Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade
Processo n. 0148488-43.2013.8.26.0000
Requerente: Prefeitura do Município de Cajati
Requerida: Câmara Municipal de Cajati
Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Ilegitimidade ativa. Art. 53-A, Lei Complementar n. 16, de 12 de setembro de 2012, do Município de Cajati. Servidor Público. Cargo Público. Transformação do cargo de pajem em professor de creche e enquadramento de seus titulares. Emenda parlamentar. Falta de pertinência temática. Aumento de despesa. Violação à regra da acessibilidade a cargo ou emprego público, isolado ou inicial de carreira, de provimento efetivo, mediante prévia aprovação em concurso público. Procedência da ação. 1. Extinção do processo sem resolução do mérito porque a legitimidade ativa, englobante da capacidade postulatória, para o contencioso de constitucionalidade pertence ao Chefe do Poder Executivo e não ao órgão público ou à pessoa jurídica de direito público que comanda ou presenta (art. 90, II, CE/89). 2. Vício que não se confunde com mera irregularidade de representação processual e não admite convalidação nem saneamento. 3. Lei local, de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, que, dispondo sobre o estatuto do magistério, prevê transposição do titular do cargo de pajem ao de professor de creche por força de emenda parlamentar (art. 53-A). 4. Inconstitucionalidade formal pela ultrapassagem dos limites do poder de emenda (art. 24, § 5º, CE/89): falta de pertinência temática e aumento de despesa. 5. Inconstitucionalidade material pela violação da regra de acessibilidade a cargo ou emprego público, isolado ou inicial de carreira, de provimento efetivo, mediante prévia aprovação em concurso público (art. 115, II, CE/89). 6. Procedência da ação.
Egrégio Tribunal:
1. Trata-se de ação direta de
inconstitucionalidade promovida pela Prefeitura do Município de Cajati
impugnando o art. 53-A da Lei Complementar n. 16, de 12 de setembro de 2012, do
Município de Cajati, que transforma o cargo de pajem em professor de
creche, extinguindo-o e assegura o enquadramento de seus titulares, por incompatibilidade com
o art. 115, II, da Constituição Estadual, e o art. 61, § 1º, II, a e c,
da Constituição Federal
(fls. 02/16). Concedida a liminar (fl. 153), a Câmara Municipal de Cajati prestou informações
(fls. 160/164), declinando a douta Procuradoria-Geral do Estado da defesa da
norma impugnada (fls. 320/321).
2. É o relatório.
3. Preliminarmente, opino pela
extinção do processo sem resolução do mérito.
4. A ação, como historiado, foi
proposta pela Prefeitura Municipal de Cajati, em petição inicial subscrita pelo
nobre Diretor do Departamento Jurídico (fl. 16), constituído por mandato
outorgado por esse órgão público (fl. 17).
5. Todavia, a legitimidade ativa
pertence ao Prefeito, e não à Prefeitura, como disposto no inciso II do art. 90
da Constituição Estadual.
6. Não está a se tratar de mera
irregularidade da representação processual, como amiúde ocorre, e admite
saneamento, mas, de efetiva ilegitimidade ativa porque a legitimidade,
englobante da capacidade postulatória, pertence não ao órgão público ou à
pessoa jurídica de direito público, senão à autoridade suprema do Chefe do
Poder Executivo Municipal.
7. Neste
sentido, já foi decidido que:
“(...) Os Estados-Membros da Federação não estão no rol dos legitimados a agir como sujeitos processuais em sede de controle concentrado de constitucionalidade, sendo indevida, no modelo de processo objetivo, a intervenção de terceiros subjetivamente interessados no feito. Precedente: ADI 2.130-AgR, rel. Min. Celso de Mello, DJ 14.12.01. (...)” (STF, ED-AgR-ADI 3.013-BA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 31-05-2006, v.u., DJ 04-08-2006, p. 25).
8. Se
superada a preliminar, opino pela procedência da ação.
9. O Chefe do Poder Executivo local
apresentou projeto de lei sobre o plano de carreira e remuneração dos
profissionais do magistério de Cajati objetivando, conforme expõe a respectiva
mensagem:
“(...) atualizar a Lei Complementar nº 009/2010 no que tange as novas normas Nacionais da Educação, em especial o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.167 que julgou constitucional a norma geral federal que reserva o percentual mínimo de 1/3 da carga horária dos docentes da educação básica para dedicação de atividade extraclasse.
Esclareço
ainda que, com a operacionalização da Lei nos anos de 2010 e 2011 foram
otimizados alguns artigos para garantir a funcionalidade de seus dispositivos,
todos devidamente analisados, votados e aprovados pela mesma comissão nomeada
pela Portaria do Executivo nº 020/2010” (fl. 167).
10.
Chamo a atenção ao fato de
que o projeto consistia, em realidade, novel estatuto do magistério municipal,
contendo no quadro de empregos e funções as classes de docentes e de
especialistas de educação, dentre elas o de “Professor de Educação Básica I –
Creche” (arts. 14, parágrafo único, I, a,
16, I, e 20 – fls. 175/176), com requisitos de habilitação para o provimento
mediante concurso público (arts. 31, 33 e 40 – fls. 184/185), especificamente o
magistério superior ou licenciatura em pedagogia (fl. 204).
