Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 0160642-93.2013.8.26.0000

Requerente: APAS – Associação Paulista de Supermercados

Requeridos: Prefeito e Presidente da Câmara Municipal da Estância de Campos do Jordão

 

Ementa:

1)      Lei nº 3.578, de 25 de julho de 2013, da Estância de Campos do Jordão, que Dispõe sobre o tempo de atendimento ao usuário, nos caixas dos estabelecimentos comerciais denominados de hipermercados e supermercados e dá outras providências.

2)      Preliminar. Competência do Tribunal de Justiça Estadual. O parâmetro para o controle não é a Constituição Federal, mas sim a própria Constituição Estadual, sendo irrelevante se algumas destas regras são coincidentes por força do princípio da simetria que orienta o poder constituinte derivado decorrente.

3)      Inocorrência de reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo ou de invasão da reserva da administração. Inexistência de ofensa aos princípios de isonomia, razoabilidade e proporcionalidade. A disciplina do comércio não é matéria da reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo. A limitação da incidência da lei local impugnada a supermercados e hipermercados com área construída maior a certa dimensão não é inconstitucional porque alcança os grandes conglomerados comerciais desse ramo, onde o tempo de atendimento nos caixas é superior àqueles estabelecimentos de menor porte.

4)      Inconstitucionalidade da norma por obrigar supermercados e hipermercados à colocação de pessoal suficiente no setor de caixa, matéria que é da competência normativa federal (arts. 22, I, Constituição Federal e art. 144 da Constituição Estadual).

 

Colendo Órgão Especial,

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator:

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Associação Paulista de Supermercados (APAS), tendo como alvo a     Lei nº 3.578, de 25 de julho de 2013, da Estância de Campos do Jordão, que Dispõe sobre o tempo de atendimento ao usuário, nos caixas dos estabelecimentos comerciais denominados de hipermercados e supermercados e dá outras providências.

Sustenta a autora que a lei impugnada é inconstitucional por violar os arts. 5º, 25, 47, II e XI, 111, 144 e 275 todos da Constituição do Estado de São Paulo uma vez que o Município invadiu área de competência da União e do Estado, uma vez que não tem competência para legislar em matéria adstrita a relações de consumo e a relações do trabalho. Argumenta que a lei impugnada foi aprovada sem vinculação a previsão da necessária dotação orçamentária para sua fiscalização. Alega, ainda, violação aos princípios da separação dos poderes, da igualdade, razoabilidade e livre iniciativa.

O pedido de liminar foi deferido (fls. 66/67).

Notificado, o Presidente da Câmara Municipal prestou informações a fls. 81/87, defendendo a constitucionalidade da legislação impugnada.

Notificado regularmente (fl. 89), o Prefeito Municipal apresentou informações a fls. 118/121, sustentando que a competência para o julgamento da presente ação direta seria do Supremo Tribunal Federal. 

Citado regularmente (fl. 116), o douto Procurador Geral do Estado declinou de sua intervenção (fls. 123/124).

Nestas condições vieram os autos para manifestação desta Procuradoria-Geral de Justiça.

A preliminar de incompetência deve ser afastada uma vez que não se vislumbra a alegada usurpação da competência do STF e nem é caso de controle da constitucionalidade de lei municipal em face da Constituição Federal. Desse modo, o conhecimento e julgamento da presente ação declaratória de inconstitucionalidade não implica violação aos arts. 102, I, 'a' e 125, § 2°, da Constituição Federal.

Não se trata de hipótese em que a Constituição do Estado faz simples remissão à Constituição Federal. O artigo da lei municipal está sendo impugnado perante dispositivos específicos da Constituição do Estado de São Paulo, os quais, como é natural e exigível, muitas vezes são simétricos aos da Carta Magna.

O parâmetro para o controle não é a Constituição Federal, mas sim a própria Constituição Estadual, já que a ação está sendo julgada com base em seus artigos arts. 5º, 25, 47, II e XI, 111, 144 e 275, sem olvidar que alguma destas regras são coincidentes por força do princípio da simetria que orienta o poder constituinte derivado decorrente.

Além disso, é preciso ressaltar que a lei maior do Estado permite a interpretação de que não somente cabe ação direta no Tribunal Estadual quando há ofensa direta ao seu texto, mas, também quando ocorre lesão reflexão, o que justifica a procedibilidade.

No mérito, não se constata violação ao princípio da separação de poderes em razão da origem parlamentar da lei local impugnada.

A reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo deve ser expressa e taxativa em obséquio ao princípio da separação dos poderes e à regra da iniciativa legislativa comum ou concorrente (arts. 2º e 61, caput e § 1º, Constituição Federal; arts. 5º e 24, § 2º, Constituição Estadual), não sendo presumida. Igualmente não se constata a existência de reserva da Administração contida no art. 47, II, XIV e XIX, da Constituição Estadual, porque a matéria não se amolda em qualquer dessas disposições que permitem, excepcionalmente, a emissão de atos normativos pelo Chefe do Poder Executivo sem interferência do Poder Legislativo.

As normas do processo legislativo federal são de observância simétrica para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.

Regra é a iniciativa legislativa pertencente ao Poder Legislativo; exceção é a atribuição de reserva a certa categoria de agentes, entidades e órgãos, e que, por isso, não se presume. Corolário é a devida interpretação restritiva às hipóteses de iniciativa legislativa reservada, perfilhando tradicional lição salientando que:

“(...) a distribuição das funções entre os órgãos do Estado (poderes), isto é, a determinação das competências, constitui tarefa do Poder Constituinte, através da Constituição. Donde se conclui que as exceções ao princípio da separação, isto é, todas aquelas participações de cada poder, a título secundário, em funções que teórica e normalmente competiriam a outro poder, só serão admissíveis quando a Constituição as estabeleça, e nos termos em que fizer. Não é lícito à lei ordinária, nem ao juiz, nem ao intérprete, criarem novas exceções, novas participações secundárias, violadoras do princípio geral de que a cada categoria de órgãos compete aquelas funções correspondentes à sua natureza específica” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 581, 592-593).

 

As reservas de iniciativa legislativa a autoridades, agentes, entidades ou órgãos públicos diversos do Poder Legislativo devem sempre ser interpretadas restritivamente na medida em que, ao transferirem a ignição do processo legislativo, operam reduções a funções típicas do Parlamento e de seus membros. Neste sentido, colhe-se da Suprema Corte:

“A iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que – por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo – deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca” (STF, ADI-MC 724-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 27-04-2001).

 

“A disciplina jurídica do processo de elaboração das leis tem matriz essencialmente constitucional, pois residem, no texto da Constituição - e nele somente -, os princípios que regem o procedimento de formação legislativa, inclusive aqueles que concernem ao exercício do poder de iniciativa das leis. - A teoria geral do processo legislativo, ao versar a questão da iniciativa vinculada das leis, adverte que esta somente se legitima - considerada a qualificação eminentemente constitucional do poder de agir em sede legislativa - se houver, no texto da própria Constituição, dispositivo que, de modo expresso, a preveja. Em conseqüência desse modelo constitucional, nenhuma lei, no sistema de direito positivo vigente no Brasil, dispõe de autoridade suficiente para impor, ao Chefe do Executivo, o exercício compulsório do poder de iniciativa legislativa” (STF, MS 22.690-CE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 17-04-1997, v.u., DJ 07-12-2006, p. 36). 

A lei não tratou de nenhuma matéria cuja iniciativa legislativa seja reservada ao Chefe do Poder Executivo, e tampouco houve violação ao princípio da separação de poderes por invasão da esfera da gestão administrativa.

A matéria sujeita à iniciativa reservada do Chefe do Poder Executivo, por ser direito estrito, deve ser interpretada restritivamente, como se decidiu (STF, ADI 3.394, Rel. Min. Eros Grau, 02-04-2007, DJe 15-08-2008; ADI-MC 724, Rel. Min. Celso de Mello, 07-05-1992, DJ 27-04-2001; ADI 3.205, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 19-10-2006, DJ 17-11-2006).

As matérias em que há iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo, em conformidade com a Constituição do Estado de São Paulo, são indicadas taxativamente no art. 61, § 1º, II, da Constituição Federal (reproduzido no art. 24, § 2º, da Constituição do Estado), e cuja leitura revela claramente que a lei não trata de nenhum dos assuntos arrolados.

Não há, no caso, qualquer vestígio nem mesmo tênue de desrespeito ao princípio da separação de poderes, estabelecido no art. 2º da Constituição Federal, repetido no art. 5º da Constituição Estadual.

Inadmissível suscitar ofensa ao art. 25 da Constituição Estadual.

A lei não cria encargos financeiros novos para sua execução pelo Poder Executivo, senão aos particulares.

