Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 0150250-94.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Catanduva

Requerida: Câmara Municipal de Catanduva

 

 

 

Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade.  Lei Complementar n. 661, de 26 de junho de 2013, do Município de Catanduva. Proibição do uso de fogos de artifício e shows pirotécnicos em eventos sociais realizados pelo poder público municipal. Iniciativa Parlamentar. Separação de poderes. Reserva da Administração. Procedência da ação. 1. A iniciativa parlamentar de lei local, que proíbe o uso de fogos de artifício e shows pirotécnicos em eventos sociais realizados pelo poder público, é incompatível com o princípio da separação de poderes pela invasão da reserva da Administração (arts. 5º, e 47, II, XIV, e XIX, a, CE/89). 2. Procedência da ação.

 

 

 

Colendo Órgão Especial:

 

 

1.                Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Prefeito do Município de Catanduva impugnando a Lei Complementar n. 661, de 26 de junho de 2013, do Município de Catanduva, de iniciativa parlamentar, que proíbe o uso de fogos de artifício e shows pirotécnicos em eventos sociais, festividades e acontecimentos promovidos pelo poder público ou por ele subsidiados, suscitando sua incompatibilidade com os arts. 5º e 144 da Constituição Estadual (fls. 02/12).

2.                Concedida a liminar (fls. 23), a Câmara Municipal de Guarujá prestou informações (fls. 34/37) e a douta Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa da lei vergastada (fls. 51/53).

3.                É o relatório.

4.                A ação é procedente.

5.                A inconstitucionalidade decorre da iniciativa parlamentar, agressiva da separação de poderes, porque seu objeto é típico ato de administração ordinária, reservado exclusivamente ao Poder Executivo e imune da interferência do Poder Legislativo, como se capta dos arts. 5º e 47, II, XIV e XIX, a, da Constituição Estadual.

6.                Postulado básico da organização do Estado é o princípio da separação dos poderes, constante do art. 5º da Constituição do Estado de São Paulo, norma de observância obrigatória nos Municípios conforme estabelece o art. 144 da mesma Carta Estadual.

7.                Este dispositivo é tradicional pedra fundamental do Estado de Direito assentado na ideia de que as funções estatais são divididas e entregues a órgãos ou poderes que as exercem com independência e harmonia, vedando interferências indevidas de um sobre o outro.

8.                A Constituição Estadual, perfilhando as diretrizes da Constituição Federal, comete a um Poder competências próprias, insuscetíveis de invasão por outro. Assim, ao Poder Executivo são outorgadas atribuições típicas e ordinárias da função administrativa. Em essência, a separação ou divisão de poderes:

“consiste um confiar cada uma das funções governamentais (legislativa, executiva e jurisdicional) a órgãos diferentes (...) A divisão de Poderes fundamenta-se, pois, em dois elementos: (a) especialização funcional, significando que cada órgão é especializado no exercício de uma função (...); (b) independência orgânica, significando que, além da especialização funcional, é necessário que cada órgão seja efetivamente independente dos outros, o que postula ausência de meios de subordinação” (José Afonso da Silva. Comentário contextual à Constituição, São Paulo: Malheiros, 2006, 2ª ed., p. 44).

9.                Se, em princípio, a competência normativa é do domínio do Poder Legislativo, certas matérias por caracterizarem assuntos de natureza eminentemente administrativa são reservadas ao Poder Executivo (arts. 47, II, XIV e XIX, a, Constituição Estadual) em espaço que é denominado reserva da Administração. Neste sentido, enuncia a jurisprudência:

“RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO E SEPARAÇÃO DE PODERES. - O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo. Precedentes. Não cabe, desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham sido editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas privativas atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultra vires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais” (STF, ADI-MC 2.364-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 01-08-2001, DJ 14-12-2001, p. 23).

10.              No caso, foi violentada a reserva da Administração Pública, pois, compete ao Poder Executivo o exercício de sua direção superior, a prática de atos de administração típica e ordinária, a edição de normas e a disciplina de sua organização e de seu funcionamento, imune a qualquer ingerência do Poder Legislativo (art. 47, II, XIV e XIX, a, da Constituição Estadual), competências que abrangem o uso de fogos de artifício e shows pirotécnicos em eventos promovidos pelos órgãos da Administração ou por ele subsidiados, não sendo sequer cabível a invocação de invasão da reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo porque a matéria não envolve, como requer o art. 24, § 2º, 2, da Constituição Estadual ao remeter a seu art. 47, XIX, a, criação ou extinção de órgãos públicos ou aumento de despesa.

11.              Face ao exposto, opino pela procedência da ação para declarar a inconstitucionalidade da Lei Complementar n. 661, de 26 de junho de 2013, do Município de Catanduva, por sua incompatibilidade com os arts. 5º e 47, II, XIV e XIX, a, da Constituição do Estado de São Paulo.

                   São Paulo, 07 de outubro de 2013.

 

 

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

 

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