Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n.º 0152781-56.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de São José do Rio Preto

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de São José do Rio Preto  

 

 

 

Ementa:

 

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 11.262, de 15 de outubro de 2012, do Município de São José do Rio Preto que “Obriga a manutenção de serviços de segurança privada, durante 24 horas, em locais em que houver a instalação de caixas eletrônicos, em estabelecimentos bancários”

2)      Preliminar. Irregularidade na representação processual. O Chefe do Executivo, detentor de legitimidade ativa ‘ad causam’ e de capacidade postulatória para o ajuizamento de ação direta, não subscreveu a petição inicial nem outorgou o instrumento procuratório com poderes específicos.

3)      Inexistência de violação de iniciativa reservada do Chefe do Executivo, ou mesmo do princípio da separação de poderes. Interpretação estrita da regra de reserva de iniciativa legislativa do Poder Executivo. Precedentes do STF. Norma que não cria, diretamente, nenhum encargo para a Administração Pública, como criação de cargos, aumento de despesas, alteração de regime jurídico de servidores, ou mesmo modificação de rotina de serviços.

4)      Constitucionalidade da lei. Diploma que não interfere no sistema financeiro. Correta interpretação do art. 48, XIII, e do art. 192 da CR/88. Diploma editado no âmbito do interesse local (art. 30, I, da CR/88). Disciplina do poder de polícia municipal e do atendimento aos consumidores dos serviços bancários.

5)      Parecer no sentido da improcedência da ação direta.

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator,

Colendo Órgão Especial:

 

Tratam estes autos de ação direta de inconstitucionalidade, tendo como alvo a Lei nº 11.262, de 15 de outubro de 2012, do Município de São José do Rio Preto, que “Obriga a manutenção de serviços de segurança privada, durante 24 horas, em locais em que houver a instalação de caixas eletrônicos, em estabelecimentos bancários”.

Sustenta o requerente que a lei é inconstitucional por conter vício de iniciativa, por violação do princípio da separação dos poderes e por ausência de previsão orçamentária para a implantação das medidas de fiscalização. Daí, a afirmação de violação dos arts. 5º, 24, §§ 2º e 5º, e 25 da Constituição Estadual.

O pedido de liminar foi deferido com suspensão da eficácia do ato normativo impugnado (fls. 23/24).

Devidamente notificado (fl. 30), o Presidente da Câmara Municipal de São José do Rio Preto apresentou informações a fls. 35/38.

Citado regularmente (fl. 33), o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de realizar a defesa do ato normativo impugnado, afirmando tratar de matéria de interesse exclusivamente local (fls. 91/92).

Nestas condições vieram os autos para manifestação desta Procuradoria-Geral de Justiça.

1.   PRELIMINARMENTE

A petição inicial é subscrita apenas por procurador do município (fl. 08), com mera autorização do Prefeito Municipal para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade (fl. 09).

A legitimidade ativa pertence ao Prefeito do Município (art. 90, II, Constituição Estadual), bem como a capacidade postulatória, como decidido pelo Supremo Tribunal Federal:

“O Governador de Estado é detentor de capacidade postulatória intuitu personae para propor ação direta, segundo a definição prevista no artigo 103 da Constituição Federal. A legitimação é, assim, destinada exclusivamente à pessoa do Chefe do Poder Executivo estadual, e não ao Estado enquanto pessoa jurídica de direito público interno, que sequer pode intervir em feitos da espécie” (ADI(AgRg)1.797-PE, DJ de 23.2.01; ADI (AgRg) 2.130-SC, Celso de Mello, j. de 3.10.01, Informativo 244; ADI (EMBS.) 1.105-DF, Maurício Corrêa, j. de 23.8.01; ADI 1814-DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, 13-11-2001, DJ 12-12-2001).

