norma não há indicação da origem dos recursos necessários para arcar com tais novos gastos, o que importa em invasão da seara administrativa.
Nos
entes políticos da Federação, dividem-se as funções de governo: o Executivo foi
incumbido da tarefa de administrar, segundo a legislação vigente, por força do
postulado da legalidade, enquanto que o Poder Legislativo ficou responsável
pela edição das normas genéricas e abstratas, as quais compõem a base normativa
para as atividades de gestão.
Essa
repartição de funções decorre da incorporação à Constituição brasileira do
princípio da independência e da harmonia entre os Poderes (art. 2º),
preconizado por Montesquieu, e que visa a impedir a concentração de poderes num
único órgão ou agente, o que a experiência revelou conduzir ao absolutismo.
A
tarefa de administrar o município, a cargo do Executivo, engloba as atividades
de planejamento, organização e direção dos serviços públicos, o que abrange,
efetivamente, a expedição de licenças, alvarás e demais atos próprios da
administração, como o da espécie em análise.
Por
intermédio da lei em análise, a Câmara determina a criação da Comissão Interna de
Previsão de Acidentes, onerando, desta forma, a Administração. Embora elogiável
a preocupação do Poder Legislativo local com o tema, a iniciativa não tem como
prosperar na ordem constitucional vigente, uma vez que a norma disciplina atos
que são próprios da função executiva.
Veja-se,
a propósito, que o art. 2º cria, de certa forma, espécie de estabilidade,
proibindo a transferência ou exoneração de servidor que represente os demais na
CIPA.
Também
geram gastos e despesas a realização de eleições para a composição da CIPA, o
desenvolvimento das atividades previstas no art. 4º, as reuniões a que alude o
art. 8º e a liberação de 06 horas semanais para "trabalhos exclusivos da
Comissão".
Por
esse motivo, pode-se afirmar, com fundamento no art. 47, incs. II, XI, XIV e
XIX, “a”, que a Constituição Estadual, confere ao Governador do Estado a
iniciativa privativa das leis que disponham sobre as atribuições da
Administração Pública e, consequentemente, sobre o seu orçamento. Trata-se de
questão relativa ao processo legislativo, cujos princípios são de observância
obrigatória pelos Municípios, em face do artigo 144, da Constituição do Estado,
tal como tem decidido o C. Supremo Tribunal Federal:
“O modelo estruturador do processo legislativo, tal como delineado em seus aspectos fundamentais pela Constituição da República - inclusive no que se refere às hipóteses de iniciativa do processo de formação das leis - impõe-se, enquanto padrão normativo de compulsório atendimento, à incondicional observância dos Estados-Membros. Precedentes: RTJ 146/388 - RTJ 150/482” (ADIn nº 1434-0, medida liminar, relator Ministro Celso de Mello, DJU nº 227, p. 45684).
Se
a regra é impositiva para os Estados-membros, é induvidoso que também o é para
os Municípios.
As
normas de fixação de competência para a iniciativa do processo legislativo
derivam do princípio da separação dos poderes, que nada mais é que o mecanismo
jurídico que serve à organização do Estado, definindo órgãos, estabelecendo
competências e marcando as relações recíprocas entre esses mesmos órgãos
(Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Curso
de Direito Constitucional, Ed. Saraiva, 2001, págs. 111/112). Se essas
normas não são atendidas, como no caso em exame, fica patente a
inconstitucionalidade, em face de vício de iniciativa.
Sobre
isso, ensinou Hely Lopes Meirelles que se “a Câmara, desatendendo à
privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais
matérias, caberá ao Prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e
promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam de vício
inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais
inerentes às suas funções, como não pode delegá-las aquiescer em que o
Legislativo as exerça” (Direito Municipal Brasileiro, São Paulo, Malheiros, 7ª
ed., pp. 544-545).
Lembre-se,
por fim, que, como já exposto, a lei gera aumento de despesa sem indicação da
fonte e, destarte, colide com o disposto no art. 25, da Constituição
Bandeirante e com o art. 176, I, do mesmo diploma que coíbe o “o início de
programas, projetos e atividades não incluídos na lei orçamentária anual”.
Esse
Sodalício, aliás, tem declarado a inconstitucionalidade de leis municipais que
infringem esses comandos:
“LEI MUNICIPAL QUE, DEMAIS IMPÕE INDEVIDO AUMENTO DE DESPESA PÚBLICA SEM A INDICAÇÃO DOS RECURSOS DISPONÍVEIS, PRÓPRIOS PARA ATENDER AOS NOVOS ENCARGOS (CE, ART 25). COMPROMETENDO A ATUAÇÃO DO EXECUTIVO NA EXECUÇÃO DO ORÇAMENTO - ARTIGO 176, INCISO I, DA REFERIDA CONSTITUIÇÃO, QUE VEDA O INÍCIO DE PROGRAMAS. PROJETOS E ATIVIDADES NÃO INCLUÍDOS NA LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL” (ADIn 142.519-0/5-00, rel. Des. Mohamed Amaro, 15.8.2007).
Diante
do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação
direta, declarando-se a
inconstitucionalidade da Lei nº 1.370 de 18 de junho de 2013, do
Município de Iacanga.
São Paulo, 12 de setembro de
2013.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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