Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 0148704-04.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Mauá

Requerida: Câmara Municipal de Mauá

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade.  Lei n. 4.782, de 29 de maio de 2012, de iniciativa parlamentar, do Município de mauá. Criação da posse responsável de animais domésticos. Separação de poderes. Iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo. Lei autorizativa. Procedência da ação. 1. Insubsistência da alegação de aspectos financeiro-orçamentários posto que sua ausência apenas compromete a eficácia da lei no exercício financeiro de sua vigência. 2. Disciplina da posse responsável de animais domésticos em lei local de iniciativa parlamentar configura instrumento da polícia municipal, sendo inconstitucional apenas naquilo que impõe atribuições a órgãos do Poder Executivo, à vista da reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo. 3. Procedência parcial da ação dos arts. 3º a 11, do parágrafo único do art. 12, e dos arts. 13, 24, 31 a 35 e 37 da Lei n. 4.782, de 29 de maio de 2012, do Município de Mauá, por sua incompatibilidade com os arts. 5º e 24, § 2º, 2, CE/89.

 

 

 

 

Egrégio Tribunal:

 

 

 

 

1.                Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade promovida pelo Prefeito do Município de Mauá impugnando a Lei n. 4.782, de 29 de maio de 2012, do Município de Mauá, de iniciativa parlamentar, que dispõe sobre a criação da posse responsável de animais domésticos, por incompatibilidade com os arts. 5º, 25, 47, II, XI e XIV, 144, 174, I a III e 176, I e III, da Constituição Estadual (fls. 02/23).

2.                Concedida a liminar (fl. 54), o douto Procurador-Geral do Estado declinou da defesa da lei impugnada (fls. 65/66), e decorreu in albis o prazo das informações da Câmara Municipal de Mauá (fl. 67).

3.                É o relatório.

4.                É insubsistente alegação em torno de recursos financeiro-orçamentários (arts. 25, 174 e 176, Constituição Estadual) posto que sua ausência apenas compromete a eficácia da lei no exercício financeiro de sua vigência.

5.                Com efeito, “inclina-se a jurisprudência no STF no sentido de que a inobservância por determinada lei das mencionadas restrições constitucionais não induz à sua inconstitucionalidade, impedindo apenas a sua execução no exercício financeiro respectivo” (STF, ADI 1.585-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 19-12-1997, v.u., DJ 03-04-1998, p. 01). Neste sentido:

        Vale registrar, ainda, quanto à discussão sobre a necessidade de previsão orçamentária, a seguinte passagem do voto da eminente Ministra CÁRMEN LÚCIA, proferido por ocasião do julgamento plenário da ADI 3.768/DF, de que ela própria foi Relatora:

    ‘A constitucionalidade da garantia não ficará comprometida, em qualquer caso, pois o idoso tem, estampado na Constituição, o direito ao transporte coletivo urbano gratuito. Quem assume o ônus financeiro não é questão que se resolve pela inconstitucionalidade da norma que repete o quanto constitucionalmente garantido.’ (grifei)

    Cumpre ressaltar, por relevante, que esse entendimento foi reafirmado no julgamento proferido no âmbito desta Corte a propósito de questão similar à que ora se examina nesta sede recursal (RE 573.040/SP, Rel. Min. DIAS TOFFOLI)” (STF, RE 702.848-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 29-04-2013, DJe 14-05-2013).

6.                Como assinala José Maurício Conti ao comentar a inexistência de reserva de iniciativa para leis que criam ou aumentam despesa pública, diferentemente do ordenamento constitucional anterior:

“não havendo mais a expressa disposição no texto constitucional de que é iniciativa privativa do Presidente da República as leis que disponham sobre matéria financeira, tal reserva não mais subsiste, não sendo cabível interpretação ampliativa na hipótese, conforme entende inclusive nossa Suprema Corte” (Iniciativa legislativa em matéria financeira, in Orçamentos Públicos e Direito Financeiro, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, pp. 283-307, coordenação José Maurício Conti e Fernando Facury Scaff).