Consoante explica a doutrina, “os legitimados para a ação direta referidos nos itens I a VII do art. 103 da CF dispõem de capacidade postulatória plena, podendo atuar no âmbito da ação direta sem o concurso de advogado” (Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes. Controle concentrado de constitucionalidade, São Paulo: Saraiva, 2007, 2ª ed., p. 246).

Logo, considerando a envergadura política dessa legitimidade ativa ad causam, englobante da capacidade postulatória, é razoável assentar que, embora dispensável a representação por causídico, sua existência, todavia, importa a necessidade de poderes especiais, ou, no mínimo, subscrição conjunta da petição inicial.

Ademais, há decisão registrando que:

“É de exigir-se, em ação direta de inconstitucionalidade, a apresentação, pelo proponente, de instrumento de procuração ao advogado subscritor da inicial, com poderes específicos para atacar a norma impugnada” (STF, ADI-QO 2187-BA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 24-05-2000, m.v., DJ 12-12-2003, p. 62).

Esse Colendo Órgão Especial em decisão recente sufragou este entendimento, conforme se verifica pela seguinte ementa:

“Ação direta objetivando a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei Complementar Municipal n. 2.220, de 20 de outubro de 2011. O chefe do Executivo, detentor de legitimidade ativa ‘ad causam’ e de capacidade postulatória para o ajuizamento de ação direta, não subscreveu a petição inicial nem outorgou o instrumento procuratório. Irregularidade da representação. Ocorrência. Precedentes deste Colendo Órgão Especial. Julga-se extinta a ADIN sem resolução do mérito com fundamento no artigo 267, IV do Código de Processo Civil, ficando revogada a liminar concedida anteriormente” (ADIN nº 0030396-43.2012.8.26.000, Rel. Des. Guerrieri Resende, j. 17 de outubro de 2012)

No caso dos autos, figurou no polo ativo o Prefeito Municipal, porém a inicial foi assinada por Procurador do Município.

Assim sendo, requeiro seja o autor intimado para regularização de sua representação processual ou subscrição da petição inicial, no prazo legal, sob pena de indeferimento, aviando, desde já, nas hipóteses de inércia ou recusa, a extinção sem resolução do mérito.

2.   NO MÉRITO

Passa-se, assim, ao exame do mérito da ação direta.

Não procede o pedido.

A Lei nº 11.262, de 15 de outubro de 2012, do Município de São José do Rio Preto foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal, após rejeição do veto do executivo, com a seguinte redação:

“Art. 1º - É obrigatória a manutenção de serviços de segurança privada, durante 24 horas, em locais em que houver a instalação de caixas eletrônicos, em estabelecimentos bancários.

Art. 2º - O sistema de segurança referido no artigo anterior incluirá, ao menos, vigilantes armados, alarme ligado com órgãos de segurança pública ou com a empresa prestadora dos serviços de vigilância e equipamentos de captação de imagens.

Art. 3º - O não cumprimento das disposições desta Lei sujeitará o infrator às seguintes sanções:

I - Advertência;

II- Multa de 500 UFMs;

III- Na reincidência, o dobro, e

IV- Suspensão do Alvará de Funcionamento expedido pelo Município.

Art. 4º - Os estabelecimentos que se enquadrarem no disposto nesta Lei terão prazo de 120 (cento e vinte) dias para adequarem-se.

Art. 5º - A fiscalização para o cumprimento da presente Lei e a aplicação das penalidades referidas no artigo 3º ficarão a cargo do Poder Executivo, através de seus órgãos competentes.

Art. 6º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.”

Passamos então a analisar as inconstitucionalidades apontadas na inicial.

a.   Do vício de iniciativa

A lei impugnada não tratou de nenhuma matéria cuja iniciativa legislativa seja reservada ao Chefe do Poder Executivo, e tampouco houve violação ao princípio da separação de poderes por invasão da esfera da gestão administrativa.