Ademais, a discussão sobre a geração de despesa pública, sedimentada no argumento de ações estatais para fiscalização e execução da lei, extravasa o âmbito estreito do contencioso abstrato, concentrado e direto de constitucionalidade pela introdução de matéria de fato e dependente de prova.

Se é impossível cogitar que do exercício de sua execução e fiscalização derivem despesas novas sem cobertura financeiro-orçamentária (relacionadas à hipotética criação de cargos públicos), pois, a atividade comercial já é precedentemente absorvida pela polícia administrativa preexistente, não é viável concluir que do citado art. 25 – que não reproduz o art. 63, I, da Constituição Federal – soa que toda e qualquer lei que gere despesa só possa advir de projeto de autoria do Executivo. O Supremo Tribunal Federal tem estimado que:

“Não procede a alegação de que qualquer projeto de lei que crie despesa só poderá ser proposto pelo Chefe do Executivo. As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no artigo 61 da Constituição do Brasil --- matérias relativas ao funcionamento da Administração Pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo” (RT 866/112).

É que, diferentemente do ordenamento constitucional anterior, “não havendo mais a expressa disposição no texto constitucional de que é iniciativa privativa do Presidente da República as leis que disponham sobre matéria financeira, tal reserva não mais subsiste, não sendo cabível interpretação ampliativa na hipótese, conforme entende inclusive nossa Suprema Corte”, assinala José Maurício Conti ao comentar a inexistência de reserva de iniciativa para leis que criam ou aumentam despesa pública (Iniciativa legislativa em matéria financeira, in Orçamentos Públicos e Direito Financeiro, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, pp. 283-307, coordenação José Maurício Conti e Fernando Facury Scaff).

As sanções administrativas cominadas não se mostram absurdas, ilógicas, inadequadas ou irracionais.

A reiterada pronúncia de constitucionalidade, pelo Supremo Tribunal Federal, de leis municipais que disciplinam o tempo de atendimento em agências de instituições bancárias, pronunciando sua constitucionalidade, implicaria a dispensa de idêntico tratamento para o tempo de atendimento ao público nos supermercados e hipermercados.

Porém, a detida análise da lei impugnada denota a necessidade de corolário diverso.

Com efeito, a lei local contestada obriga os estabelecimentos comerciais “a manter, no setor de caixas, funcionários em número compatível com o fluxo de usuários, de modo a permitir que cada um destes seja atendido em tempo razoável (art. 1º)”.

Em outras palavras, a lei local contém determinação da necessidade de o estabelecimento comercial estar aparelhado de recursos humanos suficientes para o correlato atendimento ao público.

Leis similares já foram examinadas pelo Supremo Tribunal Federal com prognóstico desfavorável de sua constitucionalidade. Neste sentido:

“Vistos.

FEDERAÇÃO DO COMÉRCIO DE BENS E DE SERVIÇOS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL interpõe recurso extraordinário (folhas 128 a 148) contra acórdão proferido pelo Pleno do Tribunal de Justiça daquele Estado, assim ementado:

‘AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 4428/2001, DE SANTA MARIA/RS. LEI QUE ESTABELECE A OBRIGATORIEDADE DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE ACONDICIONAMENTO OU EMBALAGEM DAS COMPRAS EM ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS AUTODENOMINADOS DE SUPERMERCADOS E OU SIMILARES. PROCEDÊNCIA PARCIAL DA AÇÃO, NA QUAL SE ALEGA A INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA. INCONSTITUCIONALIDADE VERIDICADA NO QUE TANGE À OBRIGATORIEDADE DA CONTRATAÇÃO DE EMPREGADO PARA A REALIZAÇÃO DA TAREFA. AÇÃO PROCEDENTE, EM PARTE. VOTOS VENCIDOS NO SENTIDO DE PROCEDÊNCIA TOTAL E TAMBÉM DE IMPROCEDÊNCIA. VOTO VENCIDO JULGANDO EXTINTO O FEITO POR INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO’ (fl. 87).

Insurge-se, no apelo extremo, fundado na alínea ‘a’ do permissivo constitucional, contra suposta violação dos artigos 22, inciso I, 30 e 170, da Constituição Federal, consubstanciada pela rejeição da alegada inconstitucionalidade da Lei nº 4.428/01, do Município de Santa Maria (RS), que dispõe sobre a obrigatoriedade de acondicionamento e embalagem das compras em estabelecimentos comerciais.

Processado sem contrarrazões, o recurso não foi admitido, na origem (folhas 164 a 170), o que ensejou a interposição de agravo de instrumento (apensado a estes), ao que o eminente Ministro Sepúlveda Pertence deu provimento, determinando a subida do recurso extraordinário.

