Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 0162067-92.2012.8.26.0000

Requerente: Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo - ADPESP

Requerido: Governador do Estado de São Paulo

 

 

 

 

 

Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Complementar n. 1.062, de 13 de novembro de 2008, do Estado de São Paulo (incisos II e III do art. 2º). Preliminares. Servidor público. Policial civil. Aposentadoria voluntária especial. Requisitos e critérios diferenciados. Ausência de discriminação positiva em razão do sexo para os requisitos de tempo de contribuição e de efetivo exercício na função policial. Improcedência da ação. 1.  Necessidade de requisição de informações ao Presidente da ALESP (art. 6º, Lei n. 9.868/99). 2. Alvitrado o julgamento conjunto com outra ação direta de inconstitucionalidade anteriormente proposta por outrem que discute a exigência de idade mínima para aposentadoria voluntária especial de policial civil. 3. O controle de constitucionalidade de lei municipal por via de ação direta tem como exclusivo parâmetro a CE/89, ainda que reproduza ou imite disposições da CF/88, inclusive as de observância obrigatória. 4. A exigência de 20 (vinte) anos de efetivo exercício em cargo de natureza estritamente policial para aposentadoria voluntária especial de policial civil (art. 2º, III, LC 1.062/08) não padece de inconstitucionalidade porque, em relação a esse requisito, a CF/88 (art. 40, § 1º, III, e §§ 4º e 5º) e a CE/89 (art. 126, § 1º, 3, e §§ 4º e 5º) primam pela identidade de gênero, inclusive para a aposentadoria voluntária comum e a aposentadoria voluntária especial docente. 5. O requisito de 30 (trinta) anos de contribuição previdenciária (art. 2º, II, LC 1.062/08) tampouco é inconstitucional porque, diferentemente de outras hipóteses constitucionalmente explicitadas, não se expressa a possibilidade de discriminação positiva em razão do sexo do servidor público no tocante a esse requisito porque sopesou o risco da atividade (art. 40, § 4º, CF/88; art. 126, § 4º, CE/89) a que se expõem, em igualdade de condições, homens e mulheres. 6. Improcedência da ação.

 

 

 

Colendo Órgão Especial:

 

 

 

1.                Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade impugnando os incisos II e III do artigo 2º da Lei Complementar n. 1.062, de 13 de novembro de 2008, do Estado de São Paulo, sob alegação de incompatibilidade com os arts. 5º, I, e 40, § 1º, a e b, da Constituição Federal e os arts. 1º, 111 e 126, da Constituição Estadual (fls. 02/19).

2.               Negada a liminar (fl. 39), o douto Procurador-Geral do Estado suscita, preliminarmente, a necessidade de reunião para julgamento conjunto a ação direta de inconstitucionalidade promovida pelo Associação dos Funcionários da Polícia Civil do Estado de São Paulo que colima a inconstitucionalidade dos artigos 1º a 3º da mesma lei (ADI 0308359-80.2011.8.26.0000), e defende a constitucionalidade dos dispositivos legais impugnados, assinalando, ainda, sua compatibilidade com a jurisprudência (fls. 121/135).

3.                O Governador do Estado reiterou o teor da manifestação da douta Procuradoria-Geral do Estado (fls. 145/146).

4.                É o relatório.

5.                Preliminarmente, requeiro a requisição de informações ao Presidente da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, nos termos do artigo 6º da Lei n. 9.868/99, tendo em vista que lei é ato complexo resultante da conjunção das vontades do Chefe do Poder Executivo e do Poder Legislativo.

6.                O fundamento desta ação direta de inconstitucionalidade é a ausência de discriminação positiva em razão do sexo feminino no tempo de contribuição e no efetivo exercício na função, requisitos de aposentadoria voluntária especial de policiais civis, constantes dos incisos II e III do artigo 2º da Lei Complementar n. 1.062/08, pretendendo-se o pedido a declaração de inconstitucionalidade desses preceitos.

7.                Já a causa petendi da ação direta de inconstitucionalidade movida anteriormente por outra associação contra a mencionada Lei Complementar n. 1.062/08 é, como se infere da leitura do venerando acórdão que rechaçou agravo regimental, o cumprimento do tempo (efetivo exercício da função) sem o estabelecimento de idade mínima, sob o fundamento de violação à competência normativa federal prevista no art. 24, § 1º, da Constituição da República (fls. 138/141).

8.                Embora os objetos sejam distintos, a discussão naquela ação anterior pode tornar prejudicada a solução desta lide, razão pela qual devem ser reunidas para julgamento conjunto.

9.                O controle de constitucionalidade de lei municipal por via de ação direta tem como exclusivo parâmetro a Constituição do Estado, ainda que reproduza ou imite disposições da Constituição da República, inclusive as de observância obrigatória.