A matéria sujeita à iniciativa reservada do Chefe do Poder Executivo, por ser direito estrito, deve ser interpretada restritivamente. Nesse sentido é o entendimento pacífico do Colendo STF, ao interpretar o art. 61, § 1º, da CR/88, como se infere dos precedentes a seguir:

“As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no art. 61 da Constituição do Brasil – matérias relativas ao funcionamento da administração pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo. Precedentes. (ADI 3.394, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 2-4-2007, Plenário, DJE de 15-8-2008.)

(...)

iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que, por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo, deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca. (...) “(ADI 724-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 7-5-1992, Plenário, DJ de 27-4-2001, g.n.)

 

No mesmo sentido os seguintes julgados: ADI 3.205, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 19-10-2006, Plenário, DJ de 17-11-2006; RE 328.896, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 9-10-2009, DJE de 5-11-2009; ADI 2.392-MC, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 28-3-2001, Plenário, DJ de 1º-8-2003; ADI 2.474, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 19-3-2003, Plenário, DJ de 25-4-2003; ADI 2.638, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 15-2-2006, Plenário, DJ de 9-6-2006.

As matérias em que há iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo, em conformidade com a Constituição do Estado de São Paulo, são indicadas taxativamente: (a) criação e extinção de cargos e funções na administração direta ou indireta autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração; (b) criação de órgãos públicos; (c) organização da Procuradoria-Geral do Estado e da Defensoria Pública; (d) servidores públicos e seu regime jurídico; (e) regime jurídico dos servidores militares; (e) criação, alteração e supressão de cartórios.

Isso decorre do art. 24, § 2º, ns. 1, 2, 3, 4, 5, 6, da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da própria Carta Estadual (configurando reprodução das diretrizes contidas no art. 61, § 1º, da CR/88).

A leitura da lei impugnada permite ver claramente que ela não trata de nenhum desses assuntos.

Da violação do princípio da separação dos poderes

Não há, no caso, qualquer vestígio nem mesmo tênue de desrespeito ao princípio da separação de poderes, estabelecido no art. 5º da Constituição do Estado (que reproduz o art. 2º da CR/88).

Seria possível afirmar a ocorrência de quebra da separação de poderes, caso a lei interferisse diretamente na gestão administrativa.

Mas não é isso o que ocorre na hipótese em exame.

Há interferência direta do legislador na atividade do administrador, como tem reiteradamente reconhecido esse Colendo Órgão Especial do Tribunal de Justiça, em casos de leis de iniciativa parlamentar que, por exemplo: (a) criam programas de governo a serem seguidos pelo Poder Executivo; (b) impõem ou vedam a prática de atos administrativos (contratos, permissões, concessões, autorizações, etc.); (c) concedem nomes a prédios públicos, praças ou vias públicas; (d) impõem a inserção de informações em comunicados enviados aos munícipes relativos ao lançamento de impostos; (e) criam sistemas de controle orçamentário, com imposição de envio periódico de informações do Executivo ao Legislativo, sem que haja correspondência com o modelo previsto na Constituição da República e aplicável por força do princípio constitucional da simetria; entre outros.

Em síntese: é possível identificar a ocorrência da quebra do princípio da separação de poderes quando da lei resulta interferência direta por parte do legislador na atividade do administrador.

Não é isso o que se verifica no caso em exame.

A Lei Municipal nº 11.262/2012, de São José do Rio Preto de Mirassol, impôs obrigações aos estabelecimentos bancários do município que disponham de caixas eletrônicos.

Os estabelecimentos bancários que disponham de caixas eletrônicos ficaram obrigados a manter serviço de segurança ao usuário que pode ser prestado através de vigilantes armados, alarme ligado com órgãos de segurança pública ou com a empresa prestadora dos serviços de vigilância e equipamentos de captação de imagens.