11.
Previa também o enquadramento
dos profissionais do magistério (art. 53 – fl. 190) e, ao final, a criação dos
empregos de Professor de Creche (art. 107, a
– fl. 203).
12.
A emenda aditiva n. 01, de
iniciativa parlamentar, acrescentou ao seu bojo o art. 53-A com a seguinte
redação:
“Art. 53-A – Fica mantido os benefícios do Artigo 51, § 4º, Incisos I, II, III e IV, bem como, os §§ 4º, 5º e 7º, da Lei Complementar 009/2010, de 12/05/2010, conforme segue:
§ 1º - Os atuais ocupantes do cargo de Pajem serão enquadrados neste Plano de Carreira, com alteração da denominação para o cargo de Professor de Creche, desde que cumpram os seguintes requisitos:
I – tenham ingressado no Concurso Público de Pajem;
II – possuírem a formação mínima para o Quadro do magistério, conforme artigo 62 da Lei 9394/96;
III – estejam exercendo as funções do Magistério na Educação Infantil;
IV – o enquadramento dar-se-á na classe correspondente a sua formação acadêmica, devidamente comprovada e na referência correspondente ao seu tempo de serviço público municipal, contado a partir da sua nomeação no emprego de Pajem.
§ 2º. A partir da publicação desta Lei Complementar fica extinto na vacância o cargo de Pajem.
§ 3º. Os atuais ocupantes do cargo/emprego de pajem, para ter direito ao enquadramento, terão o prazo de 05 (cinco) anos, a contar da publicação desta lei, para cumprir a formação prevista no artigo 62 da Lei 9394/96” (fl. 209).
13.
A emenda foi aprovada (fl.
229), expedindo-se autógrafo (fls. 231/232) que nessa parte foi vetado (fls.
234/237) e, ao final, rejeitado (fls. 264/268), seguindo-se a promulgação da
lei com o art. 53-A (fls. 97/151) na redação da citada emenda parlamentar (fl.
128).
14.
Não se apresenta espaço para
vingar a alegação de contrariedade ao art. 61, § 1º, II, a e c, da Constituição
Federal. Embora se trate de norma de observância compulsória nos Estados e nos
Municípios, a reserva de iniciativa legislativa ao Chefe do Poder Executivo a
criação e extinção de cargos ou empregos públicos e a disciplina de seu regime
jurídico e provimento, o que é reproduzido no art. 24, § 2º, 1 e 4, da
Constituição Estadual, sua invocação é impertinente em face de emenda
parlamentar a projeto de lei de autoria do Prefeito Municipal.
15.
Admissível, entretanto, é a
investigação da observância dos limites ao poder de emendamento, na
conformidade do inciso I do art. 63 da Constituição Federal reproduzido no § 5º
do art. 24 da Constituição Estadual e que, na conformidade da jurisprudência
(RTJ 210/1.084, 194/352), se resumem na impossibilidade de o Parlamento
veicular matéria estranha à versada no projeto de lei (pertinência temática) e
de impossibilidade de as emendas parlamentares aos projetos de lei de
iniciativa do Executivo, ressalvadas as exceções expressas, implicarem aumento
de despesa pública. Neste sentido:
“(...) A reserva de iniciativa
a outro Poder não implica vedação de emenda de origem parlamentar desde que
pertinente à matéria da proposição e não acarrete aumento de despesa. (...)”
(STF, RE 134.278-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 27-05-2004,
v.u., DJ 12-11-2004, p. 06).
16.
Assentadas essas premissas,
tenho que faltou à emenda parlamentar pertinência temática e, ao mesmo tempo,
ela gerou aumento de despesa.
17.
A exposição acima empreendida
revela que pajem não é cargo ou emprego do magistério municipal e sua inclusão
no projeto de lei evidencia a falta de relação objetiva com a matéria. Não
bastasse, tratando-se de posições com diferentes atribuições e remunerações,
facilitando o aumento quantitativo de elementos na classe dos professores de
creche segue-se o recrudescimento da despesa pública.
18.
Trata-se de violação ao art.
24, § 5º, da Constituição Estadual.
19.
Além desse vício de
inconstitucionalidade formal concorre o material.
20.
O art. 53-A, resultante da
emenda parlamentar, permite a transposição daquele que foi investido em um
determinado cargo para outro diferente que não é pertence a mesma carreira, à
margem da exigência de aprovação prévia em concurso público constante do inciso
II do art. 115 da Constituição Estadual que reproduz o inciso II do art. 37 da
Constituição Federal.
21.
Cuida-se de expediente que
não se reduz a simples alteração da denominação de cargo, senão incide
exatamente naquilo que é obstado pela Súmula 685 do Supremo Tribunal Federal, verbis:
“É
inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor
investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu
provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente
investido”.
22. Opino, preliminarmente, pela extinção do processo sem resolução do mérito por ilegitimidade ativa e, no mérito, pela procedência da ação para declarar a incompatibilidade vertical do art. 53-A da Lei Complementar n. 16, de 12 de setembro de 2012, do Município de Cajati, com os arts. 24, § 5º e 115, II, da Constituição do Estado de São Paulo.
São Paulo, 11 de setembro de
2013.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
wpmj