Por fim, o parecer da douta Procuradoria-Geral da República é pela conversão do julgamento em diligência ou pelo improvimento do recurso (folhas 182 a 184).

Decido.

(...)

Quanto ao mérito, a irresignação merece prosperar.

A decisão recorrida considerou válida a referida legislação, à exceção da norma de seu artigo 2º, sob o fundamento de que as demais disposições constantes desse diploma legal não indicariam usurpação da competência legislativa privativa da União.

Sem razão, contudo.

A norma tida por inconstitucional, pelo acórdão recorrido, impunha que todo estabelecimento comercial incluído na obrigatoriedade por ela imposta, contasse com pelo menos um funcionário uniformizado e identificado para a prestação dos serviços de acondicionamento ou embalagem dos produtos adquiridos por seus clientes, para cada máquina registradora em operação.

Já as normas reputadas constitucionais, a par de obrigarem os aludidos estabelecimentos a manter esse tipo de serviço à disposição de seus clientes, também lhes impunha a contratação de pessoas para desempenhá-lo.

Ora, essa norma legal, ainda mais que a anteriormente referida, implica em ingerência na organização interna de estabelecimentos comerciais, acarretando a obrigatoriedade da contratação de pessoas para desempenhar funções que especifica, numa clara invasão da competência legislativa exclusiva que a Constituição Federal reserva à União.

Inúmeros são os precedentes desta Corte, a fulminar iniciativas análogas, o que vem ocorrendo desde a convolação, pelo Pleno desta Corte, da medida cautelar deferida pelo então Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Octavio Gallotti, nos autos da ADI nº 669/RJ, decisão essa que restou assim ementada:

‘Argüição de inconstitucionalidade de norma estadual que obriga ‘as organizações de supermercados e congêneres a manterem pelo menos um funcionário, por cada maquina registradora, cuja atribuição seja o acondicionamento de compras ali efetuadas’ (Lei n. 1.914-91, do Rio de Janeiro). Relevância da fundamentação do pedido, deduzida perante os artigos 22, I e parágrafo único e 24, parágrafo 3., da Constituição Federal. Perigo da demora caracterizado pelo elevado montante da multa estipulada para o caso de descumprimento da obrigação’ (DJ de 29/05/92).

Quando do julgamento do RE nº 313.060/SP, afastou a Segunda Turma desta Corte a possibilidade de que legislação municipal invadisse a competência cominada à União, sobre o tema, de forma análoga à efetuada na hipótese ora em análise. Sua ementa assim dispõe:

‘LEIS 10.927/91 E 11.262 DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO. SEGURO OBRIGATÓRIO CONTRA FURTO E ROUBO DE AUTOMÓVEIS. SHOPPING CENTERS, LOJAS DE DEPARTAMENTO, SUPERMERCADOS E EMPRESAS COM ESTACIONAMENTO PARA MAIS DE CINQÜENTA VEÍCULOS. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. O Município de São Paulo, ao editar as Leis l0.927/91 e 11.362/93, que instituíram a obrigatoriedade, no âmbito daquele Município, de cobertura de seguro contra furto e roubo de automóveis, para as empresas que operam área ou local destinados a estacionamentos, com número de vagas superior a cinqüenta veículos, ou que deles disponham, invadiu a competência para legislar sobre seguros, que é privativa da União, como dispõe o art. 22, VII, da Constituição Federal. 2. A competência constitucional dos Municípios de legislar sobre interesse local não tem o alcance de estabelecer normas que a própria Constituição, na repartição das competências, atribui à União ou aos Estados. O legislador constituinte, em matéria de legislação sobre seguros, sequer conferiu competência comum ou concorrente aos Estados ou aos Municípios. 3. Recurso provido’ (Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJ de 24/02/06).

Cite-se, em arremate, a existência de precedentes específicos sobre o tema, recentemente proferidos pelo ilustre Ministro Celso de Mello, em decisões monocráticas, que ora transcrevo:

‘O recurso extraordinário a que se refere o presente agravo de instrumento foi interposto contra decisão, que, proferida em sede de fiscalização abstrata de constitucionalidade (CF, art. 125, § 2º), pelo Pleno do E. Tribunal de Justiça, acha-se consubstanciada em acórdão assim ementado (fls. 240):

‘Ação Direta de Inconstitucionalidade - Lei Municipal nº 4.984/1995 – Lei que obriga à contratação de empacotadores para os estabelecimentos comerciais de gêneros alimentícios na Cidade do Salvador (e similares). Preliminares Rejeitadas. Matéria relevante, cujo impacto social atingirá os usuários dos ou congêneres, que desejam a comodidade, a presteza, a eficácia, o conforto e melhor atendimento na prestação do serviço. Competência do Município do Salvador legislar sobre assunto de interesse. Constitucionalidade da Lei em voga. Rejeitadas as Preliminares, e, no mérito a Improcedência da Ação de Inconstitucionalidade.’