Se, para cumpri-la, será ou não necessária a criação de novos cargos de fiscalização, ou mesmo se será ou não necessária atividade suplementar de servidores, e se isso provocará ou não maiores gastos por parte do Poder Público, é algo que dependerá essencialmente da opção político-administrativa, calcada na esfera da conveniência e oportunidade administrativa, a cargo do Chefe do Poder Executivo Municipal. E essa avaliação e decisão ocorrerão no âmbito administrativo, não decorrendo diretamente da lei impugnada.

Nada assegura que, para a realização da fiscalização quanto ao cumprimento da lei impugnada, será mesmo imprescindível, como sustentou a autora na inicial, a criação de cargos, órgãos públicos, ou mesmo a realização de despesas complementares cuja fonte de receita não foi prevista.

Em suma, a lei impugnada não cria diretamente cargos, órgãos, ou encargos para a Administração Pública, nem regula diretamente a prestação de serviços pelo Poder Público, e tampouco gera diretamente qualquer despesa para a Administração Pública.

Entendimento diverso implicaria contrariedade à correta compreensão a respeito do princípio da separação de poderes, previsto no art. 2º da CR/88, bem como às hipóteses de iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Executivo, previstas no art. 61, § 1º, da CR/88, sendo necessário que esse Colendo Tribunal se manifeste a respeito, inclusive para fins de prequestionamento.

b.   Do aumento de despesas sem previsão orçamentária

De outro lado, também não é o caso de declarar-se a inconstitucionalidade da lei por suposta violação ao art. 25 da Constituição do Estado, que veda a criação ou aumento de despesa sem indicação, no projeto de lei, da respectiva fonte de receitas.

A razão é simples.

As exigências previstas na lei em exame para manutenção de serviços de segurança privada, durante 24 horas, dirige-se às instituições financeiras, e não ao Poder Público local. São aquelas, e não este, que terão despesas – mínimas, é viável afirmar de passagem – com o cumprimento de tal providência imposta pela lei.

Declarar-se a inconstitucionalidade da lei com amparo no art. 25 da Constituição do Estado, significaria contrariar a própria função essencial do Poder Legislativo, consistente na edição de leis.

Com isso, estar-se-ia a negar vigência ao art. 48, caput, da CR/88, que fixa as atribuições do Congresso (aplicável por analogia às Câmaras) bem como ao art. 30, I, da CR/88, que confere ao Município competência para legislar sobre assuntos de interesse local. Será necessário que esse Colendo Tribunal se manifeste a respeito, inclusive para fins de prequestionamento.

Acrescente-se que afirmar que haverá aumento de despesas sem indicação de receita, no caso em exame, implicará exame de situação de fato, o que é vedado em sede de controle de constitucionalidade.

Note-se também que o art. 125, § 2º, da CR apenas autoriza a Constituição do Estado a regular a ação direta de inconstitucionalidade no plano estadual. E, tratando-se de processo objetivo, a cognição do tribunal é limitada ao confronto entre o texto infraconstitucional e a Constituição, sem exame de questões de fato.

Assim, admitir o exame de questão de fato em ação direta, nesse caso, significará contrariedade ao art. 125, § 2º, da CR, o que se afirma para fins de prequestionamento.

Ademais, há ainda outras considerações a fazer.

Tem-se reconhecido de forma reiterada por esse Colendo Órgão Especial que os Municípios podem editar leis disciplinando de algum modo os procedimentos de atendimento ao público por parte de instituições financeiras.

Tal fato não importa em usurpação da competência da União para legislar sobre os serviços de instituições financeiras, mesmo porque, no exercício desta competência a União através da Lei Federal nº 7.102/83, tratou de requisitos e aspectos relacionados aos padrões básicos do sistema de segurança dos estabelecimentos bancários.

Essa matéria, de fato, exige tratamento uniforme em todo o território nacional, e, por isso, teria mesmo que estar disciplinada em lei federal.

Não é o que ocorre, entretanto, como será visto a seguir, no que diz respeito às regras relacionadas ao atendimento ao consumidor de serviços bancários e ao exercício do poder de polícia do Município, que podem ser veiculadas por meio de lei municipal.

