Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 0164008-43.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Santa Cruz do Rio Pardo

Requerida: Câmara Municipal de Santa Cruz do Rio Pardo

 

 

 

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade.  Lei n. 2.618, de 13 de fevereiro de 2013, de iniciativa parlamentar, do Município de Santa Cruz do Rio Pardo. Limpeza de terrenos baldios. Inocorrência de criação de despesas sem cobertura específica ou não previstas no orçamento anual. Normas de posturas municipais que impõem obrigações positivas a particulares e não versam sobre desenvolvimento urbano nem demandam compatibilidade com o plano diretor. Inexistência de ofensa à separação de poderes, salvo naquilo que cria deveres ou confere competências a órgãos do Poder Executivo. Causa de pedir aberta. Multa. Valor estipulado pelo Poder Executivo. Violação do princípio da legalidade. Parcial procedência da ação.  1. Lei local que impõe obrigação positiva a particulares, estribada na polícia administrativa (posturas municipais), consistente na manutenção da limpeza, roçagem e drenagem de terrenos baldios ou não, sob pena de sanção (multa), versa matéria que não se insere entre aquelas que são reservadas exclusivamente à iniciativa do Chefe do Poder Executivo (arts. 24, § 2º, 2, 47, XI, e 174, CE/89) nem a ato normativo de sua alçada imune à interferência do Poder Legislativo (art. 47, II, XIV e XIX, CE/89), de maneira que não se caracteriza violação ao art. 5º, CE/89, pois, a reserva deve ser explícita e interpretada restritivamente, alijando exegese ampliativa ou presunção, tendo em vista que em se tratando de processo legislativo as normas do modelo federal são aplicáveis e extensíveis por simetria às demais órbitas federativas. 2. Lei local que não cria obrigações diretamente ao poder público a demandar específica cobertura financeira nem deflagra programa que empenhe novas despesas não previstas no orçamento anual, não bastasse a compreensão de que a ausência de recursos financeiro-orçamentários não compromete a validade da lei (impedindo apenas sua execução no exercício respectivo de sua sanção ou promulgação),  e que não é possível alegar que sua execução gera dispêndios, porque o dever de fiscalização de cumprimento das normas é conatural aos atos normativos e não tem efeito de gerar gastos extraordinários. 3. Questão, aliás, que demanda o exame de fato e de prova, insuscetível nesta via especial. 4. Imprestabilidade dos arts. 152, 180 e 181 CE/89 como parâmetros. 5. Expressões “a ser estipulada pelo Poder Executivo Municipal, através da Secretaria de Administração” (art. 1º) e “no valor a ser estipulado pela Secretaria de Administração” (art. 8º), referentes à multa, que se afastam da legalidade (art. 111, CE/89), cuja invocação observa o conceito de causa de pedir aberta inerente ao contencioso de constitucionalidade. 6. Faculdade conferida ao Poder Executivo para limpeza do terreno (art. 5º) e outorga de competências a órgãos do Poder Executivo (art. 8º, parágrafo único) que são ofensivas ao princípio da separação de poderes por se encontrar tanto na reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo quanto na reserva da Administrativa a criação de obrigações a seus órgãos e a respectiva outorga de competências (arts. 5º, 24, § 2º, 2, e 47, II, XIV e XIX, a, CE/89). 7. Parcial procedência da ação para declarar a inconstitucionalidade das expressões “a ser estipulada pelo Poder Executivo Municipal, através da Secretaria de Administração” (art. 1º) e “no valor a ser estipulado pela Secretaria de Administração” (art. 8º), do art. 5º e da expressão “Secretaria de Administração do Município” (parágrafo único do art. 8º), da Lei n. 2.618, de 13 de fevereiro de 2013, do Município de Santa Cruz do Rio Pardo, por sua incompatibilidade com os arts. 5º, 24, § 2º, 2, 47, II, XI, XIV e XIX, a, e 111, CE/89.

