Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 0149076-50.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeita do Município de Ribeirão Preto

Requerida: Câmara Municipal de Ribeirão Preto

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 2.524, de 05 de abril de 2012, do Município de Ribeirão Preto (alínea f do § 2º do art. 14, incisos I e V do § 1º do art. 27, alínea l do § 1º do art. 36, e art. 85). Estatuto do Magistério. Dispositivos resultantes de emenda parlamentar. Alegação de ofensa à separação de poderes consistente em violação à reserva de iniciativa legislativo do Chefe do Poder Executivo e de ausência de recursos suficientes para cobertura de novas despesas. Inocorrência. Observância dos limites do poder de emenda parlamentar à exceção da ausência de pertinência temática relativa ao art. 85 da lei local. Parcial procedência da ação. 1. Sendo a lei resultante de projeto de iniciativa do Chefe do Poder Executivo Municipal é absolutamente imprópria a invocação de violação à separação de poderes radicada nos arts. 5º e 24, § 2º, 1 e 4, CE/89, aos dispositivos do Estatuto do Magistério resultantes de emenda parlamentar. 2. Sindicância de constitucionalidade que trafega pela observância ou não dos limites do poder de emenda parlamentar (art. 25, § 5º, CE/89): inadmissibilidade de aumento de despesa prevista ou ausência de pertinência temática nos projetos de iniciativa reservada. 3. Regra que, por sua especialidade, afasta a incidência do art. 25, CE/89. 4. Alínea f do § 2º do art. 14 que não computa como ausência, na apuração da assiduidade para promoção por merecimento, o afastamento do docente em virtude de licença para tratamento de saúde; alínea l do § 1º do art. 36 que considera efetivo exercício, para fins de classificação para atribuição de aulas e remoção, o afastamento por licença de tratamento de saúde: preceitos com pertinência temática que não causam aumento de despesa. 5. Disciplina da jornada de trabalho de cargos (incisos I e V do § 1º do art. 27) que possuem pertinência temática, carecendo a instrução da petição inicial de elementos para aquilatar aumento de despesa prevista. 6. Assegurando o art. 85 aos monitores direitos e vantagens das carreiras do magistério municipal, falta-lhe pertinência temática, pois, são cargos de carreira diversa, e essa extensão tem a potencialidade de transposição para cargo de carreira diversa à míngua de concurso público e dos requisitos de habilitação para além de efeitos outros (arts. 24, § 5º e 115, II, CE/89 e Súmula 685, STF). 7. Parcial procedência da ação para declarar a inconstitucionalidade do art. 85 da Lei n. 2.524, de 05 de abril de 2012, do Município de Ribeirão Preto, por sua incompatibilidade com os arts. 24, § 5º, e 115, II, CE/89.

 

 

 

 

Colendo Órgão Especial:

 

 

 

 

1.                Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Prefeita do Município de Ribeirão Preto impugnando a alínea f do § 2º do art. 14, os incisos I e V do § 1º do art. 27, a alínea l do § 1º do art. 36 e o art. 85 da Lei Complementar n. 2.524, de 05 de abril de 2012, do Município de Ribeirão Preto, resultantes de emendas parlamentares, suscitando sua incompatibilidade com os arts. 5º, 24, § 2º, 1 e 4, 25, e 144, da Constituição Estadual (fls. 02/12).

2.                Concedida a liminar (fls. 69/70), a douta Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa da lei contestada (fls. 81/82), e as informações prestadas pela Câmara Municipal de Ribeirão Preto defendem sua constitucionalidade (fls. 84/86).

3.                É o relatório.

4.                Em pauta a constitucionalidade da alínea f do § 2º do art. 14, dos incisos I e V do § 1º do art. 27, da alínea l do § 1º do art. 36 e do art. 85 da Lei Complementar n. 2.524, de 05 de abril de 2012, resultantes de emendas parlamentares a projeto de lei de iniciativa do Chefe do Poder Executivo que dispõe sobre o plano de cargos, carreira e remuneração e sobre o Estatuto do Magistério Público Municipal de Ribeirão Preto.

5.                Sendo a lei resultante de projeto de iniciativa do Chefe do Poder Executivo Municipal é absolutamente imprópria a invocação de violação à separação de poderes radicada nos arts. 5º e 24, § 2º, 1 e 4, da Constituição Estadual. Neste sentido:

“(...) A reserva de iniciativa a outro Poder não implica vedação de emenda de origem parlamentar desde que pertinente à matéria da proposição e não acarrete aumento de despesa. (...)” (STF, RE 134.278-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 27-05-2004, v.u., DJ 12-11-2004, p. 06).