Como é cediço, nosso ordenamento constitucional adotou o regime da repartição constitucional de competências, por meio do qual à União são reservados assuntos de interesse geral, aos Estados os temas de interesse regional, e aos Municípios os de interesse local.

A interpretação das regras constitucionais nessa matéria deve levar em consideração qual o interesse prevalente, na medida em que toda e qualquer disciplina legislativa sempre traz algum aspecto que é relevante para mais de uma esfera da Federação.

A chave da solução dos problemas concretos está, assim, na identificação do interesse predominante.

A propósito, confira-se, na doutrina: José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 28. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 477 e ss; Fernanda Dias Menezes de Almeida, Competências na Constituição de 1988, 4. ed., São Paulo, Atlas, 2007, passim; Alexandre de Moraes, Direito Constitucional, 19. ed., São Paulo, Atlas, 2006, p. 270 e ss; entre outros.

Embora caiba à União editar leis complementares dispondo sobre o sistema financeiro nacional, bem como instituições financeiras e suas operações (art. 48, XIII, art. 192 red. EC nº 40/03, CR/88), isso não inibe a competência dos Municípios para, mesmo em se tratando de serviços prestados por instituições financeiras, editar normas de interesse local, relacionadas à proteção do consumidor e à qualidade dos serviços prestados, bem como ao exercício do poder de polícia nos Municípios (art. 30, I, da CR/88).

A matéria é pacífica no âmbito do Colendo STF. Confira-se: RE 312.050, rel. Min. Celso de Mello, DJ 06.05.05; RE 208.383, rel. Min. Néri da Silveira, DJ de 07.06.99.

Oportuno ainda transcrever a seguinte ementa:

“(...)

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AGÊNCIAS BANCÁRIAS. TEMPO DE ATENDIMENTO AO PÚBLICO. COMPETÊNCIA. MUNICÍPIO. ART. 30, I, CB/88. FUNCIONAMENTO DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. ARTS. 192 E 48, XIII, DA CB/88. 1. O Município, ao legislar sobre o tempo de atendimento ao público nas agências bancárias estabelecidas em seu território, exerce competência a ele atribuída pelo artigo 30, I, da CB/88. 2. A matéria não diz respeito ao funcionamento do Sistema Financeiro Nacional [arts. 192 e 48, XIII, da CB/88]. 3. Matéria de interesse local. Agravo regimental improvido.” (STF, RE-AgR 427463/RO, 1ª T., rel. Min. Eros Grau, j. 14/03/2006, DJ 19-05-2006, PP-00015).

 No julgado acima, ao emitir seu voto, o i. Min. Relator, Eros Grau, formulou as seguintes ponderações:

“(...)

Ao legislar sobre o tempo de atendimento ao público nas agências bancárias estabelecidas em seu território, o Município exerceu competência a ele atribuída pelo art. 30, inciso I, da Constituição do Brasil.

A matéria respeita a interesse local do Município, que não se confunde com a atinente às atividades-fim das instituições financeiras. Ademais, incluem-se no âmbito dos assuntos de interesse local os relativos à proteção do consumidor. Vale mesmo dizer: o Município está vinculado pelo dever de dispor, no plano local, sobre a matéria.

A lei municipal não dispôs sobre política de crédito, câmbio, seguros e transferência de valores – art. 22 inciso VII, da CB/88. Também não regulou a organização, o funcionamento e as atribuições de instituições financeiras. Limitou-se a impor regras tendentes a assegurar adequadas condições de atendimento ao público na prestação de serviços, por essas instituições, ao consumidor/cliente.

Não envolve transgressão da competência reservada ao Congresso Nacional pelo art. 48, inciso XIII, da Constituição do Brasil, para dispor sobre matéria financeira e funcionamento de instituições financeiras. Também não diz respeito à estruturação do sistema financeiro nacional, matéria que, nos termos do disposto no art.192 da CB/88, há de ser regulada por lei complementar.

