Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 0158794-71.2013.8.26.0000/50000

Requerente: Prefeito do Município de Iacanga

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Iacanga

 

 

Ementa:

1.      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Complementar nº 1.364, de 16 de maio de 2013, do Município de Iacanga, que “dispõe sobre a criação de Cargo de Assistente Legislativo, Assistente Administrativo e Estagiário de Direito, vinculados ao Departamento Administrativo da Câmara Municipal e dá outras providências”. Alegação de vício formal e material e de violação aos arts. 111, 115, XIV e 144 da Constituição Estadual.

2.      Questões de fato. Eventual desvio na aplicação da norma. Impossibilidade de controle concentrado de constitucionalidade.

3.      Limites à cognição judicial no processo objetivo de controle de constitucionalidade das leis. Precedentes do E. STF.

4.      Parecer no sentido da improcedência da ação direta.

 

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Prefeito Municipal de Iacanga em face da Lei n. 1.364, de 16 de maio de 2013, que “dispõe sobre a criação de Cargo de Assistente Legislativo, Assistente Administrativo e Estagiário de Direito, vinculados ao Departamento Administrativo da Câmara Municipal e dá outras providências”.

Alega o requerente que a legislação em questão padece de inconstitucionalidade em virtude de vício formal, na medida em que a criação de cargos deveria ter sido objeto de lei complementar e não lei ordinária, como ocorreu, tendo em vista o teor do inciso VII, parágrafo único, do art. 46 da Lei Orgânica do Município.

Sustenta, também, a ocorrência de vício material eis que para os cargos de Assistente do Poder Legislativo e Assistente Administrativo foram adotados valores maiores de remuneração em relação a cargos idênticos do Poder Executivo.    

Aponta como violados os arts. 111, 155, XIV e 144 da Constituição Estadual.

Foi deferida a liminar (fl. 125).

Contra referida decisão a Câmara Municipal de Iacanga interpôs agravo regimental (fls. 129/137), cujo provimento foi negado (fls. 263/266).

A Câmara Municipal de Iacanga prestou informações defendendo a constitucionalidade da legislação impugnada (fls. 222/229).

Eis em síntese, o relatório.

Preliminarmente, requer-se a citação do Procurador-Geral do Estado já determinada pela r. decisão de fl. 125.

No mérito, a ação é improcedente.

Com efeito, a Lei n. 1.364, de 16 de maio de 2013, do Município de Iacanga, criou os cargos de provimento em comissão de Assistente Legislativo, de provimento efetivo de Assistente Administrativo e de estagiário de Direito, fixando atribuições e remuneração para todos.

Não se discute que o inciso VII do parágrafo único do art. 46 da Lei Orgânica do Município de Iacanga, estabelece que a criação de cargos, funções ou empregos públicos deve ser objeto de lei complementar e não de lei ordinária como ocorreu.

Oportuno consignar, porém, que o parâmetro exclusivo do controle de constitucionalidade pela via abstrata, concentrada e direta de lei ou ato normativo municipal é a Constituição Estadual (art. 125, § 2º, Constituição Federal), razão pela qual se afigura inidôneo o seu contraste com normas da Lei Orgânica Municipal.

Já se consolidou o entendimento, inclusive no Supremo Tribunal Federal, de que a ofensa reflexa ou indireta ao texto constitucional não viabiliza a instauração da jurisdição constitucional.

Observe-se, por outro lado, que o quórum de aprovação da lei impugnada observou os parâmetros constitucionais para aprovação de lei complementar. Isto porque num total de 9 (nove) vereadores, seis votaram a favor da lei em questão e 3 (três) votaram contra (fl. 153).

 Assim restou cumprida a finalidade da norma não havendo razão para que não seja aproveitada.

Por mais este motivo, passa-se à análise tão só de eventual contraste dos atos normativos impugnados com a Constituição Estadual.

E nesse passo se faz inviável a análise no tocante à violação ao art. 115, XIV, da Constituição Estadual, posto que para se verificar se a fixação da remuneração dos cargos criados pela lei questionada de Assistente Legislativo e Assistente Administrativo ocorreu a maior do que a referente a cargos idênticos pertencentes ao Poder Executivo, na medida em que demandaria a necessidade produção de provas, ou seja, seria necessário verificar se os cargos criados pelo Poder Legislativo possuem realmente funções idênticas aos cargos do Poder Executivo cuja remuneração seria menor, o que não se admite na estreita via da ação direta de inconstitucionalidade. 

Afinal, na ação direta de inconstitucionalidade não há espaço para discutir questões fáticas. O que se pode fazer nessa instância é o contraste do diploma legal impugnado com a norma-parâmetro da Constituição do Estado, como já mencionado anteriormente.

