Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 0170888-51.2013.8.26.0000

Requerente: Município de Arapeí

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Arapeí

 

 

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Emendas nº 01 e 02, de 05 de junho de 2013, ao Projeto de Lei nº 13/2013, que “Dispõe sobre as diretrizes orçamentárias a serem observadas na elaboração da Lei Orçamentária do Município de Arapeí para o exercício financeiro de 2014 e dá outras providências”.

2)      Preliminar. Ilegitimidade do Município, pessoa jurídica de direito público, para propositura de ação direta de inconstitucionalidade. Necessidade de extinção do feito sem exame do mérito.

3)      Preliminar: Impossibilidade jurídica do pedido. Apenas ato normativo em vigor, e não projeto de lei, pode ser objeto de controle no processo objetivo. Necessidade de extinção do feito sem exame do mérito.

4)      Preliminar: Impossibilidade jurídica do pedido. Inviabilidade de controle concentrado de constitucionalidade de emendas supressivas, apresentadas no curso do processo legislativo. Eventual impugnação deve recair sobre o texto resultante da atividade legislativa. Necessidade de extinção do feito sem exame do mérito.

5)      Preliminar: ausência de indicação dos dispositivos da Constituição do Estado que teriam sido contrariados. Inadmissão do exame da inconstitucionalidade da lei municipal tomando como parâmetro dispositivo da Constituição Federal, ou mesmo da legislação infraconstitucional (legislação orçamentária, lei orgânica municipal, ou regimento interno da Câmara). Ausência de interesse de agir (falta de demonstração de necessidade de obtenção de tutela da jurisdição constitucional).

6)      Parecer no sentido da extinção do feito sem exame do mérito, prejudicado o exame deste.

 

 

Colendo Órgão Especial

Senhor Desembargador Relator

 

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Município de Arapeí, tendo como alvo a Emendas nº 01 e 02, de 05 de junho de 2013, ao Projeto de Lei nº 13/2013, que “Dispõe sobre as diretrizes orçamentárias a serem observadas na elaboração da Lei Orçamentária do Município de Arapeí para o exercício financeiro de 2014 e dá outras providências”.

Pugna o requerente pela declaração de inconstitucionalidade das Emendas ao Projeto de Lei acima referido, alegando: (a) contrariedade ao princípio da separação entre os poderes; (b) existência de iniciativa privativa para projetos de lei orçamentária; (c) e violação do procedimento legislativo, diante da aprovação de emendas sem submissão à Comissão de Constituição de Justiça.

Foi indeferido o pedido de liminar (fl. 296).

Citado, o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de realizar a defesa do ato normativo (fls. 305, 308/309).

O Senhor Presidente da Câmara Municipal apresentou informações (fls. 311/325).

É o relato do essencial.

PRELIMINAR: ILEGITIMIDADE DO REQUERENTE

A ação direta foi proposta pelo Município de Arapeí, pessoa jurídica de direito público interno, representado por seu procurador (fls. 2 e 24).

Ocorre que o Município não possui legitimidade para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade, poder este atribuído pela Constituição do Estado de São Paulo ao Senhor Prefeito Municipal (art. 90, II, da Constituição Paulista).

Como são inconfundíveis a figura do Prefeito (autoridade - pessoa física) e do Município (pessoa jurídica de direito público), a ilegitimidade do requerente torna inevitável a extinção do feito sem exame do mérito, com fundamento no art. 267, VI, do CPC.

Confira-se o entendimento assente, a esse respeito, no Col. STF:

“(...)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CAPACIDADE POSTULATÓRIA DOS ÓRGÃOS REQUERIDOS. Capacidade que, nas ações da espécie, é diretamente reconhecida aos legitimados ativos arrolados no art. 103 da Constituição Federal e não aos órgãos requeridos, que, apesar de prestarem informações, não podem recorrer sem a regular representação processual. Circunstância inviabilizadora da pretensão do agravante, Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região, que manifestou embargos de declaração e agravo regimental por meio de petições firmadas por sua Juíza Presidente. Agravo regimental não conhecido (STF, AgR-ED-ADI 2.098-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, 18-03-2002, v.u., DK 19-04-2002, p. 50).

(...)

O Governador de Estado é detentor de capacidade postulatória intuitu personae para propor ação direta, segundo a definição prevista no artigo 103 da Constituição Federal. A legitimação é, assim, destinada exclusivamente à pessoa do Chefe do Poder Executivo estadual, e não ao Estado enquanto pessoa jurídica de direito público interno, que sequer pode intervir em feitos da espécie (ADI(AgRg)1.797-PE, DJ de 23.2.01; ADI (AgRg) 2.130-SC, Celso de Mello, j. de 3.10.01, Informativo 244; ADI (EMBS.) 1.105-DF, Maurício Corrêa, j. de 23.8.01; ADI 1814-DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, 13-11-2001, DJ 12-12-2001).

(...)”

PRELIMINAR: IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO

Não bastasse o acima exposto, é manifesta a impossibilidade jurídica do pedido.