A parte agravante, ao deduzir o apelo extremo em questão, sustentou que o Tribunal ‘a quo’ teria transgredido os preceitos inscritos nos artigos 22, inciso I, 30, I, e 170, IV c/c o art. 1º, IV, todos da Constituição da República.

A análise dos autos evidencia que o acórdão mencionado diverge da diretriz jurisprudencial que esta Suprema Corte firmou na séria em referência.

Isso significa, portanto, que a pretensão recursal deduzida revela-se plenamente acolhível, considerada a diretriz jurisprudencial que o Supremo Tribunal Federal consagrou na apreciação do litígio em debate (RTJ 141/80, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI – RTJ 150/726-727, Rel. Min. ILMAR GALVÃO).

Cabe observar, finalmente, tratando-se da hipótese prevista no art. 125, § 2º, da Constituição da República, que o provimento e o improvimento de recursos extraordinários interpostos contra acórdãos proferidos por Tribunais de Justiça em sede de fiscalização normativa abstrata têm sido veiculados em decisões monocráticas emanadas dos Ministros Relatores da causa no Supremo Tribunal Federal, desde que, tal como sucede na espécie, o litígio constitucional já tenha sido definido pela jurisprudência prevalecente no âmbito deste Tribunal (RE 243.975/RS, Rel. Min. ELLEN GRACIE - RE 334.868-AgR/RJ, Rel. Min. CARLOS BRITTO – RE 336.267/SP, Rel. Min. CARLOS BRITTO – RE 353.350-AgR/ES, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – RE 369.425/RS, Rel. Min. MOREIRA ALVES – RE 371.887/SP, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – RE 396.541/RS, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - RE 415.517/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO – RE 421.271-AgR/RJ, Rel. Min. GILMAR MENDES – RE 444.565/RS, Rel. Min. GILMAR MENDES - RE 461.217/SC, Rel. Min. EROS GRAU – RE 501.913/MG, Rel. Min. MENEZES DIREITO – RE 592.477/SP, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – RE 601.206/SP, Rel. Min. EROS GRAU, v.g.).

Sendo assim, e pelas razões expostas, conheço do presente agravo de instrumento, para, desde logo, conhecer e dar provimento ao recurso extraordinário (CPC, art. 544, § 4º).

Publique-se” (DJe de 12/02/10).

‘O presente recurso extraordinário foi interposto contra decisão, que, proferida em sede de fiscalização abstrata de constitucionalidade (CF, art. 125, § 2º), pelo Órgão Especial do E. Tribunal de Justiça, acha-se consubstanciada em acórdão assim ementado (fls. 126):

‘AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.

É inconstitucional artigo de Lei Municipal que estabelece, aos, hipermercados ou similares, a obrigatoriedade de haver, para cada máquina registradora em operação, um funcionário encarregado da prestação de serviços de acondicionamento ou embalagem dos produtos adquiridos pelos clientes. Violação da competência privativa da União, para legislar sobre do trabalho, além de afronta aos princípios da livre iniciativa e de livre concorrência. Incidência dos arts. 22, I e 170, da Constituição Federal, em combinação com os arts. 8º e 157, V, da Constituição Estadual.

Ação Julgada procedente. Votos vencidos.

AÇÃO JULGADA PROCEDENTE, EM PARTE.’

A parte recorrente, ao deduzir o presente apelo extremo, sustentou que o Tribunal ‘a quo’ teria transgredido os preceitos inscritos nos artigos 22, inciso I, 30 e 170, IV e parágrafo único, todos da Constituição da República.