(...)

No mais, devo fazer breve alusão aos argumentos aportados às razões do agravo pelo parecer juntado aos autos, inicialmente observando que a exigência de lei complementar veiculada pelo art. 192 da Constituição abrange apenas o quanto respeite à regulamentação da estrutura do sistema. Isso é nítido como a luz solar passando através de um cristal bem polido.

(...)”

Há outros julgados, nesse mesmo sentido, tanto do Colendo STJ como do Colendo STF. Confira-se:

“(...)

3. Firmou-se a jurisprudência, tanto no STF (v.g.: AgReg no RExt 427.463, RExt 432.789, AgReg no RExt 367.192-PB), quanto do STJ (v.g.: REsp 747.382; REsp 467.451), no sentido de que é da competência dos Municípios (e, portanto, do Distrito Federal, no âmbito do seu território - CF, art. 32, § 1º) legislar sobre tempo de atendimento em prazo razoável do público usuário de instituições bancárias, já que se trata de assunto de interesse local (CF, art. 30, I). Assim, eventual antinomia ou incompatibilidade entre a lei municipal e a lei federal no trato da matéria determina a prevalência daquela em relação a essa, e não o contrário (STJ, REsp 598.183-DF, 1ª Seção, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 08-11-2006, v.u., DJ 27-11-2006, p. 236).

“(...)

CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA. AGÊNCIAS BANCÁRIAS. TEMPO DE ATENDIMENTO AO PÚBLICO. LEI MUNICIPAL. INTERESSE LOCAL. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. O Município tem competência para legislar sobre o tempo de atendimento ao público nas agências bancárias (STF, AI-AgR 472.373-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Carmen Lúcia, 13-12-2006, v.u., DJ 09-02-2007, p. 23).

(...)”

Por identidade de razões, os precedentes do Colendo STF são aplicáveis ao caso em exame.

Acrescente-se que, em outros casos, o Colendo STF reconheceu diretamente a competência dos Municípios para legislar quando está em jogo o exercício do poder de polícia relativo ao uso das edificações urbanas, bem como quanto ao estabelecimento de diretrizes de atendimento aos clientes de instituições financeiras, inclusive no aspecto relacionado à segurança. Confira-se:

“(...)

RECURSO. Extraordinário. Inadmissibilidade. Competência legislativa. Município. Edificações. Bancos. Equipamentos de segurança. Portas eletrônicas. Agravo desprovido. Inteligência do art. 30, I, e 192, I, da CF. Precedentes. Os Municípios são competentes para legislar sobre questões que respeite a edificações ou construções realizadas no seu território, assim como sobre assuntos relacionados à exigência de equipamentos de segurança, em imóveis destinados a atendimento ao público (STF, AI-AgR 491.420-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Cezar Peluso, 21-02-2006, v.u., DJ 24-03-2006, p. 26, RTJ 203/409).

(...)

ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS - COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO PARA, MEDIANTE LEI, OBRIGAR AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS A INSTALAR, EM SUAS AGÊNCIAS, DISPOSITIVOS DE SEGURANÇA - INOCORRÊNCIA DE USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA FEDERAL - ALEGAÇÃO TARDIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 144, § 8º, DA CONSTITUIÇÃO - MATÉRIA QUE, POR SER ESTRANHA À PRESENTE CAUSA, NÃO FOI EXAMINADA NA DECISÃO OBJETO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO - INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO ‘JURA NOVIT CURIA’ - RECURSO IMPROVIDO. - O Município pode editar legislação própria, com fundamento na autonomia constitucional que lhe é inerente (CF, art. 30, I), com o objetivo de determinar, às instituições financeiras, que instalem, em suas agências, em favor dos usuários dos serviços bancários (clientes ou não), equipamentos destinados a proporcionar-lhes segurança (tais como portas eletrônicas e câmaras filmadoras) ou a propiciar-lhes conforto, mediante oferecimento de instalações sanitárias, ou fornecimento de cadeiras de espera, ou, ainda, colocação de bebedouros (STF, AI-AgR 341.717-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, 31-05-2005, v.u., DJ 05-08-2005, p. 92).

