Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Processo nº 0162348-14.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Caraguatatuba

Requerido: Presidente da Câmara do Município de Caraguatatuba

 

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito, em face da Lei nº 1.701, de 03 de julho de 2009, do Município de Caraguatatuba, que “Dispõe sobre a isenção de pavimentação e taxas de limpeza pública, para imóveis localizados nas marginais que sirvam como via expressa para trânsito intermunicipal de veículos”. Lei tributária benéfica, de iniciativa de Vereador. Alegada usurpação da competência privativa do Chefe do Poder Executivo. Precedentes do Supremo Tribunal Federal no sentido de que, em matéria tributária, a iniciativa das leis, inclusive benéficas, é concorrente. Parecer pela improcedência da ação.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Caraguatatuba, tendo por objeto a Lei nº 1.701, de 03 de julho de 2009, daquele município, que “Dispõe sobre a isenção de pavimentação e taxas de limpeza pública, para imóveis localizados nas marginais que sirvam como via expressa para trânsito intermunicipal de veículos”.

Sustenta o autor que a lei foi concebida por Vereador e que haveria ofensa ao princípio da independência dos poderes e vício de iniciativa.

A lei teve o pedido de suspensão liminar da eficácia ex nunc desatendido (fls. 26/27), sob entendimento de não estar o diploma questionado maculado pelo vício de iniciativa.

O Presidente da Câmara Municipal prestou informações atendo-se ao processo legislativo (fls. 38/39).

A Procuradoria Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 42/44).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A lei impugnada assim se encontra redigida:

"Artigo 1º - São isentos de despesas com pavimentação e taxas de limpeza pública, os imóveis localizados nas marginais das rodovias, e que sirvam como via expressa para o trânsito intermunicipal de veículos.

Parágrafo único: São consideradas vias expressas “caput” do presente artigo, as marginais por onde transitam caminhões de cargas, ônibus do transporte coletivo urbano e demais veículos com destino a outros municípios.

Artigo 2º - Os benefícios desta Lei são extensivos aos imóveis localizados nas marginais, ruas e avenidas, estradas e saídas de veículos, e vias alternativas, quando demarcadas por placas indicativas da Prefeitura Municipal com via expressa para trânsito intermunicipal de veículos.

Artigo 3º - O Poder Executivo, no que entender necessário, regulamentará a presente Lei no prazo de trinta dias, expedindo o competente Decreto disciplinador.

Artigo 4º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.”

O ato impugnado, como se vê, tem a natureza de norma tributária benéfica, porque culmina por isentar do pagamento de despesas com pavimentação e taxas de limpeza pública os proprietários dos imóveis localizados nas marginais das rodovias, que sirvam de via expressa para o trânsito intermunicipal, do Município de Caraguatatuba.

Já se tem consagrado, tanto nesse E. Colendo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, como no Supremo Tribunal Federal, que não procede o entendimento de que as normas tributárias benéficas, porque diminuem a receita, somente poderiam ser concebidas pelo Poder Executivo, por ser o encarregado da execução do Orçamento.

Colhe-se, em recentíssimos Acórdãos, a comprovação dessa assertiva:

“Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Municipal n.° 9.162, de Sorocaba, que institui desconto no Imposto Territorial Urbano a imóveis edificados em loteamento ou empreendimentos imobiliários que tenham sido aprovados pelas repartições públicas municipais competentes, em áreas de várzeas de rios e córregos, sempre que, em razão de intempéries, essas edificações sejam inundadas. Suposto vicio de iniciativa e ofensa ao Princípio da Separação dos Poderes. Inocorrência. Norma que versa sobre direito tributário. Competência concorrente para deflagrar o processo legislativo, segundo jurisprudência do C. STF. Ausência de criação de despesas ao erário público. Precedentes diversos deste C. Órgão Especial. Ação julgada improcedente, para declarar constitucional a norma municipal impugnada, cassada a liminar.” (ADI n.  0276287-06.2012.8.26.0000. Relator(a): Luis Soares de Mello. Data do julgamento: 28/08/2013)