10.              O artigo 2º da Lei Complementar Estadual n. 1.062, de 13 de novembro de 2008, tem a seguinte redação:

“Artigo 2º - Os policiais civis do Estado de São Paulo serão aposentados voluntariamente, desde que atendidos, cumulativamente, os seguintes requisitos:

I – cinquenta e cinco anos de idade, se homem, e cinquenta anos de idade, se mulher;

II – trinta anos de contribuição previdenciária;

III – vinte anos de efetivo exercício em cargo de natureza estritamente policial”.

11.              A petição inicial alega que os incisos II e III desse artigo 2º são inconstitucionais por não contemplarem discriminação positiva em favor do sexo feminino.

12.              A lei complementar em foco disciplina a aposentadoria voluntária especial balizada pelas exceções dos incisos I a III do § 4º do artigo 40 da Constituição Federal e que são reproduzidas no artigo 126, § 4º, I a III, da Constituição Estadual na redação da Emenda n. 21/06.

13.             O requisito do inciso III do artigo 2º da Lei Complementar Estadual n. 1.062/08, atinente ao tempo mínimo de exercício do cargo para aposentação, não padece de inconstitucionalidade por não contemplar diferenciação em virtude do sexo do servidor público.

14.              A análise sistemática das normas constitucionais central e radial repele a pretensão da requerente.

15.              Com efeito, a exigência de tempo mínimo de efetivo exercício no cargo ou no serviço público é invariável e indiferente em relação ao sexo do servidor público, como se constata da leitura da Constituição Federal (artigo 40, § 1º, III, e § 5º) e da Constituição Estadual (artigo 126, § 1º, 3, e § 5º) ao tratar da aposentadoria voluntária comum e da outra aposentadoria voluntária especial de docentes.

16.              Aliás, com relação à aposentadoria voluntária especial de docentes, só há o abrandamento ou redução dos requisitos de idade e de tempo de contribuição.

17.              A discriminação possível é relativa a esses requisitos (idade e tempo de contribuição), como emerge das regras do artigo 40, § 1º, III, a e b, e § 5º, da Constituição da República, e do artigo 126, § 1º, 3, a e b, e § 5º, da Constituição do Estado, que revelam a intenção de desigualação entre homem e mulher referentemente à idade e ao tempo de contribuição na aposentadoria voluntária comum e na especial de docentes – e que também está presente nas Emendas Constitucionais n. 20/98 (art. 9º), n. 41/03 (art. 2º) e n. 47/05 (art. 3º).

18.              O outro requisito é o de tempo de contribuição que o inciso II do artigo 2º da Lei Complementar Estadual n. 1.062/08 não distinguiu em razão do sexo do servidor público.

19.              O parâmetro constitucional – central e radial – demonstra que esse requisito admite, em linha de princípio, variação em virtude do sexo no tocante à aposentadoria voluntária comum e na especial docente.

20.              O douto Procurador-Geral do Estado acentua que o direito vigente “não impõe ao legislador infraconstitucional qualquer restrição no tocante à definição dos parâmetros exigidos para concessão da aposentadoria voluntária especial, a não ser a caracterização da condição específica que, no caso, a enseja: o exercício de atividade de risco” (fl. 128).

21.              Contudo, o inciso I do artigo 2º da Lei Complementar Estadual n. 1.062/08, no tocante à idade, diferencia o gênero, inscrevendo faixas etárias diferenciadas para homem e mulher.

22.              Mas, é a partir do reconhecimento infraconstitucional da natureza peculiar da atividade (de risco ou exercida em condição especial que prejudique a saúde ou a integridade física) que se projetará a aposentadoria voluntária especial por critérios e requisitos diferenciados, independentemente de gênero.

23.              Se, portanto, é a natureza da atividade que proporciona requisitos e critérios diferenciados, a distinção de gênero entre homem e mulher para ser válida deve se assentar em componente lógico, isonômico, racional, razoável e proporcional.

24.              A aposentadoria voluntária especial docente não serve como baliza. Não bastasse ser regra peculiar à atividade descrita, a redução dos requisitos de idade e de tempo de contribuição é explícita, e tem razão de ser porque outorgada na própria Constituição como exceção à aposentadoria voluntária comum que, de per si, articula discriminação positiva em razão de gênero.

25.              Distinta é a situação das demais exceções, cujo delineamento foi remetido à lei complementar, em que a norma constitucional tida como parâmetro não explicita a possibilidade de discriminação positiva em razão do sexo do servidor público no tocante ao tempo de contribuição porque sopesou o risco da atividade a que se expõem, em igualdade de condições, homens e mulheres.

26.              Para se concluir pela inconstitucionalidade do inciso II do artigo 2º da lei complementar contestada era necessário que o constituinte indicasse o sexo como fator discriminante obrigatório na adoção de requisitos e critérios de aposentadoria voluntária especial de atividades de risco, como o fez relativamente à docência por remissão expressa.

27.              Opino, preliminarmente, pela requisição de informações ao Presidente da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (artigo 6º da Lei n. 9.868/99) e reunião para julgamento conjunto com ação anterior (ADI 0308359-80.2011.8.26.0000) e, no mérito, pela improcedência da ação.

                   São Paulo, 10 de dezembro de 2012.

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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