(...)”

É irrelevante, para o funcionamento da instituição e do próprio sistema financeiro (esse sim objeto de lei federal), a previsão, em lei municipal, de implantação de serviço de segurança privada, durante 24 horas, em caixas eletrônicos dos estabelecimentos bancários através de alarme ligado com órgãos de segurança pública ou com empresa prestadora dos serviços de vigilância e equipamentos de captação de imagens.

A lei, ao criar melhores condições de segurança em agências bancárias, a rigor diz respeito apenas à qualidade do atendimento ao consumidor dos serviços bancários, e ao poder de polícia do Município, exercido dentro do escopo de aprimorar as condições de prestação de serviços aos munícipes.

Esse aprimoramento das condições de atendimento da instituição financeira revela interesse local. Pode, portanto, ser objeto de lei municipal.

Entendimento diverso significará contrariedade aos dispositivos constitucionais mencionados acima (art. 30, I, art. 48 XIII, art. 192 red. EC nº 40/03, CR/88), sendo necessário que esse E. Tribunal se manifeste a respeito, inclusive para fins de prequestionamento.

Por último e não menos importante, cabe ressaltar que esse Col. Órgão Especial tem de forma reiterada reconhecido a constitucionalidade de leis municipais que disciplinam questões relativas à segurança de agências bancárias situadas no Município. (ADI 0242449-72.2012.8.26.0000; 0422133-25.2010.8.26.0000; 0242455-79.2012.8.26.0000; 0215003-94.2012.8.26.0000; 0131958-95.2012.8.26.0000; 0303314-32.2010.8.26.0000)   

A propósito oportuna a transcrição da seguinte ementa:        

“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei 2.271, de 9 de dezembro de 2009, do Município de São Vicente. Possibilidade do Município de legislar sobre insta/ações de painel opaco entre os caixas e os clientes e câmeras de vídeo no entorno dos estabelecimentos bancários do Município. Constitucionalidade reconhecida. Não ocorrência de vicio de iniciativa do projeto de lei por Vereador. Norma editada que não estabelece medidas relacionadas à organização da administração pública, nem cria deveres diversos daqueles genéricos ou mesmo despesas extraordinárias. Imposição de sanções em caso de descumprimento pelos estabelecimentos bancários que decorrem de descumprimento de norma de conduta. Irrelevância. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente. O Município pode legislar sobre insta/ações de painel opaco entre os caixas e os clientes e câmeras de segurança no entorno dos estabelecimentos bancários, em favor dos usuários dos serviços, para lhes proporcionar segurança, na esteira, aliás, de precedentes do próprio Supremo Tribunal Federal. A iniciativa do projeto de lei por Vereador em matéria dessa natureza não interfere na organização da Administração, mostrando-se irrelevante que o Executivo, na hipótese, tenha dever de fiscalizar ou impor, em sendo o caso, as sanções correspondentes às infrações. Ao Legislativo cabe editar normas abstratas, gerais e obrigatórias, ainda que voltadas apenas aos bancos e ao Executivo cabe a responsabilidade de executá-las, inclusive com fiscalização e imposição de penas.” (ADIn 0303314-32.2010.8.26.0000, Rel. Des. KIOITSI CHICUTA , j. 14 de novembro de 2012).

Diante do exposto, após regularizada a representação processual, o pedido deve ser julgado improcedente, reconhecendo-se a constitucionalidade da Lei Municipal nº 11.262, de 15 de outubro de 2012, de São José do Rio Preto.

 

         São Paulo, 3 de outubro de 2013.

 

                                      Sérgio Turra Sobrane

                        Subprocurador-Geral de Justiça

                                       Jurídico

 

 

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