6.                A questão trafega pela sindicância da observância ou não dos limites do poder de emenda parlamentar, inscritos no art. 24, § 5º, da Constituição Estadual, que reproduz o quanto disposto no art. 63 da Constituição Federal, estabelecendo a inadmissibilidade de emenda parlamentar que implicar aumento de despesa prevista ou carecer de pertinência temática nos projetos de iniciativa reservada – o que afasta, por conta da especialidade, a incidência do art. 25 da Constituição Estadual -, como pacífica e reiteradamente vem decidindo o Supremo Tribunal Federal (RTJ 210/1.084, 194/352 e 194/848; STF, ADI 3.288-MG, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ayres Britto, 13-10-2010, v.u., DJe 24-02-2011; STF, RE 191.191-PR, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, 12-12-1997, v.u., DJ 20-02-1998, p. 46; STF, ADI 546-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, 11-03-1999, m.v., DJ 14-04-2000, p. 30; STF, RE 134.278-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 27-05-2004, m.v., DJ 12-11-2004, p. 06; STF, ADI 2.305-ES, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 05-08-2011), conforme sumulado no seguinte precedente:

“(...) III. - Matéria de iniciativa reservada: as restrições ao poder de emenda - C.F., art. 63, I - ficam reduzidas à proibição de aumento de despesa e à hipótese de impertinência de emenda ao tema do projeto. (...)” (STF, ADI 2.569-CE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 19-03-2003, v.u., DJ 02-05-2003, p. 26).

7.                Com efeito, as regras do processo legislativo federal também são de observância compulsória pelos Estados e Municípios como vem julgando reiteradamente o Supremo Tribunal Federal:

“(...) 2. A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno --- artigo 25, caput ---, impõe a obrigatória observância de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo. O legislador estadual não pode usurpar a iniciativa legislativa do Chefe do Executivo, dispondo sobre as matérias reservadas a essa iniciativa privativa. (...)” (STF, ADI 1.594-RN, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 04-06-2008, v.u., DJe 22-08-2008).

“(...) I. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que as regras básicas do processo legislativo da Constituição Federal, entre as quais as que estabelecem reserva de iniciativa legislativa, são de observância obrigatória pelos estados-membros. (...)” (RT 850/180).

“(...) 1. A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno (artigo 25, caput), impõe a obrigatória observância de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo, de modo que o legislador estadual não pode validamente dispor sobre as matérias reservadas à iniciativa privativa do Chefe do Executivo. (...)” (RTJ 193/832).

“(...) I. - As regras básicas do processo legislativo federal são de observância obrigatória pelos Estados-membros e Municípios. (...)” (STF, ADI 2.731-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 02-03-2003, v.u., DJ 25-04-2003, p. 33).

8.                Feito esse registro, passo à análise individualizada dos dispositivos impugnados e que são resultantes de emenda parlamentar.

9.                O art. 14 da lei local trata da promoção por merecimento, estabelecendo que a apuração da assiduidade observará, dentre outros, os requisitos do § 2º que não computam como ausência o afastamento do docente em virtude de licença para tratamento de saúde, conforme a alínea f decorrente de emenda parlamentar.

10.              O preceito tem pertinência temática e não causa aumento de despesa.

11.              Os incisos I e V do § 1º do art. 27 da lei local foram acrescidos por emenda parlamentar. Segundo o preceito, cujo caput trata da jornada de trabalho, para efeito de pagamento a carga horária do Coordenador Pedagógico e do Orientador Educacional seria de 320 horas (inciso I) e do Diretor de CEMEI e CEEEF de 360 horas. O veto foi justificado, respectivamente, na impossibilidade desses cargos constarem acima do Vice-Diretor por questões hierárquicas e da hierarquia dos vencimentos dos Diretores estar baseada na complexidade da escola e da quantidade de alunos (fl. 67).

12.              Pertinência temática há porque esses cargos são da Área de Gestão Educacional, conforme o art. 4º, II, da própria lei, ligando-se, portanto, ao caput do art. 27. Como os documentos que instruem a petição inicial não são suficientes para aquilatar aumento de despesa prevista, pois, não foi promovida a juntada do projeto de lei, torna-se impossível concluir pela exorbitância dos limites inscritos à emenda parlamentar.

13.              A alínea l do § 1º do art. 36 inclui no rol que considera efetivo exercício, para fins de classificação para atribuição de aulas e remoção, o afastamento por licença de tratamento de saúde, não padecendo de desbordamento dos limites de emenda.

14.              Por fim, o art. 85 assegura “aos monitores da EMEF Egydio Pedreschi os direitos e vantagens previstos na presente lei”. Segundo as razões do veto, os profissionais aludidos “estão organizados em carreira pela Lei Complementar nº 2.515, de 28 de março de 2012, onde estão fixados os requisitos de ingresso, novos níveis e classes. Os monitores devem ser mantidos na lei supracitada, em virtude de ingresso por concurso público e a existência de outros cargos de monitores incluídos na mesma carreira, com atuação em outras escolas da rede municipal” (fl. 68).

15.              Falta, evidentemente, pertinência temática, pois, monitores não estão incluídos na carreira do magistério municipal (art. 4º), e sua inclusão tem a potencialidade de transposição para cargo de carreira diversa à míngua de concurso público e dos requisitos de habilitação para além de efeitos outros, o que não se coaduna com o art. 37, II, da Constituição Federal, os arts. 24, § 5º e 115, II, da Constituição Estadual e a Súmula 685 do Supremo Tribunal Federal.

16.              Face ao exposto, opino pela parcial procedência da ação para declarar a inconstitucionalidade do art. 85 da Lei n. 2.524, de 05 de abril de 2012, do Município de Ribeirão Preto, por sua incompatibilidade com os arts. 24, § 5º, e 115, II, da Constituição do Estado de São Paulo.

                   São Paulo, 07 de outubro de 2013.

 

 

 

 

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

 

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