O Ministério Público Federal, em parecer da lavra da ilustre Subprocuradora-Geral da República, Dra. SANDRA CUREAU, ao opinar pelo conhecimento e provimento do recurso extraordinário em questão (fls. 196/200), formulou parecer assim ementado (fls. 196):

‘RECURSO EXTRAORDINÁRIO. LEI MUNICIPAL. COMPETÊNCIA. I. LEI QUE DISPÕE ACERCA DA OBRIGATORIEDADE DE E CONGÊNERES PRESTAREM SERVIÇOS DE ACONDICIONAMENTO E EMPACOTAMENTO DE PRODUTOS, COMERCIALIZADOS NOS MESMOS, BEM COMO PREVÊ A CONTRATAÇÃO DE PESSOAS PARA REALIZAREM SOBREDITO SERVIÇO. II. VIOLAÇÃO AO ART. 22, I, DA CF, QUE DETERMINA COMPETIR PRIVATIVAMENTE À UNIÃO LEGISLAR SOBRE COMERCIAL E DO TRABALHO. III. OFENSA AO PRINCÍPIO DA LIVRE INICIATIVA. IV. PRECEDENTES. V. PARECER PELO CONHECIMENTO E PROVIMENTO DO RECURSO.’

Entendo assistir plena razão à douta Procuradoria Geral da República, cujo parecer evidencia que o acórdão ora questionado dissente do entendimento que o Supremo Tribunal Federal firmou no exame de controvérsia idêntica à debatida nesta sede recursal.

Isso significa, portanto, que a pretensão recursal ora deduzida revela-se plenamente acolhível, considerada a diretriz jurisprudencial que o Supremo Tribunal Federal consagrou na apreciação do litígio em debate (RTJ 141/80, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI – RTJ 150/726-727, Rel. Min. ILMAR GALVÃO).

Cabe observar, finalmente, tratando-se da hipótese prevista no art. 125, § 2º, da Constituição da República, que o provimento e o improvimento de recursos extraordinários interpostos contra acórdãos proferidos por Tribunais de Justiça em sede de fiscalização normativa abstrata têm sido veiculados em decisões monocráticas emanadas dos Ministros Relatores da causa no Supremo Tribunal Federal, desde que, tal como sucede na espécie, o litígio constitucional já tenha sido definido pela jurisprudência prevalecente no âmbito deste Tribunal (RE 243.975/RS, Rel. Min. ELLEN GRACIE - RE 334.868-AgR/RJ, Rel. Min. CARLOS BRITTO – RE 336.267/SP, Rel. Min. CARLOS BRITTO – RE 353.350-AgR/ES, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – RE 369.425/RS, Rel. Min. MOREIRA ALVES – RE 371.887/SP, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – RE 396.541/RS, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - RE 415.517/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO – RE 421.271-AgR/RJ, Rel. Min. GILMAR MENDES – RE 444.565/RS, Rel. Min. GILMAR MENDES - RE 461.217/SC, Rel. Min. EROS GRAU – RE 501.913/MG, Rel. Min. MENEZES – RE 592.477/SP, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – RE 601.206/SP, Rel. Min. EROS GRAU, v.g.).

Sendo assim, e pelas razões expostas, conheço e dou provimento ao presente recurso extraordinário (CPC, art. 557, § 1º-A).

Publique-se’ (DJe de 04/02/10).

Ante o exposto, nos termos do artigo 557, § 1º - A, do Código de Processo Civil, conheço do recurso e lhe dou provimento, para julgar a ação procedente, declarando a inconstitucionalidade da Lei nº 4.428/01, do Município de Santa Maria (RS)” (STF, RE 470.933-RS, Rel. Min. Dias Toffoli, 17-06-2010, DJe 04-08-2010).

Não se trata, à evidência, de violação ao art. 24, V e VIII, da Constituição Federal, ou ao art. 275 da Constituição Estadual, que não eliminam a competência municipal para disciplina do comércio, mas, de ofensa ao art. 22, I, da Constituição Federal, aplicável, na espécie, por força da remissão contida no art. 144 da Constituição do Estado aos preceitos da Constituição Federal que também subordinam a atividade legislativa dos Municípios.

A lei local poderia limitar-se a obrigar os estabelecimentos comerciais do ramo a prestar serviços em tempo razoável nos caixas, estipulando períodos razoáveis e instituindo senhas de atendimento para sua aferição, e não padeceria de inconstitucionalidade ou, no máximo, estaria sujeita a uma interpretação conforme à Constituição para erradicar o comando excessivo [“colocar (...) pessoal suficiente no setor de caixa”].

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da procedência parcial do pedido para declaração da inconstitucionalidade do art. 1º da Lei nº 3.578, de 25 de julho de 2013, do Município de Campos de Jordão, se não dispensada interpretação conforme à Constituição para erradicar o comando excessivo.

 

          

                   São Paulo, 19 de novembro de 2013.

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

 

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