 

 

 

 

 

 

Egrégio Tribunal:

 

 

 

1.                Ação direta de inconstitucionalidade promovida pelo Prefeito do Município de Santa Cruz do Rio Pardo impugnando a Lei n. 2.618, de 13 de fevereiro de 2013, do Município de Santa Cruz do Rio Pardo, de iniciativa parlamentar, que obriga proprietários ou possuidores a qualquer título de terrenos baldios ou não à manutenção de limpeza, roçagem e drenagem, alegando incompatibilidade com os arts. 5º, 24, § 2º, 2, 25, 37, 47, II, XI e XIV, 144, 152, I e II, 174, I, II e III, 176, I, e 180 e 181 da Constituição Estadual (fls. 02/12).

2.                Concedida liminar (fl. 113), a Câmara Municipal de Santa Cruz do Rio Pardo defendeu a constitucionalidade da lei (fls. 121/123) e a douta Procuradoria-Geral do Estado se absteve de sua defesa (fls. 146/148).

3.                É o relatório.

4.                Não há violação à separação de poderes porque a lei não invadiu a reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo nem a reserva da Administração em linhas gerais, ressalvado o quanto adiante exposto.

5.                A lei local impõe obrigação a particulares, estribada na polícia administrativa, que consiste na manutenção da limpeza, roçagem e drenagem de terrenos baldios ou não, sob pena de multa, facultada ao Poder Executivo a execução da limpeza com a cobrança das despesas decorrentes.

6.                A matéria não se insere entre aquelas que são reservadas exclusivamente à iniciativa do Chefe do Poder Executivo (arts. 24, § 2º, 2, e 47, XI, Constituição Estadual) nem a ato normativo de sua alçada imune à interferência do Poder Legislativo (art. 47, II, XIV e XIX, Constituição Estadual), de maneira que não se caracteriza violação ao art. 5º da Constituição do Estado. A reserva deve ser explícita e interpretada restritivamente, alijando exegese ampliativa ou presunção, conforme alvitra a doutrina (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 581, 592-593) e enuncia a jurisprudência (STF, ADI-MC 724-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 27-04-2001; RT 866/112; STF, ADI 3.394, Rel. Min. Eros Grau, 02-04-2007, DJe 15-08-2008; STF, ADI 3.205, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 19-10-2006, DJ 17-11-2006), tendo em vista que em se tratando de processo legislativo as normas do modelo federal são aplicáveis e extensíveis por simetria às demais órbitas federativas (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.; STF, ADI 2.731-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 02-03-2003, v.u., DJ 25-04-2003, p. 33; STF, ADI 1.594-RN, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 04-06-2008, v.u., DJe 22-08-2008; RT 850/180; RTJ 193/832).

7.                Tampouco é admissível sustentar violação aos arts. 25 e 176, I, da Constituição Estadual, porque a lei local em foco não cria obrigações diretamente ao poder público a demandar específica cobertura financeira nem deflagra programa que empenhe novas despesas não previstas no orçamento anual.

8.                Ademais, a ausência de recursos financeiro-orçamentários não compromete a validade da lei, impedindo apenas sua execução no exercício respectivo de sua sanção ou promulgação (STF, ADI 1.585-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 19-12-1997, v.u., DJ 03-04-1998, p. 01). E não é possível alegar que sua execução gera dispêndios, porque “o dever de fiscalização de cumprimento das normas é conatural aos atos normativos e não tem efeito de gerar gastos extraordinários” (TJSP, ADI 0006249-50.2012.8.26.0000, Rel. Des. Paulo Dimas Mascaretti, m.v., 12-09-2012).

9.                Além disso, essa questão demanda o exame de fato e de prova, o que é insuscetível nesta via especial.

10.              O art. 174 da Constituição Estadual trata da iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo para leis orçamentárias, e o art. 152 cuida da organização regional que compete ao Estado, normas absolutamente inaplicáveis ao caso.