A abertura do processo de controle concentrado não tem por escopo, é importante frisar, a elucidação de questões de fato (rectius = pontos de fato que se tornaram controversos). Isso, na medida em que, nestas ações, não se realiza o exame de determinada “lide”, invocada, nesse passo, na concepção carnelutiana, ou seja, como conflito de interesses qualificado pela existência de uma pretensão resistida.

No processo objetivo, a questão sobre a qual o Tribunal se debruça é essencialmente jurídica (dúvida ou controvérsia sobre a legitimidade do direito positivo infraconstitucional, em sua perspectiva de eventual confronto com determinado parâmetro constitucional). Em relação a ela, a aferição de fatos pode figurar, apenas, como um dado adstrito ao problema de prognose da aplicação da norma no plano concreto. Não se passa, entretanto, do exame da norma para o exame do fato.

Este é o adequado sentido para a compreensão do que foi afirmado pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes, juntamente com Ives Gandra da Silva Martins, em sede doutrinária, no sentido da admissão, no processo de controle concentrado de constitucionalidade, da “verificação de fatos e prognoses legislativos” (Controle concentrado de constitucionalidade, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 281).

Em outras palavras, não se pode confundir exame de fatos do processo legislativo, ou a análise de prognose sobre fatos relativos à aplicação futura da norma com o exame de quaestionis facti (fatos controversos).

Caso contrário, inviabilizado restaria o próprio processo objetivo, degradado de sua condição natural de sistema de controle abstrato da atividade legislativa (em que o Tribunal constitucional funciona como legislador negativo), à posição de simples desdobramento do exercício da função jurisdicional do Estado (consistente em examinar e solucionar litígios concretos).

A cognição a realizar para a resposta a tais indagações extravasaria do simples confronto entre a lei e a Constituição.

É sabido, ademais, que não se permite a verificação de circunstância fática ou a análise conjugada de espécies normativas infraconstitucionais.  No restrito âmbito do controle abstrato de normas que se desenvolve perante o Tribunal com fundamento no art. 125, § 2º, da Constituição Federal, não existe espaço para o que a jurisprudência denomina de inconstitucionalidade reflexa ou indireta. 

A propósito dela, “o Supremo Tribunal Federal tem orientação assentada no sentido da impossibilidade de controle abstrato da constitucionalidade de lei, quando, para o deslinde da questão, se mostra indispensável o exame do conteúdo de outras normas jurídicas infraconstitucionais ou de matéria de fato” (RTJ 164/897).

Isso não significa que nosso entendimento, nessa circunstância, seja taxativamente voltado à afirmação da constitucionalidade da referida legislação. Significa, sim, que conclusão em sentido contrário dependeria da análise de informações da situação de fato.

Inconstitucionalidades indiretas ou reflexas, ou mesmo decorrentes de questões de fato (v.g. conveniência ou não da solução adotada pelo legislador, partindo de premissas situadas no contexto fático) não podem ser aferidas. O único exame que se faz, no processo objetivo, decorre do confronto direto entre o ato normativo impugnado e o parâmetro constitucional (na hipótese, apenas estadual) adotado para fins de controle (STF, ADI 2.714, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 13-3-03, DJ de 27-2-04; ADI-MC 1347 /DF, Rel. Min. Celso de Mello, j. 05/09/1995, Tribunal Pleno, DJ 01-12-1995, p.41685, EMENT VOL-01811-02, p.00241, g.n.; ADI-MC n.º 842 - DF, RTJ 147/545-546).

A esse propósito, é oportuno averbar a advertência feita pelo i. Min. Celso de Mello, do E. STF: “A ação direta não pode ser degradada em sua condição jurídica de instrumento básico de defesa objetiva da ordem normativa inscrita na Constituição. A válida e adequada utilização desse meio processual exige que o exame ‘in abstracto’ do ato estatal impugnado seja realizado exclusivamente à luz do texto constitucional. Desse modo, a inconstitucionalidade deve transparecer diretamente do texto do ato estatal impugnado. A prolação desse juízo de desvalor não pode e nem deve depender, para efeito de controle normativo abstrato, da prévia análise de outras espécies jurídicas infraconstitucionais, para, somente a partir desse exame e num desdobramento exegético ulterior, efetivar-se o reconhecimento da ilegitimidade constitucional do ato questionado” (ADI-MC n.º 842 - DF, RTJ 147/545-546, g.n.).

Nesses casos, resta apenas a possibilidade do controle difuso de constitucionalidade das normas, mesmo porque não está sendo afirmada a constitucionalidade da norma.

Diante do exposto, aguarda-se a improcedência da presente ação direta.

São Paulo, 18 de dezembro de 2012.

 

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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