O sistema constitucional prevê a possibilidade de controle concentrado, através da ação direta de inconstitucionalidade, de atos normativos em vigor, e não de projetos de lei.

Confira-se, nesse sentido, a redação do art. 102, I “a” e 125, § 2º, da CF, bem como o art. 90, “caput”, da Constituição do Estado de São Paulo.

Ocorre que o objeto da impugnação, no presente feito, são as emendas a Projeto de Lei, e não a lei resultante do processo legislativo.

Desse quadro se extrai a impossibilidade jurídica do pedido, e a necessidade de extinção do feito sem exame do mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC.

Confira-se o entendimento do Col. STF nessa matéria:

“(...)

O direito constitucional positivo brasileiro, ao longo de sua evolução histórica, jamais autorizou – como a nova Constituição promulgada em 1988 também não o admite – o sistema de controle jurisdicional preventivo de constitucionalidade, em abstrato. Inexiste, desse modo, em nosso sistema jurídico, a possibilidade de fiscalização abstrata preventiva da legitimidade constitucional de meras proposições normativas pelo STF. (ADI 466, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 3-4-1991, Plenário, DJ de 10-5-1991.)

(...)”

PRELIMINAR: IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DE EMENDA SUPRESSIVA

Não bastasse o quanto anteriormente exposto, pelas mesmas razões mostra-se juridicamente impossível o pedido, visto que o requerente não impugnou nenhum dispositivo da lei, resultante do processo legislativo, mas sim de emendas supressivas a dispositivos que constavam, originariamente, do projeto de lei apresentado pelo Chefe do Executivo ao Poder Legislativo.

A petição inicial da ação direta é clara, nesse particular, ao afirmar que a impugnação se refere às Emendas Supressivas nº 01 e 02, ao Projeto de Lei nº 13, de 05 de junho de 2013, por força das quais foram suprimidos da redação deste os incisos I a IV do art. 10, e os incisos I a IV do art. 18.

Anote-se que a denominada “abertura da causa de pedir” na ação direta de inconstitucionalidade não serve para que o tribunal, de ofício, possa corrigir o vício constante da petição inicial, que, a rigor, com a devida vênia, poderia ter sido indeferida de plano.

É que o tribunal, na ação direta, está autorizado a reconhecer a inconstitucionalidade por fundamento diverso daquele apontado pelo autor.

Não está autorizado, entretanto, a reconhecer a inconstitucionalidade de ato normativo distinto do que foi hostilizado, salvo na hipótese de arrastamento (v.g.: (a) a declaração de inconstitucionalidade de decreto regulamentar quando a lei é impugnada; (b) ou então o reconhecimento da inconstitucionalidade da lei que ressurge por repristinação, por força da declaração da inconstitucionalidade de determinada lei; (c) ou mesmo na afirmação da inconstitucionalidade de dispositivos acessórios e dependentes daquele declarado inconstitucional), o que não ocorre no caso em exame.

Tanto assim que um dos requisitos da petição inicial, na ação direta, nos termos do art. 3º, II da Lei 9868/99, é precisamente o “pedido, com suas especificações”.

Nesse sentido, ainda uma vez, o entendimento do Col. STF:

“(...)

Ação direta de inconstitucionalidade. Impugnação abstrata e genérica de lei complementar. Impossibilidade de compreensão exata do pedido. Argüição (sic) de inconstitucionalidade de lei complementar estadual. Impugnação genérica e abstrata de suas normas. Ausência de indicação dos fatos e fundamentos jurídicos do pedido com suas especificações. Não observância à norma processual. Conseqüência (sic): inépcia da inicial. (ADI 1.775, rel. min. Maurício Corrêa, julgamento em 6-5-1998, DJ de 18-5-2001.) No mesmo sentido: ADI 128, rel. min. Cármen Lúcia, julgamento em 2-6-2010, Plenário, DJE de 15-9-2011

(...)”

Assim, mais uma vez, imprescindível a extinção do feito sem exame do mérito.

PRELIMINAR: AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DOS DISPOSITIVOS DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL QUE TERIAM SIDO CONTRARIADOS

Não bastasse o quanto foi exposto, a petição inicial não indica os dispositivos da Constituição Paulista que teriam sido violados.

Faz menção a vários dispositivos da Constituição Federal, bem como da legislação infraconstitucional (legislação orçamentária, Lei Orgânica municipal, Regimento Interno da Câmara) que teriam sido contrariados.

Isso não é suficiente, entretanto, para autorizar a análise da inconstitucionalidade da lei, visto que, no processo objetivo estadual, mostra-se indispensável que o autor indique quais os dispositivos da Constituição do Estado que foram violados.

A ausência dessa indicação sinaliza para a falta de interesse de agir – necessidade de tutela na jurisdição constitucional – pois o autor não demonstrou a ocorrência da incompatibilidade direta entre a lei hostilizada e o texto da Constituição do Estado.

CONCLUSÃO

Nosso parecer é no sentido da extinção do feito sem exame do mérito, dispensado o exame deste tendo em vista a manifesta carência de ação, pelos motivos já expostos.

São Paulo, 25 de novembro de 2013.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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