 

“Ementa: Lei Municipal, de iniciativa parlamentar, que concede isenção de IPTU aos portadores de doenças graves (que especifica) e seus responsáveis legais - Inconstitucionalidade pleiteada pelo Prefeito por entender que a matéria é de competência exclusiva do Poder Executivo - Posição do colendo STF no sentido de admitir a competência concorrente do Legislativo - Diretriz que se segue - Ação improcedente.” (ADI n.  0270090-35.2012.8.26.0000. Relator(a): Enio Zuliani. Data do julgamento: 26/06/2013)   

“Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei 10.241, de 03 de setembro de 2012, do Município de Sorocaba. Norma que dispõe sobre incentivo ao plantio e manutenção de árvores mediante desconto no IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano) e dá outras providências. Projeto de lei de autoria de Vereador. Alegação de vício de iniciativa e violação ao princípio da separação dos Poderes. Não ocorrência. Lei que concede benefício fiscal de natureza tributária. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e deste Órgão Especial no sentido de que, em matéria tributária, a competência legislativa é concorrente. Improcedência da ação.” (ADI n. 0276291-43.2012.8.26.0000.  Relator(a): Kioitsi Chicuta. Data do julgamento: 26/06/2013)

“Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei municipal que cria novas hipóteses de parcelamento do pagamento da contribuição de melhoria de pavimentação. Matéria tributária e não orçamentária. Vício de iniciativa. Inocorrência. Ausência de violação ao princípio da independência entre os poderes. Precedentes do STF e do Órgão Especial. Ação improcedente, agravo regimental prejudicado.” (ADI n.  0276302-72.2012.8.26.0000. Relator(a): Cauduro Padin. Data do julgamento: 05/06/2013)

“Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Lei do município de Guarulhos nº 7.067, de 13 de setembro de 2012, a qual prevê a redução de alíquota e isenção do ISSQN, nos casos que especifica - Tema relativo à matéria tributária Competência concorrente Reflexos no orçamento Possibilidade Ação julgada improcedente. Deve ser julgada improcedente ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal que abriga matéria tributária, ante a competência concorrente do Poder Executivo e Legislativo sobre o tema.” (ADI n. 0221846-75.2012.8.26.0000. Relator(a): Luis Ganzerla. Data do julgamento: 05/06/2013)

 

“Ementa: Ação Direta de Inconstitucionaüdade - Lei complementar municipal n° 180, que alterou a redação do inciso V, artigo 41 do Código Tributário do Município de Socorro, isentando do IPTU os contribuintes aposentados que atendam aos requisitos estabelecidos - Vício de iniciativa - Invasão à esfera de competência privativa do Chefe do Poder Executivo -  Inocorrência - Competência legislativa concorrente em matéria tributária - Inexistência de ofensa a Constituição Bandeirante - Precedentes do Colendo Órgão Especial e do Supremo Tribunal Federal - Ação julgada improcedente.” (ADI n. 0204846-62.2012.8.26.0000. Relator(a): Castilho Barbosa. Data do julgamento: 08/05/2013)

“Ementa: Lei n° 2.040, de Iº de dezembro de 2009, do Município de Itapecerica da Serra, que altera os incisos II e III da Lei Municipal n° 639, de 19 de dezembro de 1990, que institui o Código Tributário do Município de Itapecerica da Serra. Arguição de inconstitucionalidade. Redução de alíquotas da taxa de funcionamento. Iniciativa parlamentar. Rejeição de veto e promulgação pelo Presidente da Câmara Municipal. Competência comum e concorrente (art. 61 da CF e art. 24 da CE). Inexistência de aumento de despesas. Preservação da independência e harmonia dos Poderes. Constitucionalidade reconhecida. Ação improcedente. Liminar cassada.” (ADI n. 0282214-84.2011.8.26.0000. Relator(a): Luiz Pantaleão. Data do julgamento: 03/10/2012)

Abatida, portanto, a orientação contrária.

A competência legislativa é concorrente, reconhecidamente, nos termos do art. 61 da CF e art. 24 da CE.

Desse modo, não há inconstitucionalidade por vício de iniciativa, nem violação ao princípio da independência dos poderes, na lei que institui benefício fiscal, pois a norma não versa sobre matéria orçamentária, nem aumenta a despesa do Município.

E essa é a tese que prevalece no Supremo Tribunal Federal. Em recente Acórdão, da lavra do em. Ministro Eros Grau, ficou consignado:

“O texto normativo impugnado dispõe sobre matéria de caráter tributário, isenções, matéria que, segundo entendimento dessa Corte, é de iniciativa comum ou concorrente; não há, no caso, iniciativa [parlamentar] reservada ao Chefe do Poder Executivo. Tem-se por superado, nesta Corte, o debate a propósito de vício de iniciativa referente à matéria tributária” (ADI 3.809/ES, j. 14.6.07. Disponível em www.stf.gov.br. Acesso em 15 out. 2008, g.n.).

Os seguintes julgados (citados no v. Acórdão destacado) comprovam essa assertiva:

“EMENTA: I. Ação direta de inconstitucionalidade: L. est. 2.207/00, do Estado do Mato Grosso do Sul (redação do art. 1º da L. est. 2.417/02), que isenta os aposentados e pensionistas do antigo sistema estadual de previdência da contribuição destinada ao custeio de plano de saúde dos servidores Estado: inconstitucionalidade declarada. II. Ação direta de inconstitucionalidade: conhecimento. 1. À vista do modelo dúplice de controle de constitucionalidade por nós adotado, a admissibilidade da ação direta não está condicionada à inviabilidade do controle difuso. 2. A norma impugnada é dotada de generalidade, abstração e impessoalidade, bem como é independente do restante da lei. III. Processo legislativo: matéria tributária: inexistência de reserva de iniciativa do Executivo, sendo impertinente a invocação do art. 61, § 1º, II, b, da Constituição, que diz respeito exclusivamente aos Territórios Federais. IV. Seguridade social: norma que concede benefício: necessidade de previsão legal de fonte de custeio, inexistente no caso (CF, art. 195, § 5º): precedentes (ADI 3205/MS - Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Julgamento: 19/10/2006, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Publicação DJ 17-11-2006 PP-00047)

EMENTA: CONSTITUCIONAL. LEI DE ORIGEM PARLAMENTAR QUE FIXA MULTA AOS ESTABELECIMENTOS QUE NÃO INSTALAREM OU NÃO UTILIZAREM EQUIPAMENTO EMISSOR DE CUPOM FISCAL. PREVISÃO DE REDUÇÃO E ISENÇÃO DAS MULTAS EM SITUAÇÕES PRÉ-DEFINIDAS. ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA NÃO LEGISLOU SOBRE ORÇAMENTO, MAS SOBRE MATÉRIA TRIBUTÁRIA CUJA ALEGAÇÃO DE VÍCIO DE INICIATIVA ENCONTRA-SE SUPERADA. MATÉRIA DE INICIATIVA COMUM OU CONCORRENTE. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE” (ADI 2659/SC - Min. NELSON JOBIM, Julgamento: 03/12/2003, Publicação DJ 06-02-2004 PP-00022)

É inequívoco que, ao isentar do pagamento de despesas com pavimentação e taxas de limpeza pública os proprietários dos imóveis localizados nas marginais das rodovias, que sirvam de via expressa para o trânsito intermunicipal, do Município de Caraguatatuba, a lei impugnada redimensionou para menos a receita.

Toda política pública, entretanto, tem impacto no orçamento, realidade que não pode ser levada em conta para caracterizar como orçamentária a norma que a estabelece.

Desse modo, não se vislumbra inconstitucionalidade da lei impugnada.

Diante do exposto, o parecer é no sentido da improcedência desta ação direta de inconstitucionalidade.

São Paulo, 24 de outubro de 2013.

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

    Jurídico

fjyd