11.              Também não incidem os arts. 180 e 181 da Constituição Estadual por não refletir a espécie normatização do desenvolvimento urbano ou sobre zoneamento, loteamento, parcelamento, uso e ocupação do solo, índices urbanísticos, proteção ambiental e demais limitações administrativas pertinentes que exijam compatibilidade ao plano diretor, uma vez que se trata de mera regulamentação de postura municipal com imposição de obrigação positiva a particulares.

12.              Entretanto, há na lei aspectos que são incompatíveis com a Constituição Estadual.

13.              Chamo a atenção, de um lado, às expressões “a ser estipulada pelo Poder Executivo Municipal, através da Secretaria de Administração” (art. 1º) e “no valor a ser estipulado pela Secretaria de Administração” (art. 8º), e de outro, à faculdade conferida ao Poder Executivo para limpeza do terreno prevista no art. 5º, e à outorga de competências a órgãos do Poder Executivo contida na expressão “Secretaria de Administração” (art. 8º, parágrafo único).

14.              Na primeira hipótese, a previsão de multa a ser estipulada pelo Poder Executivo afasta-se da legalidade prevista no art. 111 da Constituição Estadual, cuja invocação observa o conceito de causa de pedir aberta inerente ao contencioso de constitucionalidade.

15.              Multa é sanção administrativa cuja imposição se sedimenta na prática de ilícito administrativo e, portanto, é plenamente exigível a legalidade absoluta ou estrita (reserva forma de lei).

16.              Neste sentido, enuncia a jurisprudência que “o princípio da reserva de lei atua como expressiva limitação constitucional ao poder do Estado, cuja competência regulamentar, por tal razão, não se reveste de suficiente idoneidade jurídica que lhe permita restringir direitos ou criar obrigações. Nenhum ato regulamentar pode criar obrigações ou restringir direitos, sob pena de incidir em domínio constitucionalmente reservado ao âmbito de atuação material da lei em sentido formal” (STF, AgR-QO-AC 1.033-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 25-05-2006, v.u., DJ 16-06-2006, p. 04).

17.              Na segunda hipótese, a lei estabelece faculdade ao Poder Executivo para autoexecutoriedade da obrigação imposta e confere atribuições a seus órgãos.

18.              Nesta situação, vislumbra-se ofensa ao princípio da separação de poderes por se encontrar tanto na reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo quanto na reserva da Administrativa a criação de obrigações a seus órgãos e a respectiva outorga de competências (arts. 5º, 24, § 2º, 2, e 47, II, XIV e XIX, a, Constituição Estadual), como deflui da orientação do Supremo Tribunal Federal (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.; STF, ADI 3.254-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 16-11-2005, v.u., DJ 02-12-2005, p. 02; STF, ADI 2.857-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 30-08-2007, v.u., DJe 30-11-2007; STF, ADI-MC 2.405-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 06-11-2002, DJ 17-02-2006, p. 54; STF, ADI 2646-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, 20-03-2003, v.u., DJ 23-05-2003, p. 30; RTJ 195/119; STF, ADI-MC 2.799-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 01-04-2004, v.u., DJ 21-05-2004, p. 31; STF, ADI 2.569-CE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 19-03-2003, v.u., DJ 02-05-2003, p. 26).  

19.              Face ao exposto, opino pela parcial procedência da ação para declarar a inconstitucionalidade das expressões “a ser estipulada pelo Poder Executivo Municipal, através da Secretaria de Administração” contida no art. 1º e “no valor a ser estipulado pela Secretaria de Administração” contida no art. 8º, do art. 5º, e da expressão “Secretaria de Administração do Município” contida no parágrafo único do art. 8º, da Lei n. 2.618, de 13 de fevereiro de 2013, do Município de Santa Cruz do Rio Pardo, por sua incompatibilidade com os arts. 5º, 24, § 2º, 2, 47, II, XI, XIV e XIX, a, e 111, da Constituição do Estado de São Paulo.

                   São Paulo, 18 de outubro de 2013.

 

 

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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