7.                Portanto, não é crível a afirmativa de a geração de despesas pela lei equivaler a uma lei orçamentária para se concluir pela violação da separação de poderes.

8.                A lei local de iniciativa parlamentar que disciplina a posse responsável de animais domésticos configura instrumento da polícia municipal, sendo inconstitucional apenas naquilo que impõe atribuições a órgãos do Poder Executivo, à vista da reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo contida no art. 24, § 2º, 2, da Constituição Estadual, regra violada assim como o princípio da separação de poderes (art. 5º, Constituição do Estado), e que reproduzem os arts. 2º e 61, § 1º, II, e, da Constituição Federal, que são preceitos de observância obrigatória aos Estados e Municípios.

9.                Neste sentido, é pacífica a jurisprudência da Suprema Corte:

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. LEI QUE ATRIBUI TAREFAS AO DETRAN/ES, DE INICIATIVA PARLAMENTAR: INCONSTITUCIONALIDADE. COMPETÊNCIA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. C.F, art. 61, § 1°, n, e, art. 84, II e VI. Lei 7.157, de 2002, do Espírito Santo.

I. - É de iniciativa do Chefe do Poder Executivo a proposta de lei que vise a criação, estruturação e atribuição de órgãos da administração pública: C.F, art. 61, § 1°, II, e, art. 84, II e VI.

II. - As regras do processo legislativo federal, especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas de observância obrigatória pelos Estados-membros.

III. - Precedentes do STF.

IV - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.).

“É indispensável a iniciativa do Chefe do Poder Executivo (mediante projeto de lei ou mesmo, após a EC 32/01, por meio de decreto) na elaboração de normas que de alguma forma remodelem as atribuições de órgão pertencente à estrutura administrativa de determinada unidade da Federação” (STF, ADI 3.254-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 16-11-2005, v.u., DJ 02-12-2005, p. 02).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 6.835/2001 DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. INCLUSÃO DOS NOMES DE PESSOAS FÍSICAS E JURÍDICAS INADIMPLENTES NO SERASA, CADIN E SPC. ATRIBUIÇÕES DA SECRETARIA DE ESTADO DA FAZENDA. INICIATIVA DA MESA DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. A lei 6.835/2001, de iniciativa da Mesa da Assembleia Legislativa do Estado do Espírito Santo, cria nova atribuição à Secretaria de Fazenda Estadual, órgão integrante do Poder Executivo daquele Estado. À luz do princípio da simetria, são de iniciativa do Chefe do Poder Executivo estadual as leis que versem sobre a organização administrativa do Estado, podendo a questão referente à organização e funcionamento da Administração Estadual, quando não importar aumento de despesa, ser regulamentada por meio de Decreto do Chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, e e art. 84, VI, a da Constituição federal). Inconstitucionalidade formal, por vício de iniciativa da lei ora atacada” (STF, ADI 2.857-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 30-08-2007, v.u., DJe 30-11-2007).

10.              Estão inseridas nesse contexto de violação à regra de reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo os arts. 3º a 11, o parágrafo único do art. 12, e os arts. 13, 24, 31 a 35 e 37 da Lei n. 4.782, de 29 de maio de 2012, do Município de Mauá.

11.              Os demais dispositivos de polícia administrativa pertencem à iniciativa legislativa comum ou concorrente por não estarem catalogados na iniciativa reservada que demanda expressa previsão e não se presume, merecendo interpretação restritiva.

12.              Opino pela procedência parcial da ação para declarar a inconstitucionalidade dos arts. 3º a 11, do parágrafo único do art. 12, e dos arts. 13, 24, 31 a 35 e 37 da Lei n. 4.782, de 29 de maio de 2012, do Município de Mauá, por sua incompatibilidade com os arts. 5º e 24, § 2º, 2, da Constituição do Estado de São Paulo.

                   São Paulo, 04 de novembro de 2013.